42º Festival de Cinema de Brasília

O Festival de Cinema de Brasília completou, no mês de novembro, sua quadragésima segunda edição. Criado em 1965, o festival é o mais antigo do país. Idealizado pelo crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes, o festival teve sempre um caráter contestatório, o que levou à sua proibição na época da ditadura militar.

O Festival foi sempre um espaço para divulgação e incentivo de filmes nacionais. Dividido entre Mostra Competitiva e Mostra Brasília, nos últimos anos ele tem procurado expandir sua acessibilidade aprimorando recursos para deficientes visuais e auditivos além de estar buscando democratizar sua exibição, levando mostras a diversos locais espalhados na cidade incluindo também o entorno periférico das cidades satélites.

Nesta edição, por exemplo, o espectador pode acompanhar a programação em salas tradicionais como o Cine Brasília, o Centro Cultural do Banco do Brasil, o Teatro Nacional; mas também em salas populares como no Cinemark, do shopping Pier 21, ou em locais mais alternativos como a Praça do Centro Cultural Itapuã, em estações de metrô em Taguatinga e Ceilândia. Além disso, o festival passou, recentemente, a ter também uma mostra digital, abrindo espaço a um estilo de produção diferenciado, com menos recursos financeiros.

O festival é dividido em várias categorias, de acordo com a duração e as características da película, ou meio digital, tendo também uma categoria exclusiva para produções realizadas em Brasília, o que serve como incentivo à produção na capital. Tendo sempre um caráter muito diversificado, ele abrange desde grandes produções com atores e diretores famosos, até produções de novos cineastas, estudantes e amadores independentes.

A quadragésima segunda edição do festival teve sua abertura no dia 17 de novembro, quando contou com a apresentação da Orquestra Sinfônica e a estréia do filme “Lula, o Filho do Brasil”, o qual gerou polêmica nacional.

O festival, além de contar com as diversas mostras competitivas, também contou com exposições, seminários, oficinas e debates com os diretores após as sessões.

Dos filmes que passaram nesta edição do festival, tivemos a oportunidade de assistir algumas das obras de grande destaque.

O curta Recife Frio, de Kléber Mendonça, mostrou, de forma muito bem humorada, o conflito que o mau clima causaria em uma cidade como Recife, toda planejada em função do seu clima sempre ensolarado. O falso documentário explora o quanto a rotina na cidade, os trabalhos, as casas, a economia, o turismo, o comércio, e até mesmo a cultura popular seriam influenciados pelo frio. “É um filme bastante pessoal. É um falso documentário, mas foi elaborado como se fosse um”, explicou o diretor que venceu o prêemio de melhor curta metragem em 35 mm, e de melhor roteiro.

A hipotética história conta que Recife teria sido atingida por um meteoro causando um frio permanente que já chega a seis meses de duração. A crise chama atenção internacional e o documentário na verdade é uma matéria de um canal estrangeiro (ao estilo da CNN) narrado em espanhol por um narrador tão frio como o clima, o que gera ironia.

O documentário se utiliza desde fato para levantar algumas questões interessantes. Por exemplo, temos a crise do mercado imobiliário com a fachada de prédios, à beira mar, inteiros a venda, causado pelo estremo frio. Uma das famílias “entrevistadas” revela que trocou o quarto do filho, antes com varanda de frente para o mar, com o quarto da empregada, pequeno e sem janelas devido ao frio. Vemos então a empregada meio indignada, meio rindo, pedindo seu quarto de volta, enquanto o filho se aquece com um secador de cabelo. “Ela tá se sentindo um peixe fora d’agua com quarto com suíte e varanda”, afirma a mãe enquanto acompanhamos a empregada passar o ferro sobre a cama para esquentar. A ironia, o cinismo e a brincadeira se tornam ainda mais engraçada quando percebemos a feição de deboche presente nos entrevistados que narram a tragédia.

Outro momento interessante é quando um simples comerciante nós mostra como o artesanato local foi modificado a nova realidade, trocando a vestimenta dos bonecos por cachecol, luvas e gorros, enquanto as casas agora têm lareiras e chaminés. Um fantástico filme que arrancou muitos aplausos e risos de todos os espectadores presentes na sessão.

Quebradeiras foi outro documentário muito interessante que pudemos acompanhar. O longa finalizado em 35 mm, do diretor Evaldo Mocarzel, mostra a vida das mulheres quebradeiras de coco babaçu da região do Bico do Papagaio, na fronteira entre os estados do Maranhão, Tocantins e Pará.

O filme opta pela ausência de diálogos durante todo o filme, preferindo compor o som apenas pelos sons ambiente e pelas canções tradicionais das mulheres. O filme apresenta um ótimo trabalho de fotografia, explorando a região e sua beleza natural de forma exuberante, destacando uma parte da cultura nacional muito importante e muito pouco conhecida.

A montagem determina o ritmo que intercala entre momentos de longa contemplação e rápidos batimentos. Um lindo filme, muito plástico e que, segundo o próprio diretor apontou antes da sessão, dialoga muito com os documentários do mineiro Cao Guimarães. A única crítica que podemos destacar ao documentário que acabou premiando o diretor e o fotógrafo Gustavo Habda é a extensão e repetição dos temas, o que acabou esvaziando a sessão do Cine Brasília ao final.

Outro documentário muito bonito que pudemos assistir foi o curta Ave Maria,ou Mãe dos Sertanejos, de Camilo Cavalcante,  que mostra a vida dos sertanejos sob o som da Ave Maria, música que toca na rádio local todos os dias às 18 horas. O filme mostra a rotina dos sertanejos e elementos de sua cultura, contando também com uma ótima fotografia.

O grande premiado do festival foi o longa em 35mm É Proibido Fumar, de Anna Muylaert, que ganhou 8 troféus na premiação oficial – Troféu Candango – incluindo o de melhor filme e melhor roteiro, tendo sido recentemente estreado em circuito nacional. Não acompanhamos esse filme.

Para as ficções, destaque para o curta metragem Aguá Viva de Raul Maciel, estudante da UFSCar, que levou o premio de melhor atriz para Mariah Teixeira.

Outro destaque foi Dias de Greve de Adirley de Queirós, realizado no Distrito Federal, que conta a história de uma greve de serralheiros que é deflagrada em uma cidade de periferia da Capital Federal. Neste período, muito mais do que um possível despertar para uma consciência de classe, os grevistas redescobrem uma cidade e um tempo que não mais lhe pertencem. De forma simples e divertida, utilizando não atores, o filme é leve e honesto, explorando as realidades locais da região.

Verdadeiro ou falso de Jimi Figueiredo, outra produção do DF, evidenciou que o humor é uma característica extremamente presente nos filmes candangos.

A quadragésima segunda edição do festival teve seu encerramento no dia 24 de novembro, com a premiação dos filmes mais votados. O festival de Cinema de Brasília tem sido reconhecido cada vez mais e hoje recebe públicos dos mais diversos tipos.

O festival tem buscado expandir sua exibição distribuindo suas sessões em diversos lugares do Distrito Federal, e mesmo assim, tem sempre suas salas lotadas. A participação da população de todo o estado tem aumentado, sendo que ao contrário de antigamente, hoje o festival exibe produções não só do centro da capital e de grandes cidades, mas também de cidades satélites.

Um festival aberto as produções de outros estados, mas que ao mesmo tempo valoriza e incentiva a produção regional. Prova disso está na Mostra Brasília, espaço destinado a exibição de produções alternativas, trabalhos de escola (UNB) e grandes produções de Brasília. Os diversos prêmios distribuídos, com destaque para a premiação da Câmara Legislativa do Distrito Federal, são incentivos extremamente válidos para as realizações  regionais com potencial e que buscam seu espaço na produção nacional.

A tradição não é impasse para a inovação no festival que também é um grande centro de reuniões entre profissionais da área da região centro-oeste e de todo Brasil.

Assistimos a muitos filmes em diversas salas diferentes. Essa abrangência de locais gera uma diversidade de espaços muito interessante para o festival. Assistir a sessão de gala das 20:30 no Cine Brasília é bem diferente de assistir a mostra digital as 15:00 no Teatro Nacional, que deve ser diferente de assistir aos mesmos filmes em Taguatinga ou Ceilândia.

A imagem que fica na memória é justamente esse contraste. Seja nas cadeiras confortáveis do Teatro Nacional, ou no chão duro do lotado Cine Brasília, a emoção do público era expressa a cada conquista do personagem na tela. Aplausos, comentários, críticas… Tudo era motivo para interação e manifestação da platéia. O silencio mórbido dava espaço para gargalhadas contagiantes. Uma outra maneira de receber o filme, uma outra maneira de pensar cinema. Um festival muito interessante diferente em sua proposta e em sua apresentação, e talvez tenha nessa receita o sucesso de público e participação.

Felipe Carrelli é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Leila Lobato Graef  é graduanda em Física pela Universidade de Brasília (UNB)

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