Entre os dias 4 e 25 de maio de 2009 foi realizada a 13ª edição do Cultura Inglesa Festival, na capital paulista. A cidade de São Paulo recebe anualmente esse evento, que trás a língua inglesa como pano de fundo para a produção em diversas áreas artísticas, são elas artes visuais, cinema, teatro adulto e teatro infantil e dança, sendo esse patrocinado pela Cultura Inglesa. No ano de 2009, o evento continuou com um formato que vem adotando desde 2004, o de unir a produção cultural britânica ao talento e criatividade dos artistas brasileiros. A idéia adotada é a seleção por renomados jornalistas, acadêmicos e artistas das áreas, de projetos de artistas brasileiros que serão discutidos e trabalhados em oficinas e workshops de um grande nome britânico, e transformados em 15 atrações produzidos especialmente para a exibição no festival.
As palestras de Bill Nichols foram realizadas nos dias 12 e 13 de maio, no Centro Cultural Britânico, encerrando as atividades de formação do Festival e, pela imensa maioria dos estudantes de cinema de todo mundo passarem por esse nome desde o início dos estudos sobre o filme documental, é o ponto do Festival que mais atrai quem estuda audiovisual.
Bill Nichols, autoridade internacionalmente conhecida no campo do documentário e do filme etnográfico, é professor de cinema na San Francisco State University, onde dirige o programa de pós-graduação em Estudos Cinematográficos. Tem publicado trabalhos em diversas áreas, desde a cibernética e cultura visual até o cinema novo iraniano. No Festival, foram 2 dias de palestras, cada uma com 2 horas de duração. Apesar do pouco tempo (no total, equivaleria a apenas um dia letivo do curso de Imagem e Som da UFSCar), a impressão do espectador/aluno é que absorveu muito mais conceitos do que se imagina. Bill seleciona a dedo as palavras e os clipes que irá projetar, de forma que em um curto período de tempo consegue explicar bastante um tema principal, desdobrando outros aspectos importantes, ao redor desse tema, no âmbito da concepção documentária.
No primeiro dia de palestra, o professor optou pelo tema “quando o documentário começa a falar”. Antes mesmo de introduzir sua fala, Bill já se demonstrou bastante carismático e bem-humorado ao fazer pequenas brincadeiras com a tradutora que estava ao seu lado e avisar que é um professor, e não um orador. Ao iniciar sua fala, mostrou-se bastante preocupado com a compreensão do público, majoritariamente brasileiro, e buscou uma fala limpa e cadenciada. Nesse dia, falou um pouco sobre a voz no documentário, ou seja, das formas com as quais o documentário ou o cineasta se utiliza para comunicação. Afirmou que o foco do espectador está dirigido para o que vos é dito tanto verbalmente quanto visualmente sobre o mundo histórico. Ainda introduziu conceitos dos discursos direto e indireto (de narradores presentes e oniscientes) e como eles são aplicados ao documentarismo. Mostrou trechos de alguns filmes como Night Mail, An Inconvenient Truth, Tongues Untied, O homem com a câmera (para falar do documentário antes dos anos 60, quando o som ainda não podia ser gravado direto), e citou o brasileiro Eduardo Coutinho como referência do pós-1960, quando os documentaristas conseguiam captar o som de forma direta, no local.
O professor estadunidense tratou também de alguns pontos importantes como a relação do documentário e da internet atual com a ética fundamental a esse tipo de filme. Terminou seu discurso com eloquência: “May the force be with you”, frase famosa de Star Wars, e aplaudiu a platéia. Ainda permaneceu mais uma hora no prédio para conceder alguns autógrafos aos seus fãs e tirar possíveis dúvidas.
O segundo dia de palestra foi reservado para o tema principal “reconstituição no documentário”. Novamente bem-humorado começa seu discurso com frases impactantes e em tom grandioso, retomando um pouco do que havia sido dito no dia anterior sobre a voz no documentário e já introduzindo o assunto principal a ser explanado nesse momento. Nessa noite abrangeu a reconstituição contrapondo-a com o registro histórico. Suas palavras para justificar essa diferença foram: “Brincar não é o mesmo que brigar, como reconstituição não é o mesmo que registro histórico, ou seja, se a reconstituição for idêntica ao que pode ter acontecido, é ficção”. De forma mais científica, dividiu a reconstituição em 5: Realista, Típica, de Alienação, de Estilização e Paródia. Para explicar cada um dos tipos que ele mesmo criou, foi colocado no telão alguns filmes como Nanook of the North , The little Ditcher needs to fly, His mother’s Voice, e ainda utilizou trechos de filmes soviéticos para mostrar o segundo tipo de reconstituição, e um filme ‘underground’ de Todd Hens, Karen Carpenter, para mostrar o último tipo concebido por ele. Bill concluiu o segundo dia de palestras retomando a idéia de que a reconstituição nos deixa conscientes da irreversibilidade do passado, e que a tentativa de fazer sentido do passado está bem distante da cronologia pura. Novamente permaneceu mais tempo no prédio, pois havia se comprometido com o público em conversar com pessoas que quisessem fazer algumas perguntas.
Bill Nichols apresentou um pouco de alguns dos aspectos fundamentais do filme documentário, como sua voz, a reconstituição, a ética envolvida no projeto e a montagem. Sempre atento com o entendimento que o público teria, preferiu entregar ‘hand-outs’ nos dois dias de palestras com o esquema resumido do que falaria, para que o público se concentrasse apenas no que era explicado. As palestras se constituíram em um prato cheio para quem está começando ou estuda o documentário, uma aula que vale por um curso inteiro, graças à habilidade didática do professor, sua preocupação com o público e seu poder de atração dos espectadores pela voz, que mais se assemelha à mesma de um ‘trailer’ de filme estadunidense.
O público presente ainda teve a oportunidade de assistir a uma video-instalação baseada no filme Disque M para Matar (Alfred Hitchcock), onde o espectador entra em uma sala na qual é projetada em um telão uma cena do filme – aquela em que a moça atende o telefone e o assassino está atrás da cortina. O espectador ouve o telefone tocar e aparece na tela um número (11) xxxx- xxxx. Quando a pessoa discasse no celular esse número, ao mesmo tempo em que chamasse no seu ouvido o pulso, começaria também na projeção do filme, e quando a mulher atendesse no filme, a pessoa poderia ouvir a voz dela no seu celular: “Hello? Hello?”.
Gui Mendes é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Além disso, é Webdesigner da ArtComJr (DAC-UFSCar) e Editor/Autorador/Tratador de Imagens da Atual Video Produções de Eventos
ótimo autor!
ótimo texto!
Parabéns..
Eu fui nesse workshop.è basicamente abordagens do livro Introdução ao Documentário.Uma boa oportunidade de presenciar,a bagagem de um profundo conhecedor.