Apresentação de Pesquisas #1 e #2

*por Lucas Hossoe e Luiz Fernando Coutinho

Com o intuito de divulgar o panorama de pesquisas acadêmicas em nível de graduação, a 8ª Semana Universitária do Audiovisual incluiu em sua programação dois painéis com estudos provenientes de universidades de todo o país. Confinadas a uma sala pequena – refletindo o aparente interesse diminuto dos alunos pelo campo investigativo – as apresentações renderam um público pequeno, mas participativo. As pesquisas de um modo geral interessantes, com algumas

 A primeira apresentação aconteceu na sexta-feira (05) à tarde, das 14h às 16h no mini-auditório do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.

 O programa foi aberto com referências locais em “A representação de classes sociais em O Som ao Redor”, de Carlos Eduardo da Silva Ribeiro, da Universidade Federal de Pelotas. Com o objetivo de questionar as estratégias estéticas e de linguagem que representam as diferentes classes no filme de Kleber Mendonça Filho e estudar a relação de seus personagens com objetos de cena, o autor utiliza Bordieu e Jessé de Souza para definir e analisar o diálogo que existe entre as classes sociais. O pesquisador ressaltou que a ascensão econômica da nova classe trabalhadora é exemplificada por meios de identificação forçada com a classe média e que membros de origem social não muito distinta se distanciam de acordo com seu novo status econômico através de mimetismo da classe dominante. Ribeiro trouxe trechos de O Som ao Redor e comparações com outras obras cinematográficas, ficcionais e documentais, contextualizando a dita representação das classes em momentos cruciais do audiovisual brasileiro e concluiu que a temática não é devidamente analisada no nosso cinema, à exceção do recente movimento de filmes pernambucanos sobre cenários urbanos.

 A pesquisa seguinte, intitulada “Um estudo do corpo no cinema japonês”, de Eduardo Costa Madeira, da Universidade Federal do Espírito Santo, se propôs a analisar segundo a fenomenologia e o corpo cinemático, a obra de quatro realizadores importantes e de diferentes épocas do cinema nipônico, notando-se as diferentes possibilidades de mediação filme-espectador e da exploração da sensorialidade. As particularidades estéticas de Yasujiro Ozu foram analisadas dentro da perspectiva de Deleuze, que o considera o primeiro cineasta moderno ao usar personagens equidistantes e enquadradas frontalmente, estilo desprovido de carga dramática e inserções aparentemente “vazias” de planos de objetos e espaços. A obra de Nagisa Oshima foi citada em seguida, como representante essencial do que seria a Nouvelle Vague japonesa. Ao resgatar o erotismo e propor sexo real em um filme com pretensões artísticas, o pesquisador incitou que Oshima conflita diretamente a imagem do Japão tradicional. Madeira também analisou a ideia de câmera-corpo, com o uso de câmera na mão e longos planos sequência no cinema de Naomi Kawase, que induziria o espectador a uma presença fantasmática de entes queridos, ressaltados pelos tempos “mortos” sem ação, aumentando a sensorialidade da obra e ligando-a ao cinema contemporâneo de fluxo e à filosofia zen. O pesquisador citou ainda Takashi Miike, com sua visualidade tátil e recusa do controle da imagem, postura antagônica ao cinema clássico, com proeminência de violência e gore, caos e melancolia, e uma forma direta e brusca de mostrar seus pontos de vista.

 “O Monstro em Les Revenants: subversão dos zumbis e do gênero horror”, de Lucas Pereira Barros, da Universidade Federal Fluminense, analisou a série francesa sob o ponto de vista dito original na retratação do zumbi humanizado e consciente e seus desdobramentos para o gênero horror. Nesse caso, Les Revenants se enquadraria em um horror mais flexível e atenuado, tendo a característica de violência mais sugestiva que visual, e a série seria mais aberta ao diálogo com outros gêneros por focar também em relações interpessoais e intrapessoais. Para o pesquisador, esta é uma explicitação de uma voga do universo ficcional contemporâneo da TV que prioriza multiplicidade de gêneros. Barros concluiu que Les Revenants, ao apresentar zumbis conscientes de sua repugnância e explorados fora de sua zona de conforto, os coloca como “monstros” vitimizados, onde a empatia do público é voltada para estas personagens. Esta foi uma das pesquisas mais abordadas pelos espectadores no debate, demonstrando a identificação do público com esse tema e, justamente pelos exemplos levantados neste momento, ficou claro que a pesquisa se beneficiaria de uma contextualização sobre quão recente realmente é a humanização da figura do zumbi.

 As últimas pesquisas do dia, ambas da Universidade Federal do Ceará, foram apresentadas em conjunto sob o pretexto de que seriam complementares. “O espaço da sala de cinema no século XXI: novas formas de sonhar”, de Israel Branco, discorre sobre o que seria a sala de cinema e suas mutações no decorrer das últimas décadas. As diferenças entre cinema de rua e multiplex, e as especificidades de espaço e demanda de salas 3D e IMAX, assim como do som surround e stereo elucidam algumas dúvidas básicas dos ingressantes no audiovisual, mas a pesquisa em si possui poucas informações/conclusões inéditas, parecendo se limitar mais ao caráter revisionista que à inovação propriamente dita.

 Fechando o primeiro dia de apresentação de pesquisas, “A trilha musical no cinema independente americano: o impacto da música na linguagem cinematográfica”, de Paulo César Ribeiro da Silva Junior, analisou a diferença entre trilha sonora e trilha musical, a cronologia da sonoridade no cinema clássico hollywoodiano e os diferentes papeis do som: rítmico, lírico e dramático.

Apresentação de Pesquisas #2

O segundo dia de apresentação de pesquisas se deu no dia 06, sábado, às 14h30, no auditório do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.

 “Canções de uma Utopia Perdida: Música, Maestro!, Tempo de Melodia e os Musicais da Disney Hoje” foi ministrada por Cesar de Siqueira Castanha, estudante de jornalismo da UFPE, e buscou explorar traços da identidade cultural na pós-modernidade a partir das ideias do teórico jamaicano Stuart Hall, passando por questões como fragmentação da identidade política, relação de espelho, entre outros. Destrinchou-se um pouco também a ascensão do discurso nacionalista presente em filmes da Disney durante o pós-guerra e durante o neoliberalismo nos anos 90, e como alguns destes filmes se valem de uma acepção irônica e nostálgica do sujeito da cultura pós-moderna, como é o caso de filmes como “Pedro e o Lobo”, “The Legend of Pecos Bill” e “Friend Like Me”, bem como utilizam uma ideia de “consumo global de comunidades imaginárias”, em filmes como “Hercules” e “Blame it on the Samba”.

 “O Caso de Bling Ring: Selfies da Juventude Performática” foi uma pesquisa apresentada por um dos organizadores da 8ª SUA, José Vinicius Reis Gouveia, e que investiga relações entre as tecnologias recentes (web 2.0, smartphones, internet, webcam, etc – as quais para o pesquisador representam uma influência “na forma e no conteúdo fílmico”, como se fosse possível assim dissociar as duas coisas) e o conceito de performance na juventude, tendo como referência o caso de “Bling Ring”. Definiu-se performance como um ato autoconsciente e influenciado pela “consciência de duplicidade” teorizada por Bauman. Desmanche da vida pessoal, intimidade exposta, imagens agenciadas para um público (que às vezes pode ser simplesmente o próprio eu) e imagens pessoais manipuladas e filtradas pelas mídias foram os tópicos mais projetados no caso do filme de Sofia Coppola, que para o palestrante é uma pessoa-polaroide, que apenas paira e observa sem realizar julgamentos. Ponto questionável.

 “A representação da mulher contemporânea em “Frances Ha””, pesquisa alavancada por Isabella Fernandes Almada, estudante da UnB, esboça certo historicismo bastante superficial da representação da mulher no cinema clássico hollywoodiano, pensando em termos de “discurso patriarcal”, “mulher passiva”, etc. A palestrante acredita que o cinema é antes de tudo uma ferramenta ideológica e instrumento de poder, e por isso embasa-se na crítica feminista histórica do cinema. Ao chegar em “Frances Ha”, a pesquisadora atenta para alguns pontos que ela considera importante nesta “nova representação” feminina que cinema parece alcançar: o corpo agora é ativo; a produtividade, o papel relevante e a expressão pela dança se fazem presentes; as afetividades existem e a perspectiva feminina é alcançada.

 

*Lucas Hossoe (Pesquisas #1) e Luiz Fernando Coutinho (Pesquisas #2) são graduandos de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos.

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