Thor (Kenneth Branagh, 2011)

Arthur Souza Lobo Guzzo*

Cartaz nacional do filme "Thor"

Não é difícil perceber que nunca antes na história de Hollywood se bebeu tanto na fonte das histórias em quadrinhos como nos últimos anos. Há quem diga que isto é um grave sintoma de que a criatividade e a capacidade de inovar dos estúdios norte-americanos estão à míngua, e que se torna cada vez mais difícil entregar “novidades” ao espectador no grande cinema dos blockbusters, sendo os grandes heróis da Marvel e da DC Comics uma tênue esperança – que, aliás, já começa a minguar também.  Pode ser. Entretanto, a verdade é que bons exemplares de filmes inspirados em quadrinhos não são raros. E o interesse do público nesse tipo de filme não é fraco, nem de longe. Thor, de Kenneth Branagh, é a nova jóia na coroa dos filmes da Marvel, que, goste ou não, iniciou um ambicioso projeto de levar seus personagens à tela grande, e tem feito isto com grande entusiasmo e cuidado, gerando resultados no mínimo interessantes. Ora, quem é que vai dizer que não é interessante acompanhar um filme que tem Robert Downey Jr., com boa dose de sarcasmo e humor ácido, vivendo um super-herói meio obscuro como o Homem de Ferro? Na mesma medida, assistir a um filme dessa categoria dirigido por alguém como Kenneth Branagh pode ser igualmente promissor.

É claro que, para que seja agradável a ideia de um ator/diretor como Branagh – que dedicou considerável parte de sua carreira às obras de Shakespeare – no comando de uma adaptação de um herói da Marvel, é preciso que se tenha em admiração as obras anteriores desta mesma pessoa. E alguém na Marvel certamente as tem, para sequer considerar essa possibilidade. O fato é que é justamente nesse aspecto, algum peso dramático que tanto falta a tantos outros filmes comerciais atualmente, que a decisão de contratar Branagh para a cadeira de diretor é acertada. Na medida em que o roteiro permite, o diretor de pérolas como Henrique V e Hamlet consegue extrair grandes interpretações do elenco, que tem o consagrado Anthony Hopkins como um dos principais nomes de destaque. Aliás, é um deleite ver Hopkins, que não precisa provar mais nada a absolutamente ninguém, em papéis incomuns como o de Odin, onde o veterano parece se sentir completamente à vontade, e onde cada palavra parece ser, ao mesmo tempo, calculada meticulosamente e pronunciada instintivamente.

Anthony Hopkings, Tom Hiddleston e Chris Hemsworth no filme "Thor"

Igualmente raro e louvável é o trabalho de Tom Hiddleston, ator londrino que já havia colaborado com Branagh no teatro e que é nada menos que assombroso em cena. É bem possível que a dinâmica entre pai e filhos seja o melhor que Thor tem a oferecer, porque a jornada de herói que é apresentada não tem nada de essencialmente novo. O herói que precisa passar por duras provações para se tornar mais digno, forte, e, principalmente, humilde, é um caminho que já foi traçado incontáveis vezes, desde os episódios mitológicos até desenhos animados da Disney. Os asgardianos, pelo menos até onde é possível entender, nem deuses são, e sim seres de outra dimensão, que compartilham emoções e sentimentos bastante humanos. Um deles é conhecido por se entregar aos prazeres da gula, e come vorazmente em uma situação de grande ansiedade e estresse. Impossível querer algo mais humano do que isto. Logo, o que interessa aqui é o embate psicológico a que os filhos de Odin estão sujeitos. Thor e Loki disputam a atenção de Odin desde pequenos, e o filme é correto em demonstrar como isto tem desdobramentos um tanto complexos no aspecto emocional para os dois personagens. Isto é particularmente marcante nas cenas divididas entre Hopkins e Hiddleston. Sabendo disso, Branagh acertou em cheio ao escalar Hinddleston como o perturbado e traiçoeiro Loki, um papel que requer muito mais densidade do que o do mimado e arrogante Thor. Nesse sentido, a participação do australiano Chris Hemsworth como Thor é muito mais prolífica nos momentos de humor, em que sua presença se torna mais relevante.

Cena do Filme "Thor"

No que diz respeito aos aspectos visuais de Thor, algumas escolhas ficam um pouco mais difíceis de serem compreendidas. Um exemplo é a fotografia e o constante uso do chamado “dutch angle” em muitas e muitas cenas. Fica evidente que os realizadores optaram por utilizar esse recurso para homenagear os quadrinhos – que empregam isto fartamente – e para realçar a tensão psicológica, sendo que, pelo que consta, esta última é uma das funções primordiais deste ângulo de câmera em particular. Mas o artifício empregado à exaustão perde seu valor e chega a causar certo incômodo. A paleta de cores, por sua vez, consegue despertar certo interesse, especialmente quando retrata os mundos fantásticos de Asgard e Jotunheim, mas também exagera um pouco na saturação em alguns pontos que poderiam ser mais sombrios.

De todos os personagens da Marvel que já atingiram ou estão para atingir o cinema, Thor talvez não seja o mais instigante ou complexo. Mas, ainda assim, é perfeitamente possível colocá-lo em um panorama onde seus conflitos, decepções e escolhas sejam acompanhadas com atenção e entusiasmo. Kenneth Branagh conseguiu evidenciar essa possibilidade, dentro dos limites que cercariam qualquer produção deste gênero. Pode-se dizer que não dá para exigir muito mais de um filme eminentemente comercial como Thor.

*Arthur Souza Lobo Guzzo é graduado em Comunicação Social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp.

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