“A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara pra faculdade. Você vai pro colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando… E termina tudo com um ótimo orgasmo!!! Não seria perfeito?”
(Tal texto que circula na internet tem autoria controversa, sendo atribuída algumas vezes a Chaplin, mas sendo provavelmente de Sean Morey)
A vida deveria mesmo ser ao contrário? Benjamin Button poderia responder melhor do que qualquer um. Pois é disso mesmo que se trata O Curioso Caso de Benjamin Button, é a história de um homem que nasce velho e vai se rejuvenescendo. Em sua trajetória, Benjamin Button (Brad Pitt), mesmo que em ordem inversa, conhece a vida: família, trabalho, guerra, amizades, sexo, amor e tristeza…
Benjamin Button nasce em New Orleans ao final da Primeira Guerra Mundial, um bebê aparentando 70 anos de idade! Rejeitado pelo pai, um industrial do ramo de botões, é criado pela mãe adotiva em um asilo, no qual ela trabalha. Aos 17 anos, com aparência de mais de 50, Benjamin sai de casa para conhecer o mundo trabalhando em um navio, sua trajetória o leva a lutar na Segunda Guerra Mundial, a se apaixonar pela primeira vez, mas também o traz de volta para casa e com isso, de volta para Daisy, seu amor de infância (ou de velhice) retomado na idade adulta (ou na juventude de Benjamin!)…
Apesar da premissa fantástica, o roteiro foi adaptado pelo ganhador do Oscar Eric Roth, optando-se por uma abordagem naturalista e contemporânea. Os personagens são profundos, extremamente humanos e o drama não provem essencialmente da premissa fantasiosa da história, mas de temas universais (amor, guerra, família…) que guiam cada micro enredo, formando no todo a vida de Benjamin Button. O caráter humano da história e a sua atualidade – uma vez que é narrada por Daisy (Cate Blanchett) em seu leito de morte à sua filha no ano de 2005, durante a chegada do furacão Katrina a New Orleans – ajudam na suspensão da descrença, para gerar empatia do espectador e sensibilizar.
Enquanto adaptação de uma obra literária, comparando o filme com o conto “O Curioso Caso de Benjamin Button” escrito por F. Scott. Fitzgerald, vale a ressalva: o roteiro cinematográfico aproveita da obra literária apenas o nome do protagonista, o título e a premissa da história. O talentoso roteirista Eric Roth cria uma obra com seu estilo, em muito lembrando Forrest Gump – O Contador de Histórias (1994), de roteiro do próprio Roth. Como Forrest, Button é um grande aprendiz, um homem cativante, uma lição de vida e um personagem cuja trajetória se confunde com a história de um país. As semelhanças entre os dois roteiros são claras na estrutura, na mensagem e nos personagens. Ambos são constituídos por diversas histórias (micro-enredos), em que cativantes personagens secundários conquistam o espectador tanto quanto conquistam o protagonista, vale citar também a incrível presença da figura materna, o amor de infância, a beleza dos desafios que se têm que enfrentar para ter uma “vida normal”, além da certeira transição de comédia, a romance e a drama, em ambos os roteiros.
O Curioso Caso de Benjamin Button é o filme que melhor uniu técnica e sensibilidade no ano de 2008. Afinal, é uma mistura equilibrada que forma aqui um cinema clássico extremamente competente, no lado técnico há um primor que com méritos deve render alguns Oscars, além das 13 indicações.
O roteiro já citado é ótimo ponto de partida, mas a fotografia e a direção de arte formam belíssimas pinturas na tela nos mais sensíveis momentos do filme, além de situar, diferenciar e completar muito bem cada esfera narrativa. A maquiagem muito bem elaborada chama atenção, Brad Pitt parece em certos momentos estar bem mais novo do que quando fez Entrevista com o vampiro (1994) ou mesmo Thelma e Louise (1991). Completam esta aula de técnica cinematográfica, os bons efeitos visuais na medida certa, além da montagem, da trilha sonora, dos figurinos e das atuações também extremamente competentes.
O comando da excelente equipe e a tarefa de passar para as telas um roteiro tão complexo e emocionante coube ao diretor David Fincher. Mais conhecido por filmes que tratam de violência e crime, Fincher tem provavelmente como seu grande trabalho o polêmico Clube da luta (1999), mas Seven – Os sete crimes capitais (1995) não fica muito atrás. Observando a carreira do diretor vemos também a ficção científica Alien 3 (1992) e o trabalho anterior a Benjamin Button, Zodíaco (2007), bons filmes com direção discreta; além disso vemos os fracos O quarto do pânico (2001) e Vidas em Jogo (1997), nesses dois o trabalho da direção é segura, mesmo que não conseguindo consertar os problemas dos roteiros. Portanto, Fincher é um diretor sempre competente em seus trabalhos, tanto nos melhores quanto nos piores a direção está longe de ser o ponto alto tanto quanto está longe de ser o ponto baixo. E é isso que podemos ver em O Curioso Caso de Benjamin Button, uma direção segura e discreta, longe de comprometer ou de ser excelente. Mas é claro que vale destacar que este é o primeiro drama do diretor, que pela primeira vez também passa perto da comédia e mergulha em um romance.
Em determinado momento do filme, capitão Mike diz em um bar:
O beija-flor não é apenas um pássaro qualquer, o seu coração bate 1200 vezes por minuto, bate as suas asas 80 vezes por segundo, se parassem as suas asas de bater, estaria morto em menos de 10 segundos. Não é um pássaro vulgar, é um milagre.
Eis que o milagre é a grande lição de O Curioso Caso de Benjamin Button. Não é mera coincidência que a história seja narrada durante a chegada do furacão Katrina, ou que Benjamin tenha nascido ao final da Primeira Guerra Mundial… A morte e a destruição estão sempre presentes ao longo da história, mas como o próprio filme nos mostra, o milagre da vida está sempre presente no cotidiano.
Todos temos algo de Benjamin Button, afinal, como diz a mãe dele: todos nós vamos para o mesmo lugar, a diferença é o caminho para chegar lá. Portanto, Benjamin é um personagem universal, porque ele vive intensamente o milagre que é a existência humana. Benjamin Button ensina que a vida, seja ela do contrário ou não, é um milagre, o milagre é nadar, é dançar, é amar, é beber, é… viver.
Diego Anami é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Referências:
– Fitzgerald, F. Scott. F. Scott Fitzgerald: Contos. Rio de Janeiro: Casa Jorge Editorial, 2001.
– http://comoutrosolhos.multiply.com/journal/item/52
– http://www.snopes.com/politics/soapbox/rooney3.asp
– http://www.imdb.com/title/tt0421715/
adorei esse texto sobre o assunto. Pois dios tantos que li esse buscou a mensagem que o filme queria passar parabenss
Parabens pelo texto !
otima leitura mano, meus parabens.