Loki – Arnaldo Baptista (Paulo Henrique Fontenelle, 2008)

Vida Mutante

O documentário Loki, que também é nome do primeiro disco solo de Arnaldo Baptista, parece versar basicamente sobre três assuntos e suas ressonâncias: o amor, a ânsia de viver e superações. Uma vida na arte a qual começa como um cometa que flameja, o qual, porém, ao entrar na atmosfera, despedaça-se em inúmeros fragmentos rumo ao solo, mas, quando já caídos no chão, são coletados e remontados aos poucos, ganhando vida novamente; assim Tom Zé, Sean Lennon, Gilberto Gil, como o próprio Arnaldo e amigos mais próximos descrevem os passos do cantor: controversos, lúdicos, tristes, encantadores.

A cinebiografia Loki – Arnaldo Baptista é uma obra que flui de maneira leve e doce, com grande número de imagens originais de Arnaldo de décadas atrás, as quais embalam o espectador ao sabor desses traços vídeo e fotográficos, e também familiarizam quem assiste à figura do cantor. Nas cenas atuais, o mutante é mostrado por várias vezes emergido em suas pinturas e sonhos, gravados por vezes através de câmera na mão, transparecendo um ingênuo suspiro de liberdade do homem. Os depoimentos, tanto de Arnaldo como dos convidados, são entregues em sua maioria de maneira mais original, através de câmera estática, receptora das informações, fugindo poucas vezes dessa regra, como quando o show man Tom Zé saca seu violão e dedilha uns acordes, ou com a interferência do exótico músico Devendra Banhart, gravada na pressa de um backstage.

O público reagiu muito bem ao documentário de Paulo Henrique Fontenelle, gravado digitalmente em 2008, sendo também elogiado pela crítica. Tive a oportunidade de acompanhar duas sessões do filme; a primeira na 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, quando a obra foi votada com pontuações excelentes, sendo re-exibida posteriormente, e a segunda na 12ª Mostra de Tiradentes, no último dia do evento, quando aconteceu algo inédito ao final da exibição até então: as pessoas se levantaram e aplaudiram por tempos, algo particularmente sensacional.

Cê tá pensando que eu sou lóki, bicho?

A obra é dividida, não estoicamente, em três partes básicas. No início, tomamos contato com o nascimento da figura musical de Arnaldo, assim como de Sérgio, seu irmão e companheiro mutante (o qual também é depoente ao decorrer da obra), e a enorme importância dos rapazes para os rumos do rock nacional, criando assim uma identidade toda própria e importante para esse ascendente cenário brasileiro; uma outra música brasileira começa a ser vista pelo mundo através das figuras dos Mutantes, e os três jovens (Arnaldo, Sérgio e Rita Lee) despontam com irreverência e inovações.

No trecho central do filme, o assunto paira quase sempre sobre a vida pessoal de Arnaldo, um ponto tão interessante quanto a vida artística do cantor, sendo até uma parte indissociável da outra. O uso exagerado das drogas no auge da carreira dos Mutantes é um tópico interessante abordado pelos entrevistados que, sem grandes pudores, é colocado como um dos pontos que marcou o “início do fim” da banda, até então com bastante sucesso, dentro e fora do Brasil. O rompimento do casamento com Rita Lee, assim como as depressões e internações de Arnaldo ainda são discutidos nessa parte, porém de maneira mais parcimoniosa e contida; Rita Lee se negou a participar do documentário. Logo, sentimos certa moderação no que tange a assuntos mais delicados na relação entre Arnaldo e ela, como no episódio no qual ela o pôs em um hospício, em seu pós-saída da banda.

Ao final, da queda vemos o ressurgimento do artista, após relações afetivas desfeitas, temporadas em hospitais, discos solos gravados e tentativas de novas formações de bandas. O quase recente hobbie da pintura, o convite para a remontagem dos Mutantes e para a participação em shows, como o de Sean Lennon, são molas propulsoras para o reviver da fênix, assim como a gravação de um novo disco, já em meados dos anos 2000.

Quem também faz esse papel de remontar os fragmentos do artista é Lucinha Barbosa, fã dedicada do cantor que entra em contato com Baptista quando esse tenta o suicídio. De tiete a esposa devota e crente na felicidade do cantor, enxergamos na figura simples e peculiar da mulher de cabelos vermelhos a esperança de um amor que pulsa e traz a vida a quem parece que já se esqueceu dela. E é isso que o documentário nos conta a partir do momento no qual entramos em contato com essa nova fase na vida amorosa, da terceira e, ao que soa, definitiva mulher em sua vida. A obra nos dá evidências claras para que possamos inferir, com certa ousadia, que Lucinha possa ser a mulher definitiva da vida de Arnaldo, mas não seu amor definitivo.

Ao final, é possível crer que muitos espectadores chegam a uma mesma conclusão, a qual pode até ser tomada como piegas, porém, real. É a de que, talvez, a principal estrofe da poesia da vida de Arnaldo seja a que se refere ao amor, em diversos âmbitos.

Rita Lee, sua primeira mulher e parceria musical de sucesso do sexo feminino, a qual o deixa e também sai dos Mutantes repentinamente, parece que leva um pedaço de Arnaldo consigo. E tal pedaço que falta é sempre lembrado pelo homem, seja nas canções em que o cantor desculpa-se a ela, lamenta-se da vida ou, mais brutalmente, na tentativa suicida no dia do aniversário de Rita. Ainda nas imagens atuais temos acesso a essa situação mal resolvida para Arnaldo, como quando é percebido uma tristeza melancólica e ingênua do cantor ao falar da ex-mulher, ou observando certas pinturas infantis do homem, mulheres ruivas ou loiras de grandes olhos azuis.

A música trouxe amor na vida de Arnaldo, e trouxe o amor à vida do músico, e assim é bastante difícil não se emocionar com a trajetória do homem, o qual volta aos palcos com a nova formação dos Mutantes (sai Rita Lee, entra Zélia Duncan; uma pena) nos tablados ingleses em 2006, com toda a vontade do rapaz de 17 anos que um dia decidiu mudar a sua história e a de outros tantos, e ser um mutante para a vida toda.

Juliana Moreira é graduanda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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