Arthur Souza Lobo Guzzo*
![Imagem14](http://www.rua.ufscar.br/site/wp-content/uploads/Imagem141.png)
Não é difícil perceber que nunca antes na história de Hollywood se bebeu tanto na fonte das histórias em quadrinhos como nos últimos anos. Há quem diga que isto é um grave sintoma de que a criatividade e a capacidade de inovar dos estúdios norte-americanos estão à míngua, e que se torna cada vez mais difícil entregar “novidades” ao espectador no grande cinema dos blockbusters, sendo os grandes heróis da Marvel e da DC Comics uma tênue esperança – que, aliás, já começa a minguar também. Pode ser. Entretanto, a verdade é que bons exemplares de filmes inspirados em quadrinhos não são raros. E o interesse do público nesse tipo de filme não é fraco, nem de longe. Thor, de Kenneth Branagh, é a nova jóia na coroa dos filmes da Marvel, que, goste ou não, iniciou um ambicioso projeto de levar seus personagens à tela grande, e tem feito isto com grande entusiasmo e cuidado, gerando resultados no mínimo interessantes. Ora, quem é que vai dizer que não é interessante acompanhar um filme que tem Robert Downey Jr., com boa dose de sarcasmo e humor ácido, vivendo um super-herói meio obscuro como o Homem de Ferro? Na mesma medida, assistir a um filme dessa categoria dirigido por alguém como Kenneth Branagh pode ser igualmente promissor.
É claro que, para que seja agradável a ideia de um ator/diretor como Branagh – que dedicou considerável parte de sua carreira às obras de Shakespeare – no comando de uma adaptação de um herói da Marvel, é preciso que se tenha em admiração as obras anteriores desta mesma pessoa. E alguém na Marvel certamente as tem, para sequer considerar essa possibilidade. O fato é que é justamente nesse aspecto, algum peso dramático que tanto falta a tantos outros filmes comerciais atualmente, que a decisão de contratar Branagh para a cadeira de diretor é acertada. Na medida em que o roteiro permite, o diretor de pérolas como Henrique V e Hamlet consegue extrair grandes interpretações do elenco, que tem o consagrado Anthony Hopkins como um dos principais nomes de destaque. Aliás, é um deleite ver Hopkins, que não precisa provar mais nada a absolutamente ninguém, em papéis incomuns como o de Odin, onde o veterano parece se sentir completamente à vontade, e onde cada palavra parece ser, ao mesmo tempo, calculada meticulosamente e pronunciada instintivamente.
![Imagem15](http://www.rua.ufscar.br/site/wp-content/uploads/Imagem151.png)
Igualmente raro e louvável é o trabalho de Tom Hiddleston, ator londrino que já havia colaborado com Branagh no teatro e que é nada menos que assombroso em cena. É bem possível que a dinâmica entre pai e filhos seja o melhor que Thor tem a oferecer, porque a jornada de herói que é apresentada não tem nada de essencialmente novo. O herói que precisa passar por duras provações para se tornar mais digno, forte, e, principalmente, humilde, é um caminho que já foi traçado incontáveis vezes, desde os episódios mitológicos até desenhos animados da Disney. Os asgardianos, pelo menos até onde é possível entender, nem deuses são, e sim seres de outra dimensão, que compartilham emoções e sentimentos bastante humanos. Um deles é conhecido por se entregar aos prazeres da gula, e come vorazmente em uma situação de grande ansiedade e estresse. Impossível querer algo mais humano do que isto. Logo, o que interessa aqui é o embate psicológico a que os filhos de Odin estão sujeitos. Thor e Loki disputam a atenção de Odin desde pequenos, e o filme é correto em demonstrar como isto tem desdobramentos um tanto complexos no aspecto emocional para os dois personagens. Isto é particularmente marcante nas cenas divididas entre Hopkins e Hiddleston. Sabendo disso, Branagh acertou em cheio ao escalar Hinddleston como o perturbado e traiçoeiro Loki, um papel que requer muito mais densidade do que o do mimado e arrogante Thor. Nesse sentido, a participação do australiano Chris Hemsworth como Thor é muito mais prolífica nos momentos de humor, em que sua presença se torna mais relevante.
![Imagem16](http://www.rua.ufscar.br/site/wp-content/uploads/Imagem161.png)
No que diz respeito aos aspectos visuais de Thor, algumas escolhas ficam um pouco mais difíceis de serem compreendidas. Um exemplo é a fotografia e o constante uso do chamado “dutch angle” em muitas e muitas cenas. Fica evidente que os realizadores optaram por utilizar esse recurso para homenagear os quadrinhos – que empregam isto fartamente – e para realçar a tensão psicológica, sendo que, pelo que consta, esta última é uma das funções primordiais deste ângulo de câmera em particular. Mas o artifício empregado à exaustão perde seu valor e chega a causar certo incômodo. A paleta de cores, por sua vez, consegue despertar certo interesse, especialmente quando retrata os mundos fantásticos de Asgard e Jotunheim, mas também exagera um pouco na saturação em alguns pontos que poderiam ser mais sombrios.
De todos os personagens da Marvel que já atingiram ou estão para atingir o cinema, Thor talvez não seja o mais instigante ou complexo. Mas, ainda assim, é perfeitamente possível colocá-lo em um panorama onde seus conflitos, decepções e escolhas sejam acompanhadas com atenção e entusiasmo. Kenneth Branagh conseguiu evidenciar essa possibilidade, dentro dos limites que cercariam qualquer produção deste gênero. Pode-se dizer que não dá para exigir muito mais de um filme eminentemente comercial como Thor.
*Arthur Souza Lobo Guzzo é graduado em Comunicação Social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp.