Crítica | Pânico (2022), de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett

Por Maria Isabel

Contém spoilers.

Chegou aos cinemas na última semana, o quinto filme da franquia de Pânico, da qual os quatro primeiros filmes foram dirigidos pelo grandioso, e infelizmente agora falecido, Wes Craven. A história foi criada por Craven e Kevin Williamson e acompanha Sidney Prescott, uma adolescente que vive em Woodsboro e tenta superar o assassinato de sua mãe. 

O primeiro filme segue-se com Sidney ainda no ensino médio, quando passa a ser assombrada por um assassino mascarado, nomeado de Ghostface, que traz à tona questões do seu passado materno e ameaça todos à sua volta. A revelação é que o assassino se trata de Billy Loomis, seu namorado, e Stu Macher, seu cúmplice e melhor amigo. 

A obra ironiza filmes de terror e cerca-se de uma metalinguagem autoconsciente ao criar cenas de assassinato previstas pelos próprios personagens, e regras de “sobrevivência” dentro desse gênero cinematográfico. Satiriza principalmente a ideia de que filmes de terror criam assassinos. É consagrado como um dos mais famosos filmes do subgênero slasher e um clássico do terror no geral.

As sequências seguem Sidney até a faculdade, além de Hollywood, para os interiores de um set de filmagens, e por fim, de volta a Woodsboro. A cada filme, a metalinguagem se faz ainda mais enraizada e insolente, fazendo da obra um ambiente propositalmente inóspito e hilário para as personagens e para os próprios fãs de terror. Os assassinos são sempre relacionados a alguém do passado, e muitas vezes atuam em duplas, o que faz com que os ataques e as revelações dos filmes sejam surpreendentes e bem construídos.

Dessa forma, Pânico 5 retornou com uma ansiedade geral do público, em grande parte por ser o primeiro filme da franquia a não ser dirigido por Craven, mas também por ser lançado 11 anos depois do anterior, na era do pós-terror e contando com protagonistas inéditos. A nova obra vem dirigida pela dupla de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillet, já conhecidos por seu trabalho em Casamento Sangrento, um slasher lançado em 2019 e protagonizado por Samara Weaving.

O novo filme da saga chega para acompanhar Sam Carpenter, uma jovem problemática que retorna a Woodsboro, sua cidade natal, após sua irmã mais nova sofrer uma tentativa de assassinato por alguém com a máscara de Ghostface. Sam se revela filha de Billy Loomis e o assassino passa a perseguir personagens que têm conexão com o passado, como é o caso de Sam, e de outros relacionados a Stu e Randy, além de buscar atrair o trio original que permaneceu vivo: Sidney, Gale e Dewey.

A obra conta com nomes importantes da geração atual como Jenna Ortega, Jack Quaid, Melissa Barrera e Dylan Minnette. É audacioso de uma forma surpreendente como o novo filme é capaz de manter a essência dos anteriores, mas ainda assim, com a assinatura singular dos novos diretores. Pânico 5 não é um filme que Wes Craven teria feito, porém é com certeza algo que ele teria adorado.

Um diferencial interessante desse longa em relação aos outros da franquia é que Ghostface se tornou uma figura muito mais sombria e condizente com os moldes de terror e violência da nova geração. Seus ataques estão muito mais violentos e viscerais, e até mesmo seus trejeitos, que em outros filmes beiram ao cômico devido aos inúmeros tropeços, tombos e desleixos, agora são mais soturnos e calculados.

O exemplo perfeito da capacidade mortal do novo assassino é a cena da morte de Dewey. Como um dos personagens mais importantes da franquia, era esperado que se sua morte de fato ocorresse, deveria ser algo inesquecível e merecedor de destaque. E assim foi. 

Toda a cena de perseguição foi intensa e febril, e quando Dewey decide voltar para dar um último tiro na cabeça do perseguidor, o espectador já é capaz de sentir o que está por vir. Apesar de Dewey conseguir render um excelente combate corpo a corpo, não é páreo para Ghostface, e acaba por ser literalmente dilacerado por ele. O assassino chega a dizer que é uma honra, referindo-se a matar aquele que já escapou da morte tantas vezes, e atravessa o tronco de Dewey com a faca num golpe triunfal e inescapável.

Outra morte que se consagrou como ponto alto do filme foi a de Wes, interpretado por Dylan Minnette. É saudoso que a nova obra tenha contado com um personagem nomeado em homenagem a Craven, especialmente quando teve uma morte tão marcante. 

É uma cena longa, que segue Wes sozinho pela casa, enquanto já sabe-se que Ghostface está prestes a matá-lo. O personagem chega a abrir inúmeras portas e armários, e a decupagem brinca com o clichê de filmes de terror de se esperar que o assassino apareça atrás de alguma dessas portas. Cria-se uma tensão que é frustrada a todo momento, antes que o ápice se atinja com um jumpscare digno de pulos na cadeira e Wes finalmente morra esfaqueado, sem nem mesmo ver o corpo de sua mãe na porta de casa, que tentou salvá-lo minutos antes.

Ademais, Tara, interpretada por Jenna Ortega, também entrega uma atuação de excelência em várias cenas de tensão no filme. A cena de abertura, algo em Pânico que tem uma importância quase mitológica, é protagonizada por ela numa reencenação de algo próximo ao que o primeiro filme criou e já a coloca como ponto alto na obra. Além disso, a sequência de perseguição no hospital, em que a mesma precisa fugir numa cadeira de rodas, é de tirar o fôlego.

Dessa forma, através da produção de uma atmosfera mais sombria e do resgate de personagens que pertenceram ao primeiro Pânico, o novo filme lentamente constrói sua nostalgia em volta de inovações que se conectam com o passado. O ponto de maior sensibilidade na relação entre o primeiro e o último filme é quando, no último ato, revela-se que a festa onde tudo acontece se passa na casa onde ocorreu o final de Pânico 1. (Tramadol)

A direção do filme é perspicaz, e segura os enquadramentos e ângulos de câmera para que se torne imperceptível reconhecer o ambiente antes da revelação. Quando, enfim, é dito que aquela foi a casa em que Sidney matou Billy e Stu, a decupagem então revela a famosa escada de madeira do primeiro filme e evidencia todos os ângulos de constatação que outrora tinha encobrido. Sendo assim, a obra cumpre seu ciclo de reencenar o caminho narrativo do primeiro filme, fazendo com que Sam, Sidney e Gale tenham a chance de matarem os assassinos no ambiente primordial da saga.

O fato da protagonista ser filha de Billy e ter visões de seu pai (o que serve também como um retorno agradável de Skeet Ulrich à franquia) parece ser desprovido de muita importância na construção da personagem ao longo do filme. Contudo, nos momentos finais, Sam mostra a força de sua herança e mata o assassino com um esfaqueamento digno de arrepios. Isso faz com que uma porta seja aberta para sequências futuras, de forma que Sam tenha nuances o suficiente para ser tanto uma heroína quanto um legado do assassino e serial killer que seu pai foi.

Ademais, o que mantém um dos focos dramáticos mais fortes no filme é como a aparição de Dewey, Gale e Sidney se mostra como uma lenta despedida do elenco original. A morte de um dos três era essencial para a consolidação da nova geração, além de quebrar um ciclo de invencibilidade que vinha perseguindo tais personagens. 

Contudo, o reencontro entre Dewey e Gale foi raso quando comparado ao histórico emocional que o casal construiu com afinco ao longo de quatro filmes. Junto a isso, o tempo de tela de Sidney também pareceu mal aproveitado, podendo ter tido diálogos mais eloquentes e significativos. No fim, os momentos foram suficientes para justificar suas aparições, mas deixam um vazio diante da reflexão que esse foi o fim (ou pelo menos o início do fim) de uma história tão dolorosa quanto reacionária.

Pânico 5 é, então, um derivativo surpreendentemente bom do que pode ser feito na mão de diretores que se atém ao carinho de uma obra tradicional. Com assassinos meticulosos e uma justificativa divertida e despretensiosa, o mais novo filme da franquia atinge o sucesso ao resgatar o primordial, e deixa a certeza de que a herança do drama metalinguístico de Craven está em ótimas mãos.