Celebração à pluralidade e os desafios para cadeia produtiva musical brasileira.
Não há que se questionar o pressuposto de que as crises são geradas pela necessidade de mudança – seja pela demanda de um indivíduo ou de um grupo – e que ainda suscitam esforço contínuo para manutenção do equilíbrio diante desta mudança, assim podemos entendê-las como algo positivo. Crises nos levam a conclusões até então impensadas sobre nós, sobre o mundo no qual vivemos e, principalmente, sobre como lidamos com as vicissitudes, com os “acidentes de percurso” impostos pela vida. E um dos setores ligados à cultura de massa que foi achatado pelas novas formas de produção e distribuição de conteúdos – incluídos aqui a pirataria, os downloads e a pulverização de pequenos produtores em razão do barateamento dos meios de produção, o que ocasionou a descentralização de poder das potentes gravadoras multinacionais; sem falar do “tiro no pé” perpetrado por essas mesmas empresas, em um exercício de auto-sabotagem traduzido em altos preços, marketing predatório e a baixa qualidade dos produtos musicais que fabricam – foi o da indústria fonográfica, que no fim dos anos 90 viu seu império ruir acompanhando atônita a pirataria tomar literalmente de assalto o seu mercado e a responder por mais de 50% da distribuição de CD’s e DVD’s.
Tubarões
Com a iminência de extinção diante de tantas transformações, os tubarões das grandes gravadoras foram obrigados a se adaptar às configurações atuais, e uma das medidas de emergência foi mergulhar às cegas no mercado virtual na tentativa de reparar o erro histórico de nadar contra a corrente tecnológica. Deram com os burros n’água, pelo menos por enquanto. Eles tentam, em vão, cobrar por downloads de fonogramas unitários em seus websites mas se esquecem que ela, a grande rede, tem na colaboração mútua, na troca e na liberdade de ação de seus usuários, suas vocações primeiras e fundamentais – vide Wikileaks –. Logo, a produção musical, reduzida a arquivos digitais, continua sendo compartilhada indiscriminadamente. Fato que fortalece o escambo de conteúdos e engendra novos nichos de consumo.
Artista igual pedreiro
Diante deste cenário, assumem papel de protagonistas os produtores independentes. Geralmente músicos, senhores de sua produção artística, têm se proliferado de maneira exponencial e se articulado não só via internet, mas tecendo redes sociais na esfera pública, nos mundos da vida, na insubstituível mídia face a face, com seus trabalhos entupindo bolsas e mochilas, distribuindo criações coletivas com direito a abraços e apertos de mão. No melhor estilo “artista igual pedreiro” (titulo do álbum de estréia do grupo mato-grossense Macaco Bong), eles “batem” a massa, “levantam” os muros, arquitetam os cômodos e ainda usufruem de sua morada fazendo shows e angariando magros cachês mundo afora.
A rede
Sensível às questões relativas à sua pasta e à circulação de bens simbólicos, o Ministério da Cultura, por intermédio da FUNARTE (Fundação Nacional de Artes), seu “braço realizador” e de mais 16 entidades que compõem a Rede Música Brasil, um programa de fomento e difusão da música brasileira que conta com um conselho consultivo dinâmico e tem por princípio organizar as discussões de políticas públicas para a área musical, foi criada a Feira Música Brasil. Em sua terceira edição, realizada entre os dias 8 e 12 de dezembro de 2010 em Belo Horizonte, o evento reforçou sua vocação proativa para o setor promovendo debates, oficinas de capacitação e encontros de negócios, emoldurados por apresentações de artistas representantes dos mais variados gêneros – foram 99 shows contratados mediante edital, inscrição e seleção – e por uma mostra de cinema que contou com a curadoria da Cinemateca Nacional, que dentre suas inúmeras funções atua restaurando e preservando o acervo audiovisual brasileiro e que enviou à Feira obras relacionadas ao universo musical.
A Feira
O grande objetivo de uma feira é expor mercadorias para venda. Assim, de forma simples e direta pode ser entendida a Feira Música Brasil, com a peculiaridade de que nesta feira, o fluxo de ideias, negócios e experiências culturais proporciona entendimento, troca, conhecimento. E a capacitação da cadeia produtiva que orbita em torno da música brasileira apresenta uma série de dificuldades, uma vez que o país ainda prescinde de um “pensar coletivo” que fuja da imperatividade legitimadora do eixo Rio-São Paulo e se constitua como um mercado plural, subsistente, mas que se reconheça nas diferenças e na capacidade de se reinventar diante de identidades tão díspares. E a Feira Musica Brasil, promovendo o debate entre os recursos humanos que movimentam esta teia, pretende se constituir como referência diante destes desafios, a exemplo de eventos semelhantes como a Womex, que este ano ocorreu em Copenhague na Dinamarca e o Midem, tradicionalmente realizado em Cannes, na França, desde 1967.
ARPUB e a Mídia Gorda
A Rede Música Brasil conta com uma fiel aliada, que encontra na própria gênese de sua existência, a difusão da música independente e a organização de seus pares. É a ARPUB (Associação das Rádios Públicas do Brasil), que esteve na Feira com uma equipe de profissionais provenientes de várias cidades do país e que se propuseram a cobrir o evento em sua plenitude, produzindo boletins jornalísticos diários – disponíveis para download na página da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) – e ainda transmitindo as apresentações do palco principal do evento na íntegra, via Satélite, para um pool de mais de 50 emissoras. Trabalho árduo, gratificante, que vem a coroar a difusão intermitente de nossa cultura popular nas ondas do radiofonia pública, algo que os veículos de grande penetração popular insistem em omitir, atuando como partícipes de nefastos efeitos colaterais, como o jabá – prática que compreende o pagamento como condição para execução de determinado fonograma – uma vez que submetem-se a ele.
A revolução dos bichos
Na busca por um universo livre, despido de preconceitos e organizado em teias produtivas e pensantes, a Rede Música Brasil, através de seu conselho consultivo, produziu uma carta de intenções/impressões que funciona como um rescaldo do evento e ainda prospecta reivindicações. Um verdadeiro denominador de bases fundamentais para uma política permanente voltada para a música. Pontos como o mapeamento amplo do setor musical, a obrigatoriedade do ensino nas escolas, a garantia da diversidade na difusão da música e a necessidade de um marco regulatório neste processo; foram algumas das temáticas apontadas no documento. E o grande desafio talvez seja aproveitar este momento histórico para engendrar novos caminhos e não reproduzir os modelos de negócios já constituídos e viciados pelo poder. Terreno caudaloso, ubíquo, seduzível ao extremo; e que à semelhança do porco Napoleon da Manor Farm, que se deixou levar por suas bravatas no antológico romance de George Orwell, também pode inocular o seu dom de iludir na nova gestão do Minc. Ficam a esperança de uma continuidade e o alerta em relação às desastrosas gestões anteriores.
João Flávio Lima é mestrando em Comunicação Midiática pela UNESP e Produtor da Rádio UNESP FM – Bauru – SP. Integrou a equipe de profissionais da ARPUB.
ATENÇÃO:
A Feira Música Brasil, deve ter sido ótima para quem foi assistir e para os convidados, porém, artistas selecionados foram prejudicados na logística. Ficaram hospedados longe do local do evento, não puderam participar de rodada de negócio, enfim, ficaram isolados, distantes do local do evento e além de tudo o cachê/prêmio ainda não foi repassado pela produção. Verdadeiro FIASCO!
Lamentável o que fazem com os artistas que acreditam que um dia tudo isso vai mudar! Até quando?
Deixo aqui meu protesto!!!
Samuel.