Nosferatu ao Ar Livre

* Por Matheus Fragata

Estive no Parque do Ibirapuera no feriado do dia 2 de novembro, acompanhando a apresentação do que deveriam ser dois clássicos – a “megaprojeção”  de Nosferatu, de F.W. Murnau, realizado em 1922, acompanhada da Orquesta Petrobras e do coro Projeto X que, executaram, pela segunda vez no mundo, a peça escrita e regida pelo maestro alemão Pierre Oser, em homenagem ao centenário do escritor irlandês Bram Stoker, autor de Drácula, obra que inspirou o filme.

Essa proposta de fechar a 36ª Mostra Internacional de Cinema convidando todos os participantes a assistirem uma sessão única, aberta, é extremamente interessante para quem, como eu, é fã de cinema, pois é uma oportunidade rara atualmente, além de proporcionar uma experiência inigualável. O que eu pensei ao ler sobre a escolha do filme, no entanto, é que esta era uma forma de trazer para o Brasil um dia especial comemorado nos países do Hemisfério Norte e também em alguns da América Latina, isto é, um Halloween disfarçado. Já que todo o tema escolhido pela organização do evento refletia isto – e, convenientemente, a parada Zombie Walk aconteceu no mesmo dia.

Foi com agradável surpresa que percebi que estava enganado. Não era apenas um pseudo-Halloween, mas algo muito maior. Mais de 15 mil pessoas estiveram no Parque do Ibirapuera em São Paulo e, mesmo não tendo mais nenhum lugar disponível para assistir de forma tranquila, cada um se acomodava da maneira que podia – por exemplo, pessoas se empoleiravam em monumentos tentando assistir ao clássico de Murnau, na noite fria e com a garoa típica de São Paulo e prestavam atenção no que acontecia na tela, mesmo com os esforços de alguns espectadores em acabar com o encanto do momento como explicarei logo adiante.

Com uma exibição de duração agradável – aproximadamente 1 hora e 30 minutos – para um evento a céu aberto, os espectadores estavam atentos e a ideia de projetar o filme na parte externa do Auditório Ibirapuera foi bastante oportuna. Um dos atrativos, além do filme, era a orquestra. O arranjo era fenomenal e a harmonia entre os músicos, impecável. Apesar das composições serem belas e apaixonantes, notei várias vezes que o que estava sendo tocado não estava em plena sincronia com o filme. Elas destoavam das cenas. Por exemplo, em determinada parte carregada de suspense, o arranjo não mudava, não ficava mais energético e aterrorizante. Apenas continuava no ritmo casual causando o descompasso. A música podia emocionar por si só, mas não acredito que tenha funcionado em conjunto com a projeção, sem adicionar aquela experiência transcendental que estava sendo intensamente divulgada entre diversos portais de notícias antes da exibição. Claro que é muito emocionante assistir ao filme ouvindo uma orquestra ao vivo, mas a expectativa em torno disso poderia ter sido mais contida.

Fora isso, como já havia escrito no texto dedicado ao Vivo Open Air, as projeções ao ar livre continuam sendo, por enquanto, uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que é algo extraordinário e muito interessante, ela é sujeita a todos os estímulos externos que possam vir a ocorrer no meio da projeção. E, no Parque do Ibirapuera, encontrei outras adversidades que podem vir a atrapalhar a projeção já que se trata, essencialmente, de um espaço público movimentado. Além dos aviões, dos helicópteros, do trânsito incessante da cidade e do clima inconstante, algumas árvores obstruíam o meu campo de visão, pássaros sobrevoavam a todo o momento aparentando ter o intuito de serem os mais barulhentos possíveis enquanto realizavam seu voo. E claro, outros espectadores. Por mais que a atmosfera da noite estivesse muito diversificada e agradável, com pessoas de todos os tipos e inclusive alguns integrantes da Zombie Walk que havia ocorrido naquela tarde – a maquiagem e a vestes inspiradas conferiram um ar único para a noite, havia as pessoas dispostas em não ter a mínima consideração com os outros.

Não fiquei apenas em um lugar durante a projeção. Mudei-me algumas vezes para tentar encontrar um local mais conveniente e tranquilo, sem sucesso. Indivíduos insistiam em levantar, andar ou ficar em pé na frente de outros espectadores impedindo a visualização do filme. O forte cheiro do fumo também era um causador de incômodo. Ocorreram bate bocas, pessoas gritavam, faziam piadas sem graça a respeito do filme e, alguns cachorros latiam com frequência. Também havia outros espectadores que pouco se importavam com o filme – alguns até estavam de costas para a projeção. Estavam lá simplesmente por estar ou para beber com os amigos. E infeliz daquele que ousava reclamar da situação. A violência verbal era gratuita.

Não fosse apenas o comportamento de algumas pessoas, a projeção desapontou. Apesar de a cópia estar praticamente perfeita e da restauração ter sido realizada com maestria ímpar, a luminosidade noturna tirou boa parte do encanto do filme expressionista baseado nos fortes contrastes. Com isso, o filme parecia “lavado”, sem contraste. E o som que auxiliava a orquestra não era forte o suficiente para suprir toda a área que estavam os espectadores.

Apesar de tantos “poréns”, não me arrependo de ter ido. A experiência valeu a pena. Mas sei que muitos não partilham da satisfação que tive ao ir ao Parque do Ibirapuera sendo que o evento foi apelidado em algumas redes sociais, literalmente, de “Um Show de Horror”. Enfim, a proposta deve se repetir no verão – depende da nova Secretaria Municipal de Cultura – e, no final da 37ª Mostra Internacional de São Paulo. E eu recomendo a quem puder visitar a próxima projeção ao ar livre.

Afinal, vale lembrar que Nosferatu, o filme selecionado, é uma cópia restaurada de F. W. Murnau, de 1922, um clássico do cinema mudo, foi aplaudido de pé pela maioria da plateia. E isso 90 anos depois. Não só aplausos fervorosos ao filme, mas também ao coro, ao maestro e a orquestra que realizaram um espetáculo louvável. Naquela noite, Nosferatu reinou novamente.

* Matheus Fragata é graduando do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editor Responsável pela Cobertura da RUA. É editor do site Noite Americana.

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