Applause – Lady Gaga (Inez van Lamsweerde e Vinoodh Matadin, 2013)

Por Nayton Barbosa*

Nada é tão simples e nada pode parecer ser o que é quando falamos de Lady Gaga. Uma das personalidades mais importantes do cenário pop atual é dona de uma figura totalmente instigante, onde qualquer lançamento feito pela Mother Monster, é passivo de muita discussão e análise.

Dentro do meio audiovisual, Gaga se destaca. É preciso observar cuidadosamente seus videoclipes, onde cada frame, em grande partes das suas produções, vem carregado de simbologias que extrapolam a simples narrativa que é acompanhada de uma coreografia que comumente vemos em videoclipes da música pop. Um dos diferenciais de Lady Gaga é exatamente esse. Multifacetada, a cantora gera expectativas a cada lançamento, seja para aqueles que buscam desvendar e explorar seus significados ou para aqueles que a julgam exagerada e sedenta por atenção.

No videoclipe de Applause, primeiro single extraída do seu próximo disco ARTPOP, não poderia ser diferente. Dirigido pela dupla Inez van Lamsweerde e Vinoodh Matadin, nos é apresentado uma Lady Gaga antropofágica que assume diversas personas de movimentos artísticos diferentes que são adaptados, dentro da estética já conhecida da cantora, para a realidade do universo que Gaga pretende expor com essa canção: a necessidade do aplauso. De Vênus de Milo a influências do cinema expressionista alemão, aproveitando da sua formação em Artes pela Tisch School of the Arts da Universidade de Nova Iorque, Lady Gaga em Applause não só utiliza-se de consagradas obras de arte, como aproveita para relembrar momentos da sua ainda jovem carreira.

Pronto e esperando para ouvir o gongo da crítica soar, Applause surgir na tela através de uma disputa, onde o preto e o branco se contrapõem a imagens coloridas em busca da sua atenção e do seu aplauso, utilizando técnicas de pintura como efeitos especiais, e contrapondo o olhar do espectador com planos coloridos, quem inicialmente se apresenta não é Lady Gaga, mas sim a jovem Stefani Joanne Angelina Germanotta, onde deitada em um colchão, assim como no clipe de Marry The Night, a jovem sonha com a fama e o reconhecimento.

No monólogo que introduz o clipe de Marry the Night (single extraido do álbum Born This Way), Gaga diz: “Quando eu olho para a minha vida, não é que eu não queira ver as coisas como aconteceram. É que eu prefiro lembrá-las de um jeito artístico.” Pensando dessa forma, podemos aqui, junto com Gaga relembrar sua carreira e evidenciar influências artísticas presentes em seu trabalho e que foram exploradas no clipe de Applause.

A peruca amarelada e a pinta acima da boca que a cantora aparece no videoclipe, muito se assemelha a icônica imagem feita por Andy Warhol de Marilyn Monroe. Porém, ao mesmo tempo, dentro da cronologia da sua carreira, tal imagem remete a era de The Fame Monster, uma das suas fases mais aclamadas pela crítica e mais nostálgica para muitos fãs. A atitude da cantora de aparecer presa em uma gaiola alia-se a vontade de muitos Little Monsters ver novamente a “antiga Lady Gaga”; é como se ela estivesse não somente presa ao seu passado, mas presa no lado obscuro da fama que ela retratou em seu próprio álbum.

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Gaga, na letra da música, canta que nostalgia é para geeks, muito provavelmente esse é um indicio de que ela não retomará seus antigos conceitos e, nesse instante, aproveita para relembrar a era The Fame com um dos seus maiores sucessos, a música Poker Face, com um gesto que se tornou uma marca registrada da cantora.

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Se Lady Gaga busca se reinventar, nada melhor que o nascimento para representar uma nova era. ARTPOP está chegando, uma nova Lady Gaga nascerá, e por isso, inspirada em um dos marcos do Renascimento, o quadro “O Nascimento de Vênus” do pintor italiano Sandro Botticelli, Gaga se apresenta com cabelos longos e conchas pelo corpo, referências presentes no quadro que se associam a mitologia do nascimento de Vênus, deusa romana do amor, da beleza e da fertilidade que teria surgido da espuma fértil criada quando os órgãos genitais de seu pai, Urano, foram jogados ao mar.

Uma Deusa representada nos padrões clássicos renascentistas, de braços e pernas longas e elegantes e com uma barriga sensualmente e levemente arredonda, agora toma forma para representar uma Diva do Pop. Não somente Gaga, mas Beyonce, Britney Spears, Madonna, Christina Aguilera, Katy Perry e tantas outras se tornaram modelos e referências, verdadeiras Deusas aos olhos de seus fãs. Dessa forma, como exemplos a serem seguidos, elas ditam regras e criam padrões aos seus seguidores, assim como a representação do corpo feminino no Renascimento seguia e sugeria um padrão. Mas talvez, dentre todas as Divas do Pop, Gaga seja a mais peculiar e exótica, a própria cantora defende uma politica de auto expressão e se contrapõe aos padrões da sociedade.

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No Manifesto Of Mother Monster, que faz parte do clipe de Born This Way, Gaga constrói um discurso manifestando o desejo de “o início de uma nova raça, uma raça dentro da humanidade, uma raça sem preconceitos, sem julgamentos, só uma liberdade sem fronteiras”. Dessa forma, a cantora evidencia não só nesta música, mas em outras do álbum Born This Way, seu pensamento de aceitação perante nossa própria imagem e sobre o que somos, independentemente de nos encaixarmos em padrões ou não. Sendo assim, utilizando de outro símbolo relacionado ao nascimento e seguindo o pensamento de que somos o que nascemos e o que queremos ser, Gaga surge dentro de um ovo em um corpo de cisne. Aqui podemos traçar um paralelo entre a clássica história do patinho feio que vira um belo cisne negro com a vida da cantora, que durante a infância teve dificuldades de se encaixar em padrões, um verdadeiro patinho feio, mas que hoje, para muitos é vista como um exemplo, como um cisne negro.

E é para seus Little Monster que Lady Gaga faz música e é a eles que ela procura agradar, e por esse motivo ela se veste do palhaço Pierrot. Se Pierrot é apaixonado pela Colombina, Gaga é apaixonada pelos seus fãs. Gaga é como um bobo da corte que vive para alegrar e ganhar aplausos de seus fãs, em uma relação de dependência que a faz viver sua vida dedicando-se totalmente a sua carreira e ao entretenimento.

A relação acima explicitada aliada a sua excentricidade, faz com que muitos a julgem insana. Por esse motivo Gaga em Applause é expressionista. Sendo percepitivo pela iluminação, o preto e branco lavado e os cenários distorcidos que nos guiam ao cinema expressionista alemão, especialmente aos filmes O Gabinete do Doutor Caligari (Robert Wiene, 1920) e Metropolis (Fritz Lang, 1927).

O Gabinete do Doutor Caligari de Robert Wiene, traz em sua abordagem um toque da loucura. O personagem Cesare é controlado mentalmente pelo Doutor Caligari e, além disso, é exposto para realizar previsões do futuro, é como se Cesare fosse um produto de entreternimento que por ser controlado mentalmente por Caligari, faria tudo pelo seu mestre. No clipe e na vida de Lady Gaga, seu mestre são seus fãs, logo Gaga surge dentro de uma cartola com olhos bem marcados e um rosto que expresa um toque de loucura, que se assemelha com o rosto de Cesare. Se Cesare é capaz de matar pelo seu mestre, Lady Gaga é capaz de agarrar uma faca com os dentes  só para se reinventar para o prazer de seus mestres, os Little Monsters.

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Ainda dentro do expressionismo alemão, podemos observar referências ao filme Metropolis de Fritz Lang, seja pela roupa preta com uma touca ou pela pirâmide de pessoas. Metropolis é uma ficção científica de 1927, que descreve a luta entre classes distintas, os pensadores e os trabalhadores, mas o que é explorado por Lady Gaga no videoclipe é a personagem Maria.

No filme, Maria, a heroína da história é uma carismática professora que exerce forte influência ideológica sob os operários. Chega a ser vista como um messias. Devido a essas características, Maria é escolhida para dar alma e feição a uma androide programada por Rotwang, um cientista e inventor que programara o androide para liderar uma revolução proletária. Quando o androide de Maria é enviada a Yoshiwara para seduzir e encantar os proletariado, ela age como um agente hipnotizador. E é exatamente esse conceito, de agente hipnotizador que Gaga pretende assumir, nos envolvendo através do seu alter-ego em busca do aplauso.

A primeira vista, estranha-se um pouco o clipe de Applause, pois não se parece muito com algumas de suas antigas produções, mas Lady Gaga é isso, cheia de referências artísticas e um toque narcisista. Não é a toa que a cultura pop estava na arte e agora a arte está na cultura pop e nela. Muitos a julgaram egocêntrica, mas poucos admitem a necessidade que todos os artistas têm de autoafirmação. É inegável que Lady Gaga, é uma das pessoas que mais se arrisca no meio pop, meio esse que se prende a estruturas um tanto quanto mainstream. Porém, mesmo fugindo desse aspecto, a cantora se mantém comercial e um dos principais nomes do cenário musical atual. A música Applause pouco se destaca. Gaga tem melhores, mas já é o suficiente para colocá-la de volta no rumo dos holofotes. Já o videoclipe dentro suas diversas peculiaridades, se mostra um show de adaptações e releituras artísticas para dentro de outra realidade. Nesse aspecto Lady Gaga merece aplausos, pois a arte, através de um leque de interpretações, passou a defini-la.

*Nayton Barbosa é graduando do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editor Geral da Revista Universitária do Audiovisual.

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