Por Nayton Barbosa*
Nada é tão simples e nada pode parecer ser o que é quando falamos de Lady Gaga. Uma das personalidades mais importantes do cenário pop atual é dona de uma figura totalmente instigante, onde qualquer lançamento feito pela Mother Monster, é passivo de muita discussão e análise.
Dentro do meio audiovisual, Gaga se destaca. É preciso observar cuidadosamente seus videoclipes, onde cada frame, em grande partes das suas produções, vem carregado de simbologias que extrapolam a simples narrativa que é acompanhada de uma coreografia que comumente vemos em videoclipes da música pop. Um dos diferenciais de Lady Gaga é exatamente esse. Multifacetada, a cantora gera expectativas a cada lançamento, seja para aqueles que buscam desvendar e explorar seus significados ou para aqueles que a julgam exagerada e sedenta por atenção.
No videoclipe de Applause, primeiro single extraída do seu próximo disco ARTPOP, não poderia ser diferente. Dirigido pela dupla Inez van Lamsweerde e Vinoodh Matadin, nos é apresentado uma Lady Gaga antropofágica que assume diversas personas de movimentos artísticos diferentes que são adaptados, dentro da estética já conhecida da cantora, para a realidade do universo que Gaga pretende expor com essa canção: a necessidade do aplauso. De Vênus de Milo a influências do cinema expressionista alemão, aproveitando da sua formação em Artes pela Tisch School of the Arts da Universidade de Nova Iorque, Lady Gaga em Applause não só utiliza-se de consagradas obras de arte, como aproveita para relembrar momentos da sua ainda jovem carreira.
Pronto e esperando para ouvir o gongo da crítica soar, Applause surgir na tela através de uma disputa, onde o preto e o branco se contrapõem a imagens coloridas em busca da sua atenção e do seu aplauso, utilizando técnicas de pintura como efeitos especiais, e contrapondo o olhar do espectador com planos coloridos, quem inicialmente se apresenta não é Lady Gaga, mas sim a jovem Stefani Joanne Angelina Germanotta, onde deitada em um colchão, assim como no clipe de Marry The Night, a jovem sonha com a fama e o reconhecimento.
No monólogo que introduz o clipe de Marry the Night (single extraido do álbum Born This Way), Gaga diz: “Quando eu olho para a minha vida, não é que eu não queira ver as coisas como aconteceram. É que eu prefiro lembrá-las de um jeito artístico.” Pensando dessa forma, podemos aqui, junto com Gaga relembrar sua carreira e evidenciar influências artísticas presentes em seu trabalho e que foram exploradas no clipe de Applause.
A peruca amarelada e a pinta acima da boca que a cantora aparece no videoclipe, muito se assemelha a icônica imagem feita por Andy Warhol de Marilyn Monroe. Porém, ao mesmo tempo, dentro da cronologia da sua carreira, tal imagem remete a era de The Fame Monster, uma das suas fases mais aclamadas pela crítica e mais nostálgica para muitos fãs. A atitude da cantora de aparecer presa em uma gaiola alia-se a vontade de muitos Little Monsters ver novamente a “antiga Lady Gaga”; é como se ela estivesse não somente presa ao seu passado, mas presa no lado obscuro da fama que ela retratou em seu próprio álbum.
Gaga, na letra da música, canta que nostalgia é para geeks, muito provavelmente esse é um indicio de que ela não retomará seus antigos conceitos e, nesse instante, aproveita para relembrar a era The Fame com um dos seus maiores sucessos, a música Poker Face, com um gesto que se tornou uma marca registrada da cantora.
Se Lady Gaga busca se reinventar, nada melhor que o nascimento para representar uma nova era. ARTPOP está chegando, uma nova Lady Gaga nascerá, e por isso, inspirada em um dos marcos do Renascimento, o quadro “O Nascimento de Vênus” do pintor italiano Sandro Botticelli, Gaga se apresenta com cabelos longos e conchas pelo corpo, referências presentes no quadro que se associam a mitologia do nascimento de Vênus, deusa romana do amor, da beleza e da fertilidade que teria surgido da espuma fértil criada quando os órgãos genitais de seu pai, Urano, foram jogados ao mar.
Uma Deusa representada nos padrões clássicos renascentistas, de braços e pernas longas e elegantes e com uma barriga sensualmente e levemente arredonda, agora toma forma para representar uma Diva do Pop. Não somente Gaga, mas Beyonce, Britney Spears, Madonna, Christina Aguilera, Katy Perry e tantas outras se tornaram modelos e referências, verdadeiras Deusas aos olhos de seus fãs. Dessa forma, como exemplos a serem seguidos, elas ditam regras e criam padrões aos seus seguidores, assim como a representação do corpo feminino no Renascimento seguia e sugeria um padrão. Mas talvez, dentre todas as Divas do Pop, Gaga seja a mais peculiar e exótica, a própria cantora defende uma politica de auto expressão e se contrapõe aos padrões da sociedade.
No Manifesto Of Mother Monster, que faz parte do clipe de Born This Way, Gaga constrói um discurso manifestando o desejo de “o início de uma nova raça, uma raça dentro da humanidade, uma raça sem preconceitos, sem julgamentos, só uma liberdade sem fronteiras”. Dessa forma, a cantora evidencia não só nesta música, mas em outras do álbum Born This Way, seu pensamento de aceitação perante nossa própria imagem e sobre o que somos, independentemente de nos encaixarmos em padrões ou não. Sendo assim, utilizando de outro símbolo relacionado ao nascimento e seguindo o pensamento de que somos o que nascemos e o que queremos ser, Gaga surge dentro de um ovo em um corpo de cisne. Aqui podemos traçar um paralelo entre a clássica história do patinho feio que vira um belo cisne negro com a vida da cantora, que durante a infância teve dificuldades de se encaixar em padrões, um verdadeiro patinho feio, mas que hoje, para muitos é vista como um exemplo, como um cisne negro.
E é para seus Little Monster que Lady Gaga faz música e é a eles que ela procura agradar, e por esse motivo ela se veste do palhaço Pierrot. Se Pierrot é apaixonado pela Colombina, Gaga é apaixonada pelos seus fãs. Gaga é como um bobo da corte que vive para alegrar e ganhar aplausos de seus fãs, em uma relação de dependência que a faz viver sua vida dedicando-se totalmente a sua carreira e ao entretenimento.
A relação acima explicitada aliada a sua excentricidade, faz com que muitos a julgem insana. Por esse motivo Gaga em Applause é expressionista. Sendo percepitivo pela iluminação, o preto e branco lavado e os cenários distorcidos que nos guiam ao cinema expressionista alemão, especialmente aos filmes O Gabinete do Doutor Caligari (Robert Wiene, 1920) e Metropolis (Fritz Lang, 1927).
O Gabinete do Doutor Caligari de Robert Wiene, traz em sua abordagem um toque da loucura. O personagem Cesare é controlado mentalmente pelo Doutor Caligari e, além disso, é exposto para realizar previsões do futuro, é como se Cesare fosse um produto de entreternimento que por ser controlado mentalmente por Caligari, faria tudo pelo seu mestre. No clipe e na vida de Lady Gaga, seu mestre são seus fãs, logo Gaga surge dentro de uma cartola com olhos bem marcados e um rosto que expresa um toque de loucura, que se assemelha com o rosto de Cesare. Se Cesare é capaz de matar pelo seu mestre, Lady Gaga é capaz de agarrar uma faca com os dentes só para se reinventar para o prazer de seus mestres, os Little Monsters.
Ainda dentro do expressionismo alemão, podemos observar referências ao filme Metropolis de Fritz Lang, seja pela roupa preta com uma touca ou pela pirâmide de pessoas. Metropolis é uma ficção científica de 1927, que descreve a luta entre classes distintas, os pensadores e os trabalhadores, mas o que é explorado por Lady Gaga no videoclipe é a personagem Maria.
No filme, Maria, a heroína da história é uma carismática professora que exerce forte influência ideológica sob os operários. Chega a ser vista como um messias. Devido a essas características, Maria é escolhida para dar alma e feição a uma androide programada por Rotwang, um cientista e inventor que programara o androide para liderar uma revolução proletária. Quando o androide de Maria é enviada a Yoshiwara para seduzir e encantar os proletariado, ela age como um agente hipnotizador. E é exatamente esse conceito, de agente hipnotizador que Gaga pretende assumir, nos envolvendo através do seu alter-ego em busca do aplauso.
A primeira vista, estranha-se um pouco o clipe de Applause, pois não se parece muito com algumas de suas antigas produções, mas Lady Gaga é isso, cheia de referências artísticas e um toque narcisista. Não é a toa que a cultura pop estava na arte e agora a arte está na cultura pop e nela. Muitos a julgaram egocêntrica, mas poucos admitem a necessidade que todos os artistas têm de autoafirmação. É inegável que Lady Gaga, é uma das pessoas que mais se arrisca no meio pop, meio esse que se prende a estruturas um tanto quanto mainstream. Porém, mesmo fugindo desse aspecto, a cantora se mantém comercial e um dos principais nomes do cenário musical atual. A música Applause pouco se destaca. Gaga tem melhores, mas já é o suficiente para colocá-la de volta no rumo dos holofotes. Já o videoclipe dentro suas diversas peculiaridades, se mostra um show de adaptações e releituras artísticas para dentro de outra realidade. Nesse aspecto Lady Gaga merece aplausos, pois a arte, através de um leque de interpretações, passou a defini-la.
*Nayton Barbosa é graduando do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editor Geral da Revista Universitária do Audiovisual.