O Palhaço (Selton Mello, 2011)

Renan Lima*

Menos cabeça e mais coração: o riso que contagia a todos

Pureza visual e sonora. Assim poderia ser definido “O Palhaço”, novo filme de Selton Mello. Diferentemente de seu primeiro filme (Feliz Natal, 2008), no qual havia um conflito internalizado na figura do personagem principal em meio a uma crise familiar e mediado por uma narrativa não clássica, muitas vezes, pseudo-intelectual demais, “Palhaço” preza por uma narrativa clara, com uma estética visual forte com leves toques poéticos.

Selton mellho em seu novo filme " O Palhaço"

A começar pela escolha do gênero, Selton opta pela comédia, campo onde o próprio ator, e agora diretor, já se consagrou. Através desta, e com leves momentos dramáticos, que mais parecem lições sobre a vida, Selton constrói o filme em cima de personagens caricatos que tentam levar em frente um circo em decadência. Personagens de si mesmos (interpretando os artistas de circo e, ás vezes, se interpretando), temos essa trupe que segue seus caminhos de cidade em cidade, tentanto impressionar o poder local e conseguir algum dinheiro, para benefício próprio ou para ajudar algum parente distante. Nesse contexto, temos o pai e filho palhaços, Puro Sangue (Paulo José) e Pangaré (Selton Mello), que apresentam um espetáculo juntos. Pangaré é o esconderijo, a fuga de Benjamim, nome verdadeiro do filho do dono do circo, cuja inquietação começa pela sua identidade, ou falta dela (ele não possui documentos, R.G., C.P.F., apenas uma certidão de nascimento antiga e mal-cuidada), ser ou não ser um “palhaço”, pertencer ou não “àquela gente”? Dessa maneira, o filme carrega em sua primeira metade toda essa inconstância de Pangaré, esse não-estar, essa cabeça “avoada” do personagem principal. Nesse sentido o filme demora a acontecer, a dizer a que veio.

Paralelamente a isso, temos Lola, personagem ambígua, que estabelece estranha relação com pai e filho. Do pai, é uma possível amante, mas que lhe rouba dinheiro e o trai com outros rapazes; do filho, um obstáculo, aquela que de início fala para Pangaré comprar um ventilador, fazendo alusão ao forte calor no local onde se encontram. Ventilador, objeto e elemento que serão utilizados durante toda a narrativa para trazer mais inquietação á vida de Benjamin. O vento da mudança, leva o que aqui está e trás algo novo, e num campo mais amplo, nos leva e nos trás, mudados, diferentes. Benjamim e Pangaré são o mesmo, um quer ser o outro, e sem um, o outro não existe, mas até que ponto podem conviver em harmonia? Até que ponto podem continuar compartilhando a dupla personalidade? Essa pergunta o filme não responde com palavras, mas através de imagens.

Com uma fotografia que preza por cores e planos abertos que valorizam os espaços e as situações, que respeita o momento dos personagens, sabendo quando colocá-los em conjunto e quando separá-los, e, acima de tudo, respeita a narrativa, priorizando o espetáculo, nos dois sentidos do termo.

A direção de arte, no entanto, se mostra na contra-mão em relação ao filme. Ela é requintada, cheia de cores e de alegria, toda viva, enquanto o objeto em foco na narrativa é um circo decadente, que pena para pagar suas contas, é como se arte tentasse esconder essa falta de recursos. Temos a indicação de que uma das integrantes do circo necessita de um novo sutiã, mas é só, não temos nenhuma outra indicação clara de que o circo não tem verba para os figurinos, cenários e quaisquer outros elementos.

Paulo José interpreta o Palhaço Puro Sangue em emocionante performance, mostrando que apesar de sua doença está em boa forma e em periodo produtivo no cinema

A concepção sonora é muito pautada em uma trilha sonora original que se faz presente em muitos momentos, alternando momentos de alegria, melancolia e tristeza que correspondem bastante aos sentimentos de Pangaré, aos seus conflitos internos, seus desejos de estar aqui e ali, enfim, sua vida. Afora essa trilha, temos uma edição de som e mixagem preocupada em situar o filme dentro do contexto circense, utilizando recursos sonoros que remetem a esse universo, como pequenas batidas de pratos e outros barulhos característicos desse meio.

Cabe então a montagem dar ritmo e emoção a esse universo, já bastante enriquecido. Dessa forma, os momentos de solidão de Pangaré são agraciados com planos mais longos, e as vivências de circo com planos mais entrecortados e rápidos. A montagem, fluída e transparente, tenta destacar esses dois tempos do filme, o tempo do circo com todos os seus personagens, seus sonhos, seu espetáculo; e o tempo de Pangaré, diferente de tudo, quase alheio a sua própria realidade.

"O Palhaço" é mais um filme que consagra Selton Mello como um dos maiores apoiadores do Cinema Nacional

Pangaré vive momentos diferentes dentro do filme, primeiro dentro do circo, com suas angústias e inquietações; depois, sozinho, abandonando a vida circense, numa busca por seu verdadeiro EU, sua identidade e ao mesmo tempo, pela mulher dos sonhos; e num último momento, seu retorno ao picadeiro, contrastado pela ausência de Lola, expulsa da companhia, àquela que, possivelmente e metaforicamente, era a razão da inquietação de Pangaré e um dos motivos pelo qual não se dava tão bem com pai. Uma criança assume o seu lugar, dando assim uma carga extra de juventude á trupe. Agora, nesse retorno, ambos se encontram e se reconhecem, pai e filho palhaços, nascidos para tal, como diz Pangaré.

Com ótimos atores e uma boa direção, a narrativa se fecha nela mesma, o filme se conclui sem um fim muito claro, mas com a certeza de uma nova trajetória e novas inquietações e as cortinas se fecham, palmas pra eles

Renan Lima é graduado em Audiovisual pelo Centro Universitário Senac

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