Arthur Souza Lobo Guzzo*
Fica difícil, para não dizer impossível, dissociar este Sindicato de Ladrões de seu forte conteúdo simbólico e político em qualquer análise, mesmo que os aspectos artísticos do filme sejam tão retumbantes. Ou seja, tem-se um filme belíssimo, lindamente fotografado, com riqueza de detalhes em cada cena e atuações marcantes e inesquecíveis. Mas tem-se também um verdadeiro libelo em defesa da própria consciência do diretor Elia Kazan, que foi duramente criticado por ter testemunhado contra colegas ao Comitê de Investigação de Atividades Antiamericanas, em pleno macartismo. De qualquer modo, tem-se acima de tudo um filme cuja relevância é inegável, quer seja visto como algo envolto em polêmica de proporções ciclópicas, quer não.
O primeiro aspecto a ser considerado é a escolha de um jovem Marlon Brando para o papel de Terry Malloy, estivador que está ligado à máfia do sindicato de sua categoria. Seu irmão Charlie (Rod Steiger), trabalha diretamente para o presidente do sindicato dos estivadores e gângster Johnny Friendly (Lee J. Cobb). Brando, cujas nuances dramáticas são perfeitamente aproveitadas pelo diretor, cria um dos personagens mais indeléveis do cinema mundial ao retratar Malloy como uma espécie de fantasma que não pertence a nenhum lugar. Ao mesmo tempo em que deixou de ser um lutador de boxe, Terry é quase um ginete da máfia, enquanto também é um estivador. É oprimido por todos os lados. Afinal, define-se como um “vagabundo” e credita ao irmão a sua queda, por tê-lo convencido a perder uma luta em decorrência de apostas. A vida de Terry parece adquirir sentido apenas quando ele finalmente decide testemunhar contra as atrocidades cometidas por Johnny Friendly e seu grupo na zona portuária de Manhattan. E como é fascinante acompanhar o jovem Brando como Malloy, carregando uma leve ingenuidade no olhar, enquanto a tenacidade de um ator lendário está viva em cada gesto e em cada atitude. Dessa maneira, Terry Malloy se torna um herói na medida em que revela suas imperfeições, suas fraquezas, sua vulnerabilidade no contexto em que está inserido.
Em certo momento, Terry precisa confessar a Edie sua participação no assassinato de Joey Doyle. Afinal, ele teve parte no crime, ainda que de forma bastante indireta. Enquanto a conversa progride tenebrosamente, e Edie se desespera, um apito soa ao longe, impedindo que o espectador acompanhe o que Terry está a dizer. O relato de Terry é algo privado, ao qual nós não temos acesso. Trata-se de um problema entre ele e sua consciência apenas. É como se Elia Kazan nos dissesse que aquilo não nos diz respeito, não é da nossa conta. Seria possível estabelecer paralelo com os problemas de consciência que o diretor teve ao delatar colegas de profissão? Pode-se dizer que sim.
O aspecto visual do filme também é bastante apurado, com planos cuidadosamente construídos, movimentos de câmera precisos e cenários bem elaborados, até degradados, diante das condições de vida que cercam estes trabalhadores. Chamam a atenção, especialmente, os grandes planos em que Manhattan é vista do alto de um prédio a que Terry costuma ir. Uma metrópole que é mostrada distante dos estivadores, relativamente alheios a ela e esquecidos por ela. Nas atuações, particularmente intenso é o desempenho de Karl Madden como o padre Barry, notadamente em destaque em quase todas as cenas em que aparece. E também vale citar Rod Steiger, com breves mas marcantes aparições como Charlie Malloy. Diante de memoráveis papéis, cumpre notar que, apesar das polêmicas, Elia Kazan permanecerá sempre como um dos mais reverenciados diretores de que se tem notícia.
Curiosa é também a cena em que Terry, após ter delatado as atividades ilegais do porto e ter sido completamente segregado de seus colegas devido a esta atitude, diz a Johnny Friendly que está verdadeiramente orgulhoso pelo que fez. Os estivadores, sob a opressão de um sindicato corrupto liderado por um verdadeiro mafioso, mostram-se covardes ao não denunciarem as práticas nefandas que prejudicam a eles próprios, enquanto que aquele que opta pela delação às autoridades é tachado de traidor e se transforma em um pária, mas ainda assim se orgulha – depois de muito refletir e pensar se isto (a delação) seria o caminho correto. Edie quer deixar o porto com Terry e encontrar trabalho em outra localidade, um trabalho em alguma fazenda, longe daquele cenário desolador, mas Terry insiste em continuar vivendo como sempre, buscando trabalho onde sempre o conseguiu, demonstrando coragem. Assim, além do paralelo com os fatos – o filme aparentemente se inspirou em pessoas reais – surge a óbvia comparação com a trajetória de Elia Kazan e seu passado. Mesmo assim, o brilho desta obra não é afetado; ao contrário. Em um filme com um forte viés político, é notório como a arte se sobressai, de cabeça erguida, tal qual um Terry Malloy que, ensangüentado pela surra que levou, se recusa a aceitar as condições que lhe são impostas.
Arthur Souza Lobo Guzzo é graduado em Comunicação Social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp.
Adorei ler os comentario ….este filme demorou muito para ser rodado pq a pressão contra o comunismo era muito grande ,,,,eles aprovariam o filme se mudasse o roteiro …e ele não aceitou , mas para dedar os amigos antes ele conversou com todos e já sabiam que seus nomes estavam na mão dos que caçavam “as bruxas ” todos foram coniventes com a lista dos treze …mas assim mesmo ele ficou rotulado e perdeu seu grande amigo Arthur Miller ,,,,eu queria muito saber sobre o fime ….adorei
Fiquei curiosa para saber mais sobre o passado do diretor. Texto muito bem escrito!