Policial, Adjetivo (Corneliu Porumboiu, 2009)

Diga-me em que trabalhas…

Pode-se demorar um bom tempo para perceber qual exatamente é o intuito desta história atípica. Temos um policial encarregado de investigar um possível traficante não muito perigoso, paralelamente à sua monótona vida pessoal de recém-casado. Os enquadramentos fogem do “esteticamente correto”, cortando partes de corpos ou empurrando os personagens em cantos da imagem. A fotografia é branca e sem contraste, o som direto explora um ou outro ruído local. Tudo respira monotonia e banalidade.

O espectador é convidado a fazer a vigia com o policial. Se este passa três ou quatro horas seguidas em frente à casa de seu suspeito, esperando que ele entre ou saia, a montagem nos propõe um tempo equivalente de projeção, ou seja, longos minuto observando esse não-suspense, essa não-ação. Talvez pelo humor dos diálogos, poderia se falar em uma certa paródia, ou ao menos num deboche dos filmes policiais.

Pois esse aqui retrata policiais naquilo que a profissão tem de menos interessante: a espera, as conversas de corredor, a burocracia, a papelada. Aos poucos, em conversas com a esposa (curiosas cenas de vida conjugal, nem dinâmicas nem completamente frias), começa-se a levantar uma questão: o que é um policial? Para que serve seu trabalho? Aliás, para que servem as classificações e hierarquias? Essas questões são primeiro ilustradas a propósito da gramática (para que serve a criação de um “complemento do objeto indireto” e equivalentes?), e logo transferidas para todos os elementos que os cercam.

Assim, o filme parte para uma curiosa trajetória de leitura praticamente lingüística do mundo quotidiano, com suas metáforas em letras de música e relatórios escritos ao chefe. A palavra ganha uma importância enorme, ao ponto de às vezes invadir todo o quadro (as cartas escritas que desfilam pela imagem, para que o público as leia integralmente).

Chegamos ao ápice do filme, uma longuíssima cena em que o sistema analítico atinge seu ápice e as definições de dicionários entram em cena. Inútil revelar mais: Policial, Adjetivo embarca numa maneira praticamente inédita de olhar o mundo e sua estrutura social. Por isso essa impressão de um filme tão banal quando ousado, tão inovador quando simplório. E talvez venha desse encontro grande parte de seu interesse.

Bruno Carmelo é graduado em Cinema pela Faap e mestrando em Teoria e Crítica de Cinema na Universidade francesa Sorbonne Nouvelle

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