O Lutador (Darren Aronofsky, 2008)

Somos introduzidos a pôsteres, cartazes, noticias de jornal. Todas datam de vinte anos atrás, referem-se ao período de prestígio de um lutador então bastante em vista pela mídia. Segue em conjunto às imagens o som de uma narração televisiva, apresentando-nos Randy “The Ram” Robinson. Testemunhar aos primeiros segundos de um filme um passado glorioso não chega a ser uma introdução inovadora tratando-se de uma personagem que vivencia problemas e que segue em busca de redenção e conforto para tais. No entanto, nos serve ao evidenciar logo nos planos introdutórios a narrativa que será conduzida ao longo da película até seu desfecho.

Após a seqüência de imagens históricas de Randy somos levados ao protagonista, vinte anos após seu sucesso. Sua face não nos é mostrada, a câmera o observa em terceira pessoa seguindo a personagem que caminha por seu local de trabalho, dialoga com colegas e recebe os cumprimentos de um fã. Apenas aos seis minutos de filme somos enfim introduzidos ao nosso anti-herói (talvez esta definição seja a mais correta), seu rosto então é exibido por um longo período, o seu olhar fixo paira sobre antigas notícias referentes à sua glória.

Neste momento é que nos deparamos com a genialidade de Darren Aronofsky (Pi, Requiem for a Dream). É certo que é um lugar comum dissertar a respeito do paralelo entre Randy e Mickey Rourke (o protagonista), o sucesso e declínio de ambas figuras, a busca por redenção e conforto. No entanto é fundamental analisar a utilização estética do diretor desta comparação. Para muitos, assistir O Lutador é experienciar a redenção de Rourke sob a alegoria de um profissional de luta livre, sabendo pontuar os declínios da personagem fílmica em conjunção às dificuldades enfrentadas pelo próprio ator durante anos de esquecimento. Darren utiliza magistralmente deste paralelo, nos esconde a face marcada e cansada de Rourke e nos traz apenas quando este observa o próprio passado de sua personagem. Não dificilmente podemos ver o ator observar o seu próprio auge e declínio.

Há vinte e dois anos atrás Rourke também gozava de sucesso, acabava de lançar Coração Satânico (1987) do diretor britânico Alan Parker, protagonizando a obra ao lado de De Niro. No momento houve quem dissesse que o filme marcava com os dois atores a consolidação de um novo astro para os anos noventa e a constatação da genialidade de um outro já prestigiado. No entanto a previsão não se confirmou. De Niro continuou a pontuar sucessos enquanto Rourke gradativamente caiu em esquecimento, afundou-se no álcool e na cocaína e partiu para uma nova carreira que levou a desfigurar parte de seu rosto, o boxe.

Novamente o paralelo vem à tona, ambas as figuras tinham na luta uma espécie de redenção, Rourke chegou a afirmar em entrevista que: “muita gente achou que se tratava [o boxe] de um gesto de autodestruição. Mas era algo de que eu necessitava, para minha paz de espírito. E para me testar como homem. Entrei no ringue para viver até as últimas conseqüências.” .  É preciso saber utilizar de um artista todo seu potencial em um trabalho e Darren Aronofsky soube.

Privilegiou logo nas primeiras cenas a utilização de extensos planos-seqüência, muitos destes marcados pela câmera na mão, evidenciando o protagonista pelas costas. Utilizou em demasia closes e planos próximos, presentes quase que integralmente ao longo da película. Possibilitou, assim, ao espectador observar com bastante facilidade as marcas de expressão, cansaço e do tempo, os sentimentos e grande parte da psicologia de Randy apenas através das imagens. Visando ampliar esta necessidade de identificação do herói foram ainda utilizados planos fixos demasiadamente longos, quase sempre relativos a um pensamento de Randy (que pode se confundir com o de Rourke naturalmente em vista dos paralelos já citados anteriormente).

O roteiro funciona como um instrumento não inovador, porém obtém sucesso. Trabalha valores, a questão de honra, tópicos relativos a essência humana e à natureza de um redentor, de um anti-herói que busca correção e entendimento com aqueles que prejudicou. Para tal nos é apresentada uma filha abandonada por Randy e sua busca por conciliação com a mesma (que resulta em fracasso). Também presenciamos a tentativa do protagonista encontrar um novo relacionamento com uma amiga, uma stripper chamada Cassidy (Marisa Tomei) – novamente em vão. E ainda somos presenteados com um álibi para o insight de nosso protagonista, um ataque do coração que o leva a se afastar de sua grande paixão, a luta livre. Pronto, agora temos alguns elementos lugar-comum que fatalmente costumam funcionar tratando-se de um drama (e se falamos de luta ainda há um outro muito marcante: Randy tem sua última batalha com o lutador Aiatolá, originário de um país islâmico – torna-se até difícil não citar Rocky Vs Ivan da União Soviética em Rock IV, em paralelos entre honra e deveres de um homem com sua nação).          No entanto, existe um diferencial entre O Lutador e demais filmes do gênero. A redenção de Randy não é com sua profissão, sua paixão, mas sim com sua própria vida. Apesar do fracasso como profissional este continua a seguir a profissão, gosta do que faz, dos colegas de atividade, e tem na luta apenas um dinheiro extra (sendo que tem outro emprego em um supermercado). É certo que Randy busca a redenção de seus atos a partir do momento que sofre do coração por uso intenso de medicamentos e anabolizantes, algo intrinsecamente ligado à sua paixão. Entretanto, o protagonista, ao encontrar ao fracasso em suas investidas de redenção e mudança, retorna à luta. Este é o grande diferencial do roteiro que possibilita ao mesmo um tom menos costumeiro ao que estaríamos habituados a esperar de um filme sobre um lutador. Mais do que nunca, há uma singularização de um personagem que pode ser tomado erroneamente como amplo. Em alguns momentos os diálogos chegam a revelar a preferência de Randy pelo nintendinho aos novos jogos de computador (citando Call of Duty IV), pela música de Scorpions e Guns N` Roses, e até por uma marca de presunto defumado especifica. Randy ganha vida, o som, o roteiro, a fotografia privilegiando planos próximos, a montagem pontuando longos planos-seqüência, todos estes fatores compõem uma mise en scène que nos presenteia com um protagonista bastante intenso, complexo porém desmistificado.

No fim, a fórmula, ainda que repetida, funciona. Por diversos fatores, principalmente a atuação de Rourke, fundamental na fidelidade da caracterização da personagem (Nicolas Cage que chegou a ser cotado pelo diretor Darren Aronofsky para o papel não teria a mesma profundidade de um ator como o que presenciou os mesmos passos traçados por Randy).

Pedro Marcondes é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

BIBLIOGRAFIA:

Adoro Cinema

www.adorocinema.com.br/filmes/lutador/lutador.asp

CinePop

www.cinepop.com.br/filmes/lutador.htm

IMDB

www.imdb.com/title/tt1125849/

Site Oficial The Wrestler

http://www.foxsearchlight.com/thewrestler/

Fórum Uol: Entrevista com Mickey Rourke

http://forum.jogos.uol.com.br/_t_lastpost_1372122_51&p=1

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