O Homem do Futuro (Cláudio Torres, 2011)

João Paulo Capelotti*

Cartaz do filme o "Homem do Futuro"

Todo mundo se arrepende muito de alguma coisa, ou de várias, de seu passado. O físico João, ou “Zero” (Wagner Moura) se arrepende do que fez em novembro de 1991, quando perdeu a mulher de sua vida, Helena (Alinne Moraes), durante uma festa à fantasia. Quando se vê, por acidente, de volta àquela fatídica noite, ele decide aproveitar a oportunidade para consertar tudo que considera ruim em seu futuro. Quer prevenir a experiência traumática oriunda do relacionamento com Helena, e, ao mesmo tempo, instruir seu eu do passado onde e quando investir seu dinheiro, o que resultaria em enriquecimento certo.

O plano não sai perfeito, pois as consequências de mudar o passado são quase sempre muito catastróficas, como ensinam os filmes do gênero, nos quais “O Homem do Futuro” claramente se inspira.

Mas, enquanto no que é consolidado neste segmento, os acidentes da volta ao passado são antes de tudo motores do próprio enredo, em “O Homem do Futuro” eles vão constituir a premissa da mensagem defendida no desfecho, que acaba por se tornar o maior distintivo deste filme de seus inspiradores.

Porém, não é este o aspecto mais comentado pela crítica, que tem preferido abordar uma perspectiva mais ampla, isto é, de como o longa de Cláudio Torres se insere no contexto da produção cinematográfica brasileira recente. A respeito, realmente valem a pena algumas considerações.

Um primeiro ponto a se destacar seria a qualidade técnica, essencial à temática abordada. O requisito é cumprido, com efeitos especiais que não decepcionam. E, de uma maneira geral, avanços em fotografia, direção de arte, figurino e, principalmente, som e mixagem são inegáveis nos títulos lançados desde a “retomada” do cinema nacional, assinalada com o lançamento de “Carlota Joaquina – Princesa do Brazil” (direção de Carla Camurati, 1995).

Também tem sido bastante comentada a própria escolha do tema “viagem no tempo”. Para alguns, trata-se de louvável sinal da expansão da oferta de roteiros fora da temática “social” que tem caracterizado os expoentes brasileiros até aqui. De fato, não é raro ouvir que “cinema nacional só fala de pobreza e favela”, pensando-se, talvez, em filmes de expressão como “Eu Tu Eles” (Andrucha Waddington, 2001) e “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles, 2002). Concorde-se ou não com o juízo emitido por essas pessoas, parece incontestável que a diversidade de gêneros realmente tem aumentado, passando, com maior ou menor sucesso, por ação, comédia, policial, entre outros.

Wagner Moura é "Zero" um gênio frustrado no amor. Sua atuação consolida o ator como um dos maiores astros do cinema nacional

Houve, por fim, quem frisasse que em Wagner Moura está um indicativo do surgimento de verdadeiros “astros” cinematográficos nacionais, capazes de, por si só, exercerem importante poder de atração do público para o cinema. Não só pela arrecadação expressiva que tem proporcionado para “O Homem do Futuro”. Também é possível apontá-lo como responsável, em grande medida, pelo sucesso da franquia “Tropa de Elite”, cujo primeiro episódio (José Padilha, 2007) teve difusão incalculável, por meios lícitos e ilícitos, de bordões e do personagem Capitão Nascimento, e cujo segundo episódio (José Padilha, 2010) bateu recordes de bilheteria.

Algo parecido já havia sido notado com Glória Pires e Tony Ramos em “Se Eu Fosse Você” (Daniel Filho, 2006). Os três são figuras carismáticas e, graças à televisão, tidos como atores de excelência perante o grande público.

Existem, é claro, as outras visões a respeito. Especialmente aguda é a crítica de quem enxerga, nos três fenômenos descritos acima, uma “americanização” do cinema brasileiro. Atrair público apelando para efeitos especiais, atores conhecidos da televisão e adaptações de fórmulas de sucesso de Hollywood significaria mais demérito do que mérito, uma pasteurização do cinema brasileiro a partir do modus operandi pipoca-blockbuster.

Fato é que, embora essa influência seja notória, para o bem ou para o mal, conforme se adote um ou outro ponto de vista, há casos em que os filmes dessa inspiração funcionam e há aqueles que não funcionam. A adaptação desse modus operandi tem seus segredos e, se não dominada, pode levar a pastiches como “Assalto ao Banco Central” (Marcos Paulo, 2011) e “Segurança Nacional” (Roberto Carminati, 2010), apenas para listar dois exemplares recentes.

"Tempo Perdido" do Legião Urbana, cantado por Wagner Moura e Aline Moraes é um dos momentos especiais do filme.

Nos primeiros minutos de projeção, a impressão que se tem é de que “O Homem do Futuro” não escapará dessa sina: os diálogos são duros e expositivos, e falta estabelecer o tom da narrativa. Uma vez concretizada a viagem no tempo, porém, o filme encontra seu rumo, os diálogos melhoram, as situações apresentadas são mais criativas e a trama passa a ser mais envolvente e coesa em sua lógica própria, ajudada pela competente recriação de época e pela trilha incidental, de conexões óbvias, mas eficientes, que vai de “Creep”, do Radiohead, a “Tempo Perdido”, do Legião Urbana.

Mas há, novamente, a questão do tom. A princípio, seria de “Sessão da Tarde”, tal qual sua inspiração confessa, a trilogia “De Volta Para o Futuro” (Robert Zemeckis, 1985-1990), não fosse pelas diferenças contundentes, sobretudo no ato final, que tornam o filme de Cláudio Torres mais do que simples decalque da fórmula americana (ainda que não a supere).

Contudo, para exposição desse aspecto, do qual não se tem notícia de comentários, será inevitável a menção a spoilers.

Reconhecendo de antemão que havia uma inspiração em “De Volta para o Futuro”, me parecia claro, desde o primeiro instante que João conseguiria mudar o seu passado e, com isso, seu futuro, do mesmo modo como Marty McFly (Michael J. Fox). Este, ao final do primeiro episódio da trilogia, mantinha o encontro de seus pais, e seu consequente nascimento, ao mesmo tempo em que acabava transformando seu pai num homem corajoso e bem-sucedido. Esperava, portanto, que, após os percalços colocados pelo roteiro, haveria algum momento em que João aprenderia quais eventos do passado mudar, e quais não mudar, para não ter um presente amargurado e pobre como no começo, nem rico e infeliz como no seu primeiro futuro alternativo.

"Homem do Futuro" é uma comédia romantica nos moldes da "Sessão da Tarde" e mais um blockbuster Nacional

Assim, foi com surpresa que assisti ao rigor moral com que “O Homem do Futuro” trata seu protagonista. A João não é permitido mudar a humilhação de seu passado nem seu desencontro de vinte anos com Helena. A lição é clara no sentido de que as piores experiências são necessárias para moldar o caráter de qualquer um. E se, nos últimos minutos, já em sua derradeira versão do futuro, o físico retorna a um presente em que, embora pobre e separado de Helena, não é calvo nem amargurado, a mudança, presume-se, ocorreu apenas em razão de seu modo diferente de encarar a vida depois de tantas viagens no tempo (e que, obviamente, permitirá que o reencontro final com Helena fique esteticamente mais plausível…).

Como saldo final, Cláudio Torres parece apontar que culpar o passado pela miséria do presente não é moralmente aceitável. A opção de voltar e fazer tudo de novo, e melhor, não nos é dada. Mas mesmo que ela o fosse, por hipótese, não revelaria mais do que um simples exame de consciência poderia oferecer. Para “O Homem do Futuro”, a única vantagem de encarar o passado é poder descobrir um modo mais maduro de enfrentar o que virá a seguir.

* joão Paulo Capelotti é  graduado em Direito pela UNESP/Franca. Mestrando em Direito das Relações Sociais na UFPR.

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Este post tem um comentário

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    Roseanny Conde

    amei o filme… muito emocionante, muito engraçado.
    amei a musica tempo perdido tocada pelos dois.

    Realmente um Filme de sucesso.
    bjo
    Roseane Conde

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