Namorados Para Sempre (Derek Cianfrance, 2011)

O contraste entre os tempos do início de paixão fervorosa, e os tempos maduros da relação, geram questionamentos do consumo das paixões

Por Thiago Consiglio*

Namorados para sempre é um filme que faz um retrato íntimo de um relacionamento protagonizado pelos personagens Dean (Ryan Gosling, 30 anos) e Cindy (Michelle Williams, 30 anos), que se encontra em duas fases: uma de desgaste e uma fase de euforia, o presente e o passado nostálgico, respectivamente.

O filme não teve sorte ao chegar a terras brasileiras, seu lançamento nacional teve o título traduzido de acordo com um critério que sugere ser comercial, no sentido de atingir um público maior. O título apresenta contextos temáticos abrangentes que resumiriam a história, para aqueles que só tiverem contato com ele, como a “história de amor” ou o “felizes para sempre”, mas que, no entanto, se afasta do que o filme realmente apresenta.

O título original é Blue Valentine (retirado do álbum homônimo do artista norte-americano Tom Waits) e em seu cartaz encontramos um casal abraçado de forma intensa. Há, porém, um estranhamento, pois eles estão sentados em uma sarjeta, e, além disso, existe um filtro azulado na imagem, condizendo com o blue do título e com o blue (melancolia, tristeza) em que o tema está inserido. Isso nos sugere que não se trata de um romance upbeat (para cima, feliz), como quer dizer o título brasileiro, mas sim de um romance blue (triste, para baixo).

O filme estreou no 26º Festival de Filmes Sundance e foi projetado na seção Un Certain Regard do Festival de Filmes de Cannes de 2010. Também foi nominado para a categoria de Melhor Atriz para o Oscar, e dentre as principais premiações de festivais que o filme recebeu está a categoria “Most Promising Filmmaker” para o diretor Derek Cianfrance no Chicago Film Critics Association Awards, “Melhor Ator” na Chlotrudis Awards para Ryan Gosling e “Melhor Atriz” na San Francisco Film Critics Circle Awards para Michelle Williams.

A história

No início do longa-metragem já encontramos Frankie (Faith Wladyka, 6 anos), filha do casal protagonista, chamando pela cachorra Megan, que desapareceu. O tom da sequência é de calmaria acompanhada por uma indiferença que nos espreita, ora se expondo, ora se escondendo. Esse clima se perpetua pelo filme, nos fazendo muitas vezes acreditar que se trata de um documentário, como se estivéssemos assistindo o real processo de um relacionamento se desenvolver. Nessa primeira cena também reconhecemos que o relacionamento entre Frankie e Dean é afetuoso das duas partes e eles são bem próximos. Enquanto que, logo nas cenas seguintes, quando vemos a mãe, Cindy, percebemos que ela, ao estar de mau-humor na cama e com expressão séria no café-da-manhã, demonstra ser mais rígida e correta em relação à educação da filha, em contraste com Dean que é mais compreensível e afetuoso.

Como curiosidade do contraste entre os dois, cito um elemento da produção que concorda com a personalidade de Dean ser a mais afetuosa, que é a tatuagem no ombro esquerdo dele saída do livro The Giving Tree, de Shel Silverstein, que fala sobre se doar e sacrificar tudo por um outro. Sobre as cenas iniciais, a impressão que temos, somada ao ar de documentário já citado, é a de que essa família já tem meses de vivência, coisa que seria impossível considerando que são interpretações. Mas é aí que nos enganamos.

O diretor Derek Cianfrance já estava com o projeto e roteiro para este filme cerca de 12 anos antes da produção começar, e isso fez com que os envolvidos já ficassem com “a ideia do filme de lado”, esperando o momento certo para começar a gravar. Dessa forma os atores tiveram tempo de se envolver com o personagem, se identificando e construindo uma narrativa própria. Falando em “momento certo” para começar a gravar, uma outra curiosidade é a de que o longa esteve próximo de começar sua gravação em 2008 mas teve que ser adiado devido à morte de Heath Ledger, ex-namorado de Michelle Williams e pai de sua filha, Matilda.

O processo

Além desse tempo, o que explica tamanha intimidade entre os atores, é que ambos emprestaram características próprias aos personagens, como a atriz Michelle Williams com sua habilidade de sapatear e o ator Ryan Gosling tocando e cantando. Além disso, a própria aparência de Dean no tempo presente do filme lembra à do diretor Derek Cianfrance que também emprestou experiências pessoais ao roteiro. É um filme que aumentou a veracidade da narrativa através desses detalhes.

Percebemos a junção das duas características emprestadas na emblemática cena em que Dean toca para Cindy e ela dança. Uma situação ingênua e improvisada surgida do acaso. A música que ele toca chama-se You Always Hurt the One You Love (letras de Allan Roberts e música de Doris Fisher), uma música que poderia muito bem resumir o filme com sua letra e melodia simples.

Letra:
You always hurt the one you love / The one you shouldn’t hurt at all, /You always take the sweetest rose / And crush it until the petals fall. / You always break the kindest heart / With a hasty word you can’t recall. / So if I broke your heart last night / It’s because I love you most of all.

Tradução livre:
Você sempre machuca a pessoa que você ama / A pessoa que você não deveria machucar / Você sempre pega a rosa mais bonita / E a esmaga até as pétalas caírem / Você sempre quebra o coração mais bondoso / Com palavras ásperas que você não lembra / Então, se eu quebrei seu coração a noite passada / É porque eu te amo mais do que tudo

Somado a isso, em relação à intimidade dos atores com os personagens, temos o fato de que para gravar as seções do filme que acontecem no passado, eles foram chamados para participar sem conhecer muito um ao outro, como se o fato da “descoberta” dos dois acontecesse diante da lente da câmera, isso apesar de já terem contracenado, mas sem intimidade, no filme O Mundo de Leland (The United States of Leland, Matthew Ryan Hoge, 2003, EUA). E para gravar as cenas do presente, os atores que formam a família tiveram o intervalo de um mês das gravações para se mudarem para uma casa alugada. Os três levaram suas próprias roupas e pertences e fizeram várias atividades com a intenção de construir uma intimidade, como ir ao mercado fazer compras com um salário baseado no dos personagens, gravar filmes familiares caseiros e até aprenderam a implicar brigas e discussões um com o outro.

Assim, o processo de uma “ficha anamnésica” (que conta a vida e qual o processo culminou na história do personagem em um filme ou em uma peça) que o ator cria para a construção de um personagem é realizado na prática com os atores vivendo as interações entre si, de uma forma efetiva na vida real. Além desse processo dinâmico, a interação entre os personagens também teve um caráter de improvisação, sendo que o diretor contou à Michelle, quando o roteiro ainda estava em processo de germinação e só ela estava envolvida com o projeto, que o roteiro criado não era para ser seguido estritamente e que ele queria que o casal principal improvisasse nas cenas.

Um exemplo da improvisação está no fato de, durante as gravações, o diretor dar instruções diferentes para os atores, sem que o outro soubesse, para criar e aumentar a tensão entre os personagens Dean e Cindy. Por exemplo, o diretor instruiu Michelle em uma cena para que ela tentasse sair do cômodo em que estavam de alguma forma, enquanto para Gosling, ele deu a instrução de que ele deveria usar todos os meios necessários para persuadir e conseguir chamar a atenção da atriz. Ou, como um exemplo maior, cito a cena que o casal está em uma ponte e o ator sobe na grade para chamar a atenção dela, como se precisasse conseguir tirar a resposta que, então, recebe. É a reação improvisada que o diretor buscou dela enquanto esta seguia o roteiro.

O romance

Uma característica principal do longa é a narrativa não-linear, que pode ser percebida através da intercalação entre as imagens do tempo presente e do passado. Percebemos a diferença entre os tempos, porque os personagens aparentam diferenças físicas, mas também porque foram usadas técnicas distintas para as seções: nas imagens do passado foi usado filme Super 16mm e nas do presente Red One. Isso significa que a própria forma de enxergarmos as imagens foi alterada, além do próprio conteúdo que elas tem em si. É um recurso que o diretor optou por usar e que conseguiu tonalidades distintas para as seções, desde a coloração, até movimentação e contraste das imagens. O longa ainda brinca com essa linguagem ao nos apresentar, por exemplo, em uma cena a personagem Cindy andando de cadeira de rodas, quando ela não tem nenhum problema, simplesmente estava fazendo “um experimento”. Em um primeiro momento pensamos na possibilidade de ela ter que usar uma cadeira de rodas no futuro, talvez por causa de algum acidente, mas neste caso era uma brincadeira que fazia parte do passado.

Em uma cena distinta vemos outra “brincadeira” do diretor, quando Dean está arrumando o quarto de um idoso e se aproxima da porta olhando para um ponto que a nós está desconhecido no momento. Não sabemos o que ele observa, mas vemos uma expressão diferente em seu rosto, um sorriso curioso, que cria um “suspense”, uma situação “enigmática”, no sentido de curiosidade, na cena em questão, e que só nos será resolvida posteriormente.

Nessas intercalações temporais vemos uma questão relevante: a intensidade dos sentimentos do casal nas cenas passadas em contraposição com o desgaste e a apatia em que eles se encontram atualmente. Os contrastes entre os tempos do início, de paixão fervorosa, e os tempos maduros da relação, geram o questionamento do consumo das paixões. Será que o “objeto de consumo” deve ser consumido ou a própria existência da paixão, de forma efetiva, é a declaração de seu fim?

Ao primeiro momento não temos uma resposta, pois é uma lógica complexa que não vemos nos filmes da indústria hollywoodiana, que trabalham com o senso comum. O que acontece nesta história “romântica” não é uma ascensão, mas um declínio e uma paixão que consumiu a si própria. É uma paixão que como objeto de desejo no sentimento e no Outro tem esse destino trágico dos acontecimentos que se dá a partir do próprio consumo que leva a um definhamento de si mesma. Entendendo desta forma, a tragédia pode ter como propósito ser superada para que o sujeito saia dela elevado, e ao mesmo tempo, fazer sentido por ela própria.

Aqui não existe o sentimento de que “poderia ter sido de outra forma”, mas uma afirmação da tragédia em um sentido nietzschiano do Eterno Retorno, onde o filósofo faz um questionamento das afirmações das escolhas. “Você viveria esta vida da mesma forma várias vezes em um ciclo infinito?” essa é a pergunta feita nesta proposição filosófica e a resposta deve ser sempre “sim” ou trabalhada para que seja.  Com esse raciocínio, afirmam-se os atos e o próprio declínio como superação, como transcendência. O sentimento do casal só faz sentido neste caminho trágico e que, ao mesmo tempo, remete ao Belo em termos de Estética, que julga valores das artes a partir de expressões e recepções baseadas em sentidos muitas vezes metafísicos, numa valorização da tragédia que acompanhamos desde o período da Grécia clássica.

Este é um filme que para os “olhos comuns” vai ser um filme triste, um filme blue em sua conclusão, já que não segue a linha hollywoodiana citada anteriormente, enquanto que para outros é uma representação aproximada da realidade, no sentido já citado como as inspirações nos contextos de documentário e improviso. Então, a partir deste filme, nos voltamos à vida real e não lembramos se a paixão é possível ou impossível, a visão vai mudar de acordo com quem a recebe, seja o “romântico”, seja o “cínico”, ao menos ambos concordarão com a beleza que o filme constrói e atinge.

* Thiago Consiglio é graduado em Comunicação Social – Jornalismo, trabalhou com curtas-metragens independentes e escreve para o blog colaborativo Mescla Mutual (http://mesclamutual.blogspot.com).

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