Resenhas Musicais do 2º Contato

4a Feira (08/10): Abertura do Festival no Teatro Florestan Fernandes

VDoc: O coletivo de Campinas desenvolve um trabalho multimídia a partir de pesquisas de linguagem com o documentário. Novas narrativas são criadas dentro de uma obra múltipla, e diversos momentos são loopeados e seqüenciados, tornando-se músicas que trazem ainda mais força para o tipo de representação escolhida. Bom humor e reflexões peculiares no projeto “Filosofia de Botequim”, onde alguns entrevistados divagam seus pensamentos, entre um copo e outro.

foto: César Spadella

Embolex: Marginália 2.0 é o nome da apresentação que o grupo escolheu para representar a fusão entre o trabalho de remix das imagens e sons do filme A Mulher de Todos, de Rogério Sganzerla, entrecortado por uma narrativa ficcional criada por eles sobre um casal caricato. O ritmo se intensifica com o decorrer da apresentação e é muito interessante a perda de fronteiras entre o DJ e o VJ. As funções se misturam, e as obras ganham novos ritmos que o momento da apresentação direciona. No áudio, o que marcou foi o peso dos graves, com o volume alto, quase agressivo e muito noise, numa alternância entre beats que poderiam estar em uma pista da dança e paisagens sonoras que foram apreciadas por quem se rendeu à fruição do espetáculo.

foto: César Spadella

5a Feira (09/10): Palco Livre no DCE UFSCar

Caio Bosco e DJ Beto: Antigos parceiros do projeto Radiola Santa Rosa, os dois músicos vieram juntos apresentar o trabalho autoral de Caio Bosco, que em breve lança seu Diamante EP. No futuro, o show será em formato de banda, mas desta vez foi apresentado como há um ano atrás, com guitarra e voz somados a bases, scratches e samples. Astral zen e reflexões profundas em canções com climas praieiros sobre aspectos sensoriais da vida e sobre viver no Guarujá.
Nem mesmo os pequenos problemas técnicos no Kaoss Pad que manipulava o efeito da voz fez a áurea do show perder seu brilho, e no final, a rapaziada até pediu um bis, contemplado com a música Outro Dia Diamante, faixa que conquista a todos por sua beleza poética e está na coletânea Transmissões Independentes da Rádio UFSCar.

6a Feira (10/10): Armazém Bar – Independência ou Marte A Festa

Vício Primavera: A banda de Mogi das Cruzes fora chamada pelo envolvimento com a cena do interior paulista e principalmente pela vontade que tem de fazer o circuito acontecer. Trouxeram um show que mesclou músicas de seu EP (que tem um belo encarte em forma de flor) e algumas versões para clássicos da mpb. Duas guitarras com arranjos simples, percussão, vocais com forte inspiração na literatura e o resultado de climas entre o rock e o pop. A noite estava começando.

Javali Underground: A banda de São Carlos possui pouco tempo de vida, e em meio a uma fase de germinação, frutificou algumas idéias na festa junto com uma projeção multimídia em 3D. Óculos para a platéia e a sensação sinestésica na leitura das imagens e dos sons. Muito delay na guitarra e voz, sintetizador derretido, pegada forte na bateria e linhas de baixo não convencionais, além da participação especial de Cristiano Rosa (Pan&Tone) soltando efeitos a partir de seus brinquedos curto-circuitados. Recombinação, experimentação e muita intensidade em sete músicas autorais que foram apresentadas, mesclando letras sensoriais e instrumentais com grooves inventivos.

foto: Daniela Teixeira

Sábado (11/10) – Praça do Mercado Municipal

Malditas Ovelhas!: Com um pequeno atraso devido à passagem de som, a banda de Araraquara abriu o Festival no Mercado Municipal no meio da tarde, já com um bom público, aberto às experimentações dos garotos. Músicas bem arquitetadas, que buscam climas diferenciados, entre interlúdios, construções de paisagens e clímax explosivos. Belo trabalho nas camadas sonoras e na escolha dos timbres, sempre abusando dos efeitos do sintetizador, do wah-wah e distorção na guitarra, da bateria com tempo quebrado e das linhas de baixo bem funcionais. As percussões funcionam na maior parte do tempo como complemento, a não ser em algumas músicas, quando todos os integrantes seguram alguma peça e criam um outro momento paralelo no show, antes de voltarem a seu corpo. O único porém é o ritmo da apresentação e a passagem entre uma música e outra, que deixa a dinâmica um tanto lenta, principalmente quando eles revezam os instrumentos.

Cérebro Eletrônico: Os rapazes não esconderam a alegria de tocar em São Carlos mais uma vez, após terem vindo ano passado com o Jumbo Elektro. Apresentaram-se no final de tarde, em um momento ideal para seu pop psicodélico, bem colorido e de atitude performática. Entre serpentinas, papéis brilhantes e os pulinhos de Tatá Aeroplano e Cia, algumas pessoas cantavam junto as novas músicas do grupo, que cada vez mais se contamina por um eletro-rock oitentista mais dançante, mas que ainda  possui forte apelo melódico e estruturação formal bem calcada nas letras. Mesmo sem a presença de Dudu Tsuda, os arranjos e os timbres instrumentais foram o diferencial, que deram bastante unidade ao show. Porém, os personagens criados e mesmo a atitude no palco lembram muito o projeto irmão, e ficou a sensação de fragmentação de força, se comparado à catarse final que fora o show do 1º Contato.

foto: César Spadella

Plano Próximo: O Plano Próximo foi a primeira banda da casa a se apresentar no Festival. Mesmo prejudicados pelo técnico de som que estava perdido na introdução que fizeram para o show, eles logo explodiram em Nada Demais, música que traduz bastante o perfil da banda. Letras no feminino sobre visões de mundo e experiências entre a adolescência e a fase adulta, com forte raiz no pop, mas contaminadas por uma energia e sonoridade do indie rock alternativo. Carol Tokuyo solta a voz em várias músicas, berra, e quebra com um padrão pré-formulado ao mesmo tempo em que se mantém a harmonia do todo pelos arranjos e backing vocals. Instrumental conciso e bem trabalhado, com destaque para os momentos com sintetizador, que encontram um lado mais psicodélico da banda. Alto astral em um show dinâmico, que comoveu as meninas do fã-clube que cantaram todas as músicas, e ainda quiseram fotos e autógrafos da banda.

foto: César Spadella

Guizado: De camisa xadrez e óculos branco, Guilherme Mendonça parecia um ser extraterreno invadindo o palco. O show mais experimental do Festival começou com uma leve chuva que logo se intensificou, mas que parecia fazer todo sentido a cada nota de trompete ou com os efeitos manipulados, samples programados e os climas espaciais criados à base de freqüências quase inaudíveis para seres humanos. Enquanto algumas pessoas se escondiam embaixo de algum teto para fugir da água, um público se entregava ao momento único debaixo de uma pequena tempestade que ameaçava esfriar a noite. Mas o calor humano foi mais forte, e a energia alimentou ainda mais as paisagens eletrônico-psicodélicas, acentuadas pela bateria de Curumin e o instrumental acid-jazz encorpado pelos instigados Ryan Batista e Régis Damasceno.
Quem estava ali se expandiu, cresceu e ajudou a fazer o show, que teve um final catártico e a sensação de um momento histórico na vida de todo mundo.

foto: César Spadella

Zero16 & Ganja Groove: Os seletores e o toaster Fred Gomes entraram primeiro, trazendo consigo a bandeira da Etiópia e as mensagens positivas de quem está conectado com Jah. Alguns improvisos de versos, mais algumas viradas nos vinis sete polegadas, e eles chamam ao palco os MCs Sorriso e Jota Ghetto para cantar a dubplate que faz a intersecção entre os estilos, entre as atitudes e os bons seres humanos que dividiam o palco 2 no centro de São Carlos. Todo mundo levantou a mão quando o Ganja chegou. Mantendo a vibe, em clima dub, o Zero16 entrou em cena com mais força do que nunca, tocando uma versão nova para O Bonde, música que fala sobre exatamente tudo isso que é ser
quem são. Os caras estavam um pequeno tempo afastados dos palcos, devido à mudança na formação, entre outras coisas, mas na verdade, o acúmulo de energia e sensações dos últimos tempos fez com que a apresentação fosse mais explosiva e emocionante para quem acompanha a carreira dos camaradas. Renovados com a presença do experimente baixista Ricardo Finazzi, eles tocaram as músicas do primeiro disco e esquentaram os fãs molhados, que cantaram junto quase todas as músicas, além dos visitantes curiosos que já tinham ouvido falar do trabalho do grupo. Letras sinceras, instrumentais com muito groove e algumas novidades marcaram uma apresentação intensa, que os fez inclusive estourarem o tempo contado do festival, para satisfazer o público com Código de Área, música hino desta Sanca Vice.

fotos: César Spadella

Curumin: O músico paulistano voltou à cena, desta vez para colocar sua bateria na frente do palco e cantar as canções de um dos álbuns mais importantes lançados este ano, Japan Pop Show. Na verdade, como de praxe, ele fez referência a toda a sua escola da black music e começou a sua apresentação com a clássica Everybody Loves the Sunshine, do Roy Ayers, quem sabe, para fazer a chuva parar. No meio do show, ainda cantou Negro Drama do Racionais com a base de sua Samba Japa, e ainda deixou tocar na sua MPC uma música quase inteira da Nina Simone, enquanto faziam a pausa para a água. Bem humorado, sempre em conexão com o público e muito sincero a cada frase, ele novamente fez um show diferente dos outros. Mas o público parecia ter visto o setlist preparado para a apresentação, porque acertava cada pedido: Kyoto, Caixa-preta, Mal Estar Card, passando por Compacto (que segundo ele mesmo era o tema do festival) e o bis, Magrela Fever, que contamina todo mundo com sua liberdade na sensação de pedalar pelo mundo com o vento no rosto. Nem os pequenos problemas técnicos e a dificuldade em deixar perfeitos os sons cheios de camadas e timbres refinados estragaram a festa, que terminou ainda mais quente, numa das mais belas celebrações da noite.

foto: César Spadella

Jards Macalé: Final da noite, a chuva já tinha ido quase totalmente embora, um público voltara à frente do palco, e outro chega justamente para ver o show que iria coroar a noite de sábado. O próprio Jards tira uma onda ao fundo com o “coroa”, mas sem titubear, inicia o dedilhado intenso de seu violão com um dos seus grandes clássicos, Farinha do Desprezo, acompanhado a princípio apenas por sua característica voz grave. Com a chamada dele, entra em ação a sua banda, formada por músicos de muita história na música brasileira: Cristovam Bastos no teclado, Jorge Helder no contrabaixo, Jurim Moreira na bateria e Dirceu Leite nos metais. Sentado em uma cadeira de plástico na frente do palco, vestindo uma camisa do Super-Homem sangrando por baixo da camisa, ele toca durante pouco mais de uma hora um repertório de canções consagradas como Boneca Semiótica, Vapor Barato, Mal Secreto e algumas coisas inéditas, até seu disco “Macao”, como Engenho de Dentro, para alguns seguidores de seu trabalho e curiosos que se juntaram atentos ao momento que o festival estava vivendo. Ele falou pouco com o público, a não ser quando chamou a rapaziada para dançar na chuva a sua Negra Melodia. Pena que o espaço aberto facilitava a dispersão de uma apresentação rica em detalhes sonoros, de cada instrumento, do sussurrar das palavras, e da harmonia que a banda possui. No fundo, as projeções faziam a recombinação de sentido da apresentação, com imagens de desenhos animados fragmentados em novas narrativas, que criavam uma nova cenografia para o show. Mas, acima de tudo, foi um marco na história da cultura de São Carlos.

fotos: César Spadella

Armazém Bar – Independência ou Marte A Festa

Aeromoças e Tenistas Russas: A banda formada no curso de Imagem e Som da Universidade Federal iniciou suas atividades no ano passado, mas foi neste ano que ganhou corpo e passou a comandar os palcos da cidade com músicas próprias e alguns covers. No Armazém, fizeram um de seus shows mais intensos, alimentados pela casa cheia e atenta ao som. Banda bem ensaiada, com pegada forte na guitarra, baixo, bateria, teclado e no saxofone que marca algumas faixas instrumentais. O vocal de Hard também está cada vez mais rasgado, com uma visceralidade crua do rock and roll, e eles estão no caminho certo por um som cada vez mais autêntico.

Porcas Borboletas: Uma das maiores bandas do país na atualidade, o Porcas faria o show no palco principal da Praça do Mercado, mas a chuva e o tempo corrido fizeram com que o show fosse transferido para o Armazém Bar na Festa do Independência ou Marte. Palco menor, mais perto do público, ideal para a explosão do som deles se conectar com as pessoas no auge de sua loucura musical. Enzo Banzo, Danislau, Moita, Rafa, Ricardim e Vi Vicious, tão inspirados como sempre, não tiveram dó e tocaram várias das novas músicas inéditas, que estarão no próximo disco, mas que começam a ficar conhecidas por quem curte os caras, como Super Herói Playboy, e aquela que fala que “Silvio Santos morreu em 1984 e hoje é feito de plástico”. Bananeira no palco, chutes, danças, performances inventadas ao acaso e bom humor fora do normal, em um show curto, mas intenso. Eles também chamaram o alemão que toca baixo com eles para cantar uma música em inglês e ainda tocaram Lembrancinha a pedido do público, além de estamparem a admiração por Arnaldo Antunes tocando Eu (música feita em parceria com eles) e finalizarem com Fora de Si, no bis que juntou Daniel Belleza e Tatá Aeroplano num dos momentos mais insanos de todos esses dias.

fotos: Catita Alves

Domingo – 12/10 – Praça do Mercado Municipal

Criatua: A banda de São Carlos entrou quase pontualmente no 2º palco, para um público que começava a chegar. Empolgados pelo convite do Festival, prepararam pela primeira vez uma apresentação somente de composições próprias. Pegada setentista, às vezes influenciados pelo progressivo, com músicas instrumentais e outras com letras sobre o amor, a noite e o rock. Todos de preto, suando no calor de sol forte, o que fazia parecer que estavam cansados em cima do palco, principalmente quando o show ficava lento no encadeamento das canções, ou mesmo na expressividade dos músicos.

Blues the Ville: Novamente no Contato, a banda subiu no palco com a energia de sempre e o alto astral característico que os fazem uma das principais bandas da cidade. Pra quem esperava material novo, coube soltar a voz com as músicas do primeiro disco, Da Vila Para o Blues, em músicas como Help Me Gispy Woman, Apoteose do Blues, Blues da Mama e On the Blues Road. David chamou a galera pra participar do show desde o começo e estava muito bem quando cantava, nos improvisos de gaita, ou até quando imitou Michael Jackson, de chapéu e tudo. Coxa e Danilo, como sempre, mantiveram o groove e a levada mesclada com outros ritmos que caracteriza o som deles, sempre concentrados e dedicados a tirar a melhor sonoridade. Mas foi Netto, como sempre, que roubou a atenção no feeling com sua nova guitarra, com estilo rockabilly, e pelas poucas, mas muito engraçadas frases, entre música e outra. No final do show, o cara ainda fez mais brincadeira com os dois ou três bêbados que pediam Slayer e Metallica e disse que São Carlos se fala com R forte. Protesto non-sense do bem.


foto: César Spadella

Astronauta Pinguim: E não é que ele voltou? De algum lugar do espaço, com sotaque de gaúcho, calça de oncinha e camisa cor-de-rosa do King Crimson, o figura volta a São Carlos menos de seis meses depois de lançar seu Supersexxxy Sounds por aqui. Dessa vez, além de estar munido de quatro sintetizadores vintage, o moogman veio acompanhado por Clayton Martin na batera e por Daniel Belleza (travestido de Velma do Scooby Doo) no baixo. E foi o de sempre: músicas próprias do disco, misturadas com versões de clássicos do pop e rock internacional com muito vocoder na voz, entre piadas, embromations, tirações de onda e tudo mais que faz parte do universo que ele inventa. Destaque novamente para o momento em que Clayton sai da batera e cai no improviso dadaísta no Korg, abusando da potencialidade dos timbres que o instrumento possui. Na verdade, o show foi mais uma parte do plano de dominação que ele armou para São Carlos, que inclui um programa semanal que estréia em breve na Rádio UFSCar, e uma candidatura a vereador, que ele já pré-lançou para 2012.


foto: César Spadella

As Cobras Malditas: Não precisa de baixo. Bateria, saxofone, duas guitarras e voz rasgada. Garagem, berros, letras em inglês. O show das Cobras Malditas arrebatou todo mundo com pegada forte e muita personalidade, de quem curte fazer os personagens rock mesmo, cheios de tatuagens, insanos e intensos no que fazem. Psycho tem uma presença de palco incrível e a voz rouca de quem começa a passar dos limites do próprio corpo. Sem muita coisa a dizer, a não ser suas próprias expressões e o salve para os amigos do The Dead Rocks, os caras mandaram ver com as músicas que fazem parte do EP Love Myself For Hating You. Músicas sobre a vida na metrópole, desconexa e underground, bem contempladas por riffs de guitarra suja com pegada entre o surf e rockabilly e uma bateria pulsante que dá vontade de bater palma e dançar. Terminaram o show empolgados com a receptividade do público e ainda mandaram mais beijos pra galera.


foto: César Spadella

Macaco Bong: Finalmente em terras são-carlenses, uma das bandas mais importantes do país. Os caras vieram diretamente da mini-tour em Montreal no Canadá, para fazer o clima do final de tarde na Praça do Mercado. Do backstage (onde estavam trabalhando) para o palco, Inayã, Kayapy e Ney Hugo se tornam gigantes; com os instrumentos básicos do rock and roll, conseguem passear pelos mais diversos estilos do gênero, em músicas grandes e sem fronteiras. Riffs e solos de guitarra com distorção simples, baterias intensas que dialogam com jazz, e baixos pesados, bem funcionais. O show na verdade começou leve, mas foi ganhando dinâmica, pela forma como funcionam as próprias músicas, que começam suaves, valorizando as belas melodias, até quando se faz sentir o peso do trio e eles catalisam tudo em uma pancada só. O público também se rende cada vez mais, entra na loucura do show e alimenta a energia que se vê crescer no palco a cada minuto, com mais suor gasto, e a concentração e expressão de uma relação sexual. Não é à toa que eles costumam classificar o som como instrumental erótico. Sendo assim, os climas mudam e se tornam mais agitados com o passar do tempo. Ou seja, final catártico, insano; Kayapy se joga no chão, estoura a corda da guitarra, e sabe-se lá como encontra maneiras de chegar até o fim. Emocionados, cansados, mas muito felizes, a expressão deles atrás do palco foi um dos momentos mais marcantes do Festival.foto: César Spadella

The Dead Rocks: O show do The Dead Rocks sempre é um acontecimento surreal. De repente, quando você olha por cima, está todo mundo dançando em transe ao som dos três caras de terno vermelho, que comandam a festa do jeito que eles quiserem. Desde a turnê européia, os caras ainda não tinham tocado por aqui, e o sentimento é que com o tempo a banda possui uma potência ainda maior, com um ritmo de show absurdo, as músicas bem encadeadas, as falas na hora certa e as erupções milimetricamente calculadas. A banda está cada vez mais classuda, profissional, e tocar em casa com um público gigante é a coisa mais fácil para eles. Sabem o que estão fazendo o tempo todo, desde a escolha do repertório, o tempo do show pensando no bis e até a tiração de onda com a galera, como mestres de cerimônia de um baile psicodélico. Mais uma vez era aniversário de Paul Punk, Johnny quase bota fogo na sua Jaguar, e Marky por trás de tudo, pulsando intensamente o coração surf e rockabilly nas músicas que fazem parte do repertório do mais novo álbum deles, One Million Dollar Surf Band. Além disso, ainda tocaram Marsh to Fuzz, que eles gravaram para uma compilação da Monstro Discos em homenagem aos caras da banda headliner da noite. O show também foi curto, porém intenso e devastador. Energia gasta em pouco tempo, concentrando o centro do universo em um palco, em mais um momento histórico para quem vive a banda de perto, para quem já tinha ouvido falar ou até mesmo para algum desinformado que não sabe que esta é uma das maiores bandas que se tem.


foto: César Spadella

VJ Palm e Pan&Tone: Live Noise Tupi foi o nome da apresentação experimental que os dois artistas eletrônicos fizeram no palco principal do Festival. Intervenções recombinadas; de um lado, manipulando o Data Flow, software livre que programa a manipulação de imagens e sons em tempo real, Ricardo Palmieri. Do outro, sentado no chão, curto-circuitando aparelhos eletrônicos de baixa-voltagem, em especial brinquedos ressignificados, Cristiano Rosa. Dois seres humanos em busca de abrir o código de todas as tecnologias possíveis, do software, do hardware, do pensamento. E assim, criar paisagens, ruídos, timbres, texturas e que mais for possível como forma de expressão. Os dois haviam dado oficina e tinham se apresentado em outros momentos do Festival, mas tocar em um palco grande como este, em praça pública, no início da noite de domingo, é um marco na quebra de barreiras entre os formatos e na democratização da expressão artística que não possui limites pré-estabelecidos. O resultado com o público é diverso: enquanto alguns ficam curiosos para entender o que acontece, outros conseguem se comunicar com essas tecnologias e freqüências alienígenas ao cotidiano dos seres humanos, mas a maioria acha estranho, e de certa forma se confronta esteticamente com a manifestação. Alguns riem, outros gritam. Nada melhor do que lidar com a ambigüidade e questionar os valores sensoriais no meio do fluxo que foi o Contato, evidenciando os novos paradigmas em busca de algum tipo de conexão.

King Automatic (FRA): A gaita ou o teclado é tocado. Com um pedal, faz-se um sample e um loop disto. Ainda existe um controle de volume, que faz a mixagem do que fora gravado. A música começa. Com um pé se toca o bumbo e com o outro se toca a caixa da bateria. A guitarra, além de riffs marcantes, aciona o chimbau, e ainda resta uma voz intensa, com poesias gritadas sobre a vida intensa na estrada, sobre fazer música, sobre ser quem ele é. Modern One Man Big Band, the Real King. Jay faz tudo sozinho; baterista como formação inicial, hoje ele comanda todos os instrumentos no palco, e traz um espetáculo incrível, de músicas belíssimas e viscerais. Loucura estampada em um ser humano-polvo, quase-experimento de engenheiros genéticos. O resultado são timbres sessentistas com seu orgão Fafisa, sujeiras de garagem, e um som bem autêntico com influências de surf, country e rock and roll. O início da apresentação foi uma primeira imersão na viagem sonora do francês. As pessoas pareciam não estar preparadas para tanto naquele momento e foi quase hipnótico. O feedback cresceu ao longo do show, principalmente depois que ele tocou uma música em homenagem a São Carlos e com o tempo, não houve como os corpos não se renderem ao sentir a potência do som. Final consagrador, cheios de pedidos de bis e a vontade em todos de ver ele de novo o mais breve possível.


foto: César Spadella

Mudhoney (USA): A praça estava linda. Lotada das mais diversas pessoas possíveis, entre algumas famílias, curiosos e pessoas que estiveram envolvidas em outros momentos do Festival. O vento batendo forte, em uma noite mais do que agradável. Chegara o momento final. Os fãs mais ferrenhos se apertavam em frente ao palco, outras pessoas traziam pôsteres ou camisas do Nirvana e tiravam fotos, tentando registrar da melhor forma possível o que aconteceria naquela noite. O movimento Grunge não só revolucionou a juventude do início dos anos 90; ele é um estágio por que passam os adolescentes que gostam de rock, de música, e começam a ter atitude para fugir dos padrões preestabelecidos por sua sociedade. O que brotou em Seattle vai estar para sempre na cultura musical do mundo, e para um Festival organizado por uma Universidade, é muito importante fazer com que as pessoas tenham acesso à história viva.
Nem a primeira música sem voz no P.A. para o público desanimou quem realmente queria ver o show de uma das maiores bandas de rock do mundo em plena atividade. As músicas novas do disco The Lucky Ones tiveram prioridade, mas mesmo assim o show foi recheado de clássicos dos vinte anos de carreira. As músicas são atemporais; nascem em um contexto e ganham significados muito maiores com a mutação da banda, dos ouvintes, do mundo. A contemporânea I’m Now, por exemplo, possui tanta força para a banda quanto Suck You Dry ou Touch Me I’m Sick, considerada a canção-marco de tudo isso. Esta, no show, foi o momento mais catártico para o público, dentro tantos outros, como até mesmo o inexplicável tênis atirado em Mark Arm no começo da apresentação. No mesmo momento eles pediram para isso não se repetir, como se falassem com uma criança descontrolada que tenta tocar no seu super-herói em ação para ver se ele é real. No final, ele retomou o episódio, ao falar para que no futuro as pessoas não jogassem o calçado no cantor, mas sim na polícia, e tocaram a clássica Hate the Police, símbolo das mensagens políticas, da contestação de valores e da revolução em forma de música que é o Mudhoney. E eles fazem isso com a palavra, com os gestos e com os instrumentos. O vocalista conserva a mesma vitalidade de sempre, rouco, abusando dos berros e agudos semi-metaleiros, enquanto os riffs de guitarra pesados, com muito barulho, invadem as mentes ao longo de todo o show, comandadas pelo concentrado Steve Turner. A bateria de Dan Peters não mede esforços para pesar ainda mais na agressividade das músicas, e o baixista Guy Maddison naturalmente já é da família, mesmo sendo o integrante mais recente a entrar para a banda. Agradecidos pela vinda das pessoas ao show livre, eles ainda voltaram para o bis, gastaram a energia final que possuíam, e deixaram mais mudanças na vida de todos que puderam estar ali.


fotos: Maria Clara Cervantes

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