Palermo Shooting (Wim Wenders, 2008)

Por Felipe Abreu*

Finn é um fotógrafo alemão que está cada vez mais distante de seu trabalho e da realidade em que vive. Não consegue dormir e tem sonhos cada vez mais reais, que o perseguem profundamente. Após uma fútil sessão de fotos de moda, que deixam ele e a modelo profundamente decepcionados, Finn vai a Palermo para fazer, com a mesma modelo, um novo ensaio fotográfico.

Na Itália, ele decide tirar férias para se reencontrar com seu trabalho e com sua vida. Flávia, uma restauradora italiana, aparece e se envolve com o fotógrafo, que começa a ser perseguido por uma figura misteriosa que não se sabe se é imaginária ou real.

Palermo Shooting é o mais recente trabalho do diretor alemão Wim Wenders. O filme contou com o auxílio de dois gênios do cinema que nos deixaram durante o processo: Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, que são devidamente homenageados no final da projeção. O filme foi apresentado na 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, contando com a presença do diretor em uma das sessões. Wenders apresenta com este trabalho uma série de questões que dizem respeito à maioria dos habitantes de grandes cidades e profissionais de áreas de grande competitividade. O protagonista está envolvido completamente por seu trabalho, porém não sente mais nenhuma paixão ou interesse por ele, realizando-o de forma mecânica ou até mesmo delegando tarefas essenciais aos seus assistentes.

A cobrança interna e externa sofrida por Finn o leva a um isolamento profundo, fazendo com que ele mantenha relações superficiais com a maioria das pessoas à sua volta. Outro aspecto de seu estresse é sua insônia e, ligada a esta, seus sonhos e alucinações. O grande conflito na vida de Finn é como lidar com a morte e, especialmente, com a morte de sua mãe. Os problemas do protagonista são tratados de forma bastante sutil ao longo do filme. A morte da mãe é mencionada somente uma vez pelo protagonista e só aparece novamente em alguns de seus sonhos; não há em nenhum momento uma repetição pedante para que os problemas sejam fixados na mente do espectador. Os sonhos e alucinações, peças chave no processo narrativo estabelecido, recebem um tratamento visual muito interessante. Há uma forte influência surrealista na construção da estética dos sonhos. Logo na primeira cena do filme essa influência é flagrante: Finn, pendurado em um relógio, despenca no vazio até aparecer em frente a sua janela contemplando a cidade. A caracterização do espaço também é influenciada pelo surrealismo: em uma seqüência de sonhos que o fotógrafo tem em Palermo, ele ora aparece dormindo em uma minúscula cama, ora em uma cama gigante. Há também, em seus sonhos, um toque de expressionismo; longas sombras e paisagens fortemente contrastadas concluem a caracterização.

A trilha musical aparece, como de costume na obra de Wenders, com um papel narrativo muito importante. Em diversos momentos do filme Finn se isola do mundo, e essa fuga é construída com a música. Ao colocar os fones de ouvido, a música que o protagonista ouve toma conta de tudo, nos privando de qualquer informação exterior a ela. Mesmo nos momentos em que a música não vem dos fones de ouvidos, ela ajuda a construir um clima de introspecção e isolamento.

A distância da realidade e de seu trabalho também aparece de uma maneira muito sutil: em sua viagem à Palermo, Finn volta a fotografar, hábito que tinha praticamente abandonado em Düsseldorf, deixando-o para seus assistentes e o programa de edição utilizado por eles. Durante essa volta Finn mostra que perdeu a prática perdendo uma série de fotos de rua. Com isso, Wenders consegue estabelecer uma delicada crítica aos fotógrafos e cineastas que ficam fechados em seus estúdios. Enquanto criam seu universo em um quarto, a vida passa por eles e quando, por ventura, decidem capturá-la, ela escapa pelo vão de seus dedos.

A fotografia também aparece com um papel importante na narrativa. É com ela que o diretor cria uma oposição entre Alemanha e Itália. Düsseldorf é fria, metálica, a foto é pouco saturada e levemente azulada criando um clima triste e inóspito para a cidade. Palermo é retratada de maneira completamente distinta: a fotografia é quente e saturada, aparecem muitos tons de vermelho e verde, dando vida para a cidade e criando um clima muito mais agradável do que o transmitido por Düsseldorf.

O desenvolvimento do conflito de Finn ocorre em Palermo. Seus sonhos começam a ser fundir com a realidade. Uma figura encapuzada tenta matá-lo com um arco e flecha em vários momentos. O fotógrafo sempre é atingido e descobre em seguida que se tratava de um sonho. Finn sempre tenta fotografá-la para ter uma prova de sua existência. Em um momento, ao analisar uma de suas fotos no computador ele encontra a figura.

Essa mistura de sonho com realidade aparece como o ponto mais frágil do filme. Ao contrário da sutileza costumeira, Wenders cria um conflito essencialmente de ação e acaba caindo em um dos chavões mais antigos da narração: a quebra de expectativa pelo despertar.

Apesar de ser a grande falha do filme, a interação entre sonho e realidade propicia um dos grandes momentos da história. A figura que persegue Finn é a Morte. No último sonho retratado na narrativa, o fotógrafo se encontra com ela e com isso surge uma das caracterizações mais interessantes da Morte no cinema. A Morte de Wenders lembra em alguns aspectos a de Bergman em O Sétimo Selo. Careca e trajando uma longa túnica, dessa vez cinza, a Morte é sagaz e irônica. Porém a grande diferença, que dá o charme do personagem, é o tema da discussão dos dois. A conversa passa por vários tópicos, no entanto, o que mais chama a atenção é a opinião da Morte sobre a fotografia digital: “o homem não resiste à possibilidade de manipulação, se sente como um Deus”. A fala da morte devolve ao filme o clima que tinha se perdido com a perseguição entre Morte e Finn nas ruas de Palermo.

Aparece, porém, no final da fala da Morte, a outra falha de Palermo Shooting. É decretado que só se é vivo quando não se teme a Morte e que só assim as pessoas podem se ver de maneira pura e verdadeira. Assim, a mensagem que fica é a de um moralismo intenso.

*Felipe Abreu é graduando em Audiovisual pela Universidade de São Paulo (USP).

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Deixe uma resposta