Gabriel Ribeiro Alfredo*
A Beleza Adormecida (Sleeping Beauty, 2011), primeiro filme da romancista e agora também diretora Julia Leigh, concorreu à palma de ouro do festival de Cannes do ano passado e só em fevereiro chega às telas brasileiras. Durante o festival, foi alvo de muitas críticas positivas e é um titulo muito esperado dentro do circuito de cinemas “de arte” ou alternativos da capital paulistana. Mas será que ele pode ser realmente classificado como um filme “artístico”?
O filme conta a história de Lucy (Emily Browning), uma estudante universitária que tem diversos empregos no intuito de pagar seus estudos e moradia. Seja organizando cópias de documentos em um escritório, como garçonete ou como cobaia para um experimento científico, ela se mostra apática em suas funções, parecendo sempre desinteressada naquilo que faz. O que parece ser sua melhor função, entretanto, é de como prostituta de luxo em boates da cidade. Mesmo assim seus alugueis estão sempre atrasados e seu locador planeja expulsá-la de seu apartamento. Por isso, decide responder a um anúncio de uma nova fonte de renda. Dessa vez como uma espécie de serviçal que atende ao fetiche de distintos senhores de grande poder aquisitivo.
Usando apenas lingeries eróticas, ela se junta um grupo de garotas que parecem estar sempre sendo testadas por uma mulher, bela e rígida, que comanda os eventos em que a personagem deve comparecer para servir como empregada, cozinhando e servindo estes senhores. Esta mulher, que em todo tempo se demonstra fria e direta, doutrina Lucy para esse misterioso grupo, deixando claro que ela não deveria vê-lo como um novo emprego, mas sim um crédito extra para seus estudos e como uma oportunidade para se tornar uma mulher mais bela e talentosa do que ela poderia ser. Com o passar do tempo e o bom aproveitamento em suas funções, a personagem, que passa a ser chamada de Sara por suas companheiras, é promovida para atender uma responsabilidade mais séria, a de ser uma “bela adormecida”.
Dopada de maneira consentida, porém sem noção dos resultados, ela é levada a um estado de coma e colocada em um quarto onde esses senhores fazem o que quiserem com ela, por um determinado tempo. Porém, eles não podem penetrá-la ou deixar marcas em seu corpo. Esse misterioso e bizarro jogo de prazer voyeurístico em que Lucy se envolve começa a afetar sua vida pessoal que já não era nada comum. Ela havia desperdiçado um aparente bom casamento para viver um relacionamento estranho com um homem a que chama de Birdman (homem pássaro).
Essa história traz elementos já abordados em outros filmes, como a busca do prazer às vezes por formas doentias envolvendo drogas e submissão, ou a demonstração de uma juventude “gauche”, desencontrada, vazia, que não tem nada a oferecer além de sua beleza. Isso deixa dúvidas sobre como esse filme pode ter chego onde chegou e ter recebido essa qualificação de filme “artístico” sendo o primeiro trabalho de uma mulher que aparentemente só teve relação com cinema escrevendo o roteiro de adaptação de um de seus livros, ainda no ano passado.
A construção narrativa feita pela direção de Leigh é minimalista. Planos estáticos em ações aparentemente desconexas dificultam o entendimento e abusam da paciência do público. Porém, os segredos escondidos nas ações e relações, além do erotismo empregado à imagem de beleza imaculada da personagem, podem ser formas de prender o espectador ao filme.
Uma obra de arte é uma expressão que vem codificada através de um som, de uma imagem ou de um signo, que muitas vezes não é facilmente compreendida pela pessoa que a observa ou a escuta, levando esta pessoa a refletir ou se instigar sobre o que aquilo lhe faz sentir ou pensar. Nesse caso, A Beleza Adormecida pode até ser chamado de “artístico”, porém, acredito que ele também pode ser facilmente rotulado dentro de outro adjetivo, comumente associado a esse tipo de cinema, que é o “pseudo-intelectual”. Isso por que, o que sustenta o filme é a trama de suspense e seu aspecto estético e não um possível questionamento dentro da temática que aborda. A trama picotada, a narrativa desconexa, os planos estendidos e estáticos acabam servindo para nos deixar curiosos, impacientes e possivelmente frustrados com o final, que se presume forte, mas, no entanto, não possui resolução alguma. A própria personagem acaba se tornando desinteressante em seu caminho devido a sua apatia e passividade diante das coisas que ocorrem ao seu redor.
Emily Browning já serviu como figura de fetiche, através de uma visão masculina e até um pouco misógina no papel da órfã injustiçada Baby Doll, em Sucker Punch – Mundo Surreal (Sucker Punch, 2010), de Zack Snyder. Porém, A Beleza Adormecida exigiu mais da atuação de Browning, onde há uma carga dramática maior, acentuada por cenas de nudez e abuso.
Hoje em dia, poucos filmes podem ser chamados realmente de “obras de arte” e os que se propõem a tanto acabam tomando esse rótulo como uma marca para o mercado, assim como funcionavam com os gêneros na Hollywood dos anos 50.
* Gabriel Ribeiro Alfredo é graduando em Imagem e Som pela UFSCar – Universidade Federal de São Carlos
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Corrigindo uma afirmação no texto o filme estréia nas tela brasileiras em Março, dia 16 e não em fevereiro como indicado no texto.