As constatações sobre a crítica de cinema brasileira atual são normalmente bastante negativas. Falta espaço para os críticos, falta complexidade aos textos, falta maior valorização da profissão, falta liberdade dentro de cada redação de jornal ou revista. No entanto, talvez antes mesmo de enumerar os fatores negativos da prática da crítica no país, seja necessário dar um passo atrás e levantar questões sobre a própria razão de existir destes profissionais. Para que serve um crítico de cinema?
Essa primeira questão, raramente evocada pelos próprios críticos, diz respeito, entre outros, à função desta atividade. Se a crítica brasileira se inspira principalmente do modelo francês (em especial dos anos 1940 à 1960), os questionamentos vindos deste país nem sempre encontram eco em terras brasileiras. Pode-se dizer que algum crítico brasileiro ainda perpetua a ideia cara à André Bazin, segundo a qual a função da crítica é elevar o gosto do público, “formar” sua relação com o audiovisual para que ele se torne independente e passe a criar naturalmente uma demanda por filmes de melhor qualidade? Ou algum crítico ainda pretende exercer o papel de “transmissor” indispensável entre a obra e o público, como diria mais tarde Serge Daney? Se os papéis de formação e transmissão parecem utópicos demais para alguns, então quais são os críticos que preferem a função prática de separar “o que é bom do que é mau” (como Serge Kaganski), promover os filmes que dispõem de pouca publicidade (como Michel Ciment), ou simplesmente propor um outro ponto de vista sobre um filme ao público (como Jean Mitry)? Como se vê, mesmo o dito “modelo francês”, evocado frequentemente pela crítica brasileira, comporta facetas às vezes contraditórias. A crítica pode se imaginar como o padre, o juiz, o policial, o professor ou o médico do cinema nacional. O crítico brasileiro deveria absolutamente se questionar sobre a função que ele acredita exercer em sua atividade, e se questionar sobre a função que exercem seus colegas de profissão.
Da mesma maneira, ele deveria ter claro para si a influência que ele acredita que seu trabalho exerce, seja no próprio cinema, na economia local ou nos gostos do público. Uma das maiores tentações dos críticos é quantificar este impacto, embora não exista nenhum estudo provando a medida em que os textos e resenhas influenciam o cinema – existem, isso sim, textos de economistas como Claude Forest, indicando as razões pelas quais não se pode determinar a medida exata desta influência, pela incapacidade de separá-la de outros fatores como a publicidade ou o simples boca-a-boca. No entanto, todos os críticos afirmam prontamente a importância, e, portanto a influência de sua atividade – algo nada inesperado, afinal, se eles mesmos não acreditassem na utilidade (prática ou simbólica) de seu exercício, a profissão seria condenada a desaparecer. Qual leitor pretende se atingir com os textos? O pior mal da crítica seria o automatismo, ou seja, escrever sem pensar no leitor, sem pensar em ser lido, pela simples obrigação ou costume de escrever. O crítico precisaria parar de escrever para si mesmo.
A indefinição a propósito da função e da influência do cinema está diretamente ligada ao fato que, sob o mesmo rótulo de crítica, coabitam os profissionais das mais diversas origens, ideias e maneiras de conceber o cinema. Se médicos e advogados seguem uma formação para exercerem seus ofícios, o crítico pode vir de qualquer pessoa e de qualquer lugar, e talvez esse aspecto “democrático” seja uma das maiores forças ou fraquezas da crítica, dependendo do ponto de vista escolhido. Ora, poderia se dizer que a formação informal é comum às profissões artísticas, e que por isso seria absurdo comparar um crítico a um médico, mas mesmo pintores e escritores detém, em princípio, um conhecimento específico. A todos os críticos que defendem como formação principal o amor e a cinefilia, pode-se responder então que eles não se diferem de um espectador qualquer. É preciso que a crítica acredite numa formação cultural que depasse o simples amor e a simples prática de assistir a muitos filmes. Não seria necessário conhecer a política, a história (mundial), as teorias artísticas (não só pertinentes à esfera do cinema), ou bastaria ser um bom jornalista, um grande fã de cinema? Enquanto os críticos não elevarem a exigência de suas próprias formações, e enquanto acreditarem que a simples vontade faz o crítico, a profissão fica realmente condenada a perder sua crediblidade e se assemelhar a um passatempo, a um julgamento ordinário estilo “eu gosto” ou “eu não gosto”.
Seria importante voltar à questão do amor pelo cinema. Talvez a ideologia e a semântica de ordem afetiva constituam um dos piores vícios ligados à crítica contemporânea. Que isso não seja mal compreendido: não há mal algum em amar o cinema, muito pelo contrário. O grande problema é fazer, do puro gosto e da paixão, a característica e o mérito principais deste profissional. As reflexões sobre a crítica de cinema ao longo da História do século XX – principalmente (as) avessas às teorias de cinema, porque um dos papéis da teoria é justamente buscar um método e se afastar o máximo possível da simples relação subjetiva com seu objeto de estudo – sempre foram contaminadas por esse argumento mágico do amor, que seria capaz, ao mesmo tempo, de conferir legitimidade à profissão e ao profissional, além de separá-lo de profissionais que não reivindicam o amor como pré-requisito a seus trabalhos, como os médicos e advogados mais uma vez. Como não há formação clara nem uma prática coesa à toda a crítica, é no “amor” que a crítica se refugia, fechando o argumento na circularidade (“eu escrevo porque amo o cinema, e amo o cinema porque escrevo sobre ele”). Desde a “arte de amar” de Jean Douchet, desde as declarações eufóricas dos jovens críticos da Cahiers du Cinéma, os críticos se contentam em ostentar o prazer da profissão, numa compensação simbólica à falta de prestígio, de remuneração e de organização do ofício. É ótimo que o crítico ame o cinema, mas que esse amor não se torne, de modo algum, a mínima exigência para a existência da crítica. Enquanto as regras da profissão ficarem restritas à esfera pessoal (afinal, cada um ama uma obra diferente, cada sentimento se manifesta de maneira distinta de uma pessoa à outra), a crítica não tem motivos para ser considerada uma atividade profissional.
Junto do amor, seria preciso retirar da crítica toda subjetividade “fácil”, toda semântica e demais vícios de linguagem que provenham dessa paixão pelo cinema. Dizer que falta “carisma” a tal ator, ou que um casal não possui “química” implica fechar o argumento em um misticismo crítico que se defende pelo simples fato de não poder ser provado. Quem vai poder negar que tal ator tem ou não “carisma”? Igualmente, dizer que “algo não funciona” ou que “o conjunto não parece realista” sem se tentar explicar os motivos dessa impressão, ou apontar uma belíssima cena sem indicar o que significa a beleza para o crítico em questão são estratégias que acabam informando o leitor unicamente sobre a pessoa que critica, e não sobre o objeto criticado. Da mesma maneira, deveria se lutar contra o esforço de reduzir a crítica a uma quantificação (a avaliação por estrelinhas, bonequinhos e afins, algo fundamentalmente impraticável, já que o exercício é qualitativo, e não quantitativo) que acaba trocando o diálogo pelo veredito, e informando mais uma vez unicamente sobre os gostos pessoais. De que me adianta saber se tal pessoa gostou ou não de tal filme, se eu não conheço as razões desse gosto? Afinal, somos pessoas diferentes e meus gostos não são os mesmos do crítico que escreve.
Outro vício da crítica contemporânea é um dos grandes pré-conceitos elaborados por jovens franceses nos anos 1950, e desde então adotado como “método”: a política dos autores. Na época de Godard, Truffaut, Rohmer e companhia, era preciso reverenciar tais diretores em detrimento de outros, apoiá-los até o fim, em toda sua carreira, mesmo que suas maneiras de filmar se tranformem e se tornem mais ou menos interessantes. A personalização do julgamento artístico e o fetiche da assinatura não são novidades, nem se limitam ao mundo do cinema: desde o fim do século XIX passou-se a enxergar, na obra, seu “criador” (eis a semântica divina), e a ver no objeto a manifestação de uma personalidade artística. O ideal romântico da individualidade, raridade e originalidade prevaleceram e hoje o pensamento foi contaminado, junto da linguagem. Adotam-se as metonímias e vai-se ao museu ver um Picasso, ou ao concerto para ouvir Mozart, ao cinema para ver um Antonioni. A crítica e os próprios realizadores adotaram passivamente a ideia de “um filme de…” (quem ainda contesta a autoria no cinema?), algo que convém perfeitamente ao mercado, porque mesmo a arte precisa de suas marcas de consumo. Novamente, que não se compreenda mal: não se questiona aqui o papel do diretor nem mesmo que seja ele o elemento mais importante na realização de um filme. O grande problema seria o fetiche do criador único, que leva a dizer que “tal realizador quis dizer” isso ou aquilo, que leva à criação de muletas como a determinação de “um filme menor”, o que diz respeito unicamente ao valor do filme dentro da própria filmografia do diretor. Mesmo atualmente, a francesa Cahiers du Cinéma se concentra cada vez mais nos comentário autofágicos, que fazem o diretor dialogar unicamente consigo mesmo. Tal cena é vista como referência a um filme precedente, tal recurso é percebido como uma inovação no que diz respeito à sua maneira de sempre filmar. A crítica perde sua capacidade de abstração, e o trabalho crítico se torna, no melhor dos casos, uma constante historiografia de cada realizador; na pior, um eterno jogo dos sete erros. Que a crítica abandone seus vícios de autoria, tanto na linguagem como na maneira de assistir aos filmes, e passe a desmistificar autores do passado, passe a enxergar a capacidade de diretores conceituados de realizarem obras de pouco interesse. Que possa (se) analisar o filme em si, ou em relação a outros realizadores, outras ciêncas, outras teorias, outras artes.
Isso porque talvez o maior problema da crítica de cinema contemporânea, e não somente brasileira, seja a incapacidade de questionar a formação de seus próprios gostos. Toda pessoa é determinada pelo ambiente em que se encontra, pelas pessoas com quem convive, pelo meio sócio-econômico em que se insere. Logicamente, não pode ser determinista ao ponto de pensar que estas são as únicas influências, mas elas não deixam de ser fundamentais na constituição do gosto pessoal. É importante que a idéia do gosto livre seja relativizada, que cada pessoa entenda que “o gosto é o desgosto do gosto alheio”, como diria Pierre Bourdieu. Assim, quando cada crítico insiste que tal filme é bom, ou que outro é ruim, talvez seja prioritário pensar nas razões que levam o crítico a gostar de uma obra ou de outra. E por que o crítico alheio e mesmo o público não partilham exatamente o mesmo gosto? Ora, é preciso ter em mente que a qualidade não é inerente a uma obra de arte, mas tão dependente da obra quanto do julgamento que se oferece a ela. A qualidade não é objetiva, a única objetividade é a própria existência da obra. Nossos gostos fazem com que sejamos propensos a gostar mais de tal ou tal tipo de filme, e o crítico deveria tentar justamente desvendar esses mecanismos. Por isso mesmo, seria preciso negar a ideia de uma arte necessariamente boa: nada mais impraticável que dizer que tal filme é arte, mas outro não; ou seja, insinuar que tudo que é arte é bom. A desqualificação de uma obra do estatuto artístico é uma forma de pregar o elitismo e restringir mais uma vez a crítica à simples manifestação de gosto comum. “Arte” é uma categoria cultural, e não um selo de qualidade. Se se supõe que o cinema é arte, então haveria boa e má arte, arte interessante ou menos interessante, da mesma maneira que os filmes seriam bons ou ruins.
Assim, sabendo que a qualidade é uma noção pessoal e dinâmica (afinal, obras que não eram consideradas boas em suas épocas podem ser aceitas socialmente anos mais tarde, ou as boas se tornam menos atraentes), seria fundamental que se acabasse de uma vez por todas com a noção de que tal tema é mais importante que outro, e tal personagem é fundamentalmente mais interessante que outro. Nenhum tema, personagem, nem recurso cinematográfico pode ter um valor em si. Falar sobre a condição de uma sociedade pobre não é mais nobre do que contar uma história de amor, a câmera na mão não é melhor que a câmera posicionada sobre um tripé, o plano-sequência não é melhor que uma montagem frenética. Os recursos não têm valor em si, só se pode julgar o uso que se faz de cada instrumento. Podemos ter ótimos filmes sobre temas corriqueiros e crônicas do terceiro-mundo muito mal feitas. Se aceitássemos o valor pré-concebido, os filmes poderiam ser considerados bons ou ruins apenas pela suas intenções, antes mesmo de serem filmados ou vistos. Como não interessa (ou não deveria interessar) o que o diretor quis dizer, e sim o que acreditamos que ele tenha dito, o cinema só pode ser analisado por suas produções.
Por fim, fica a questão essencial à qual os críticos normalmente fogem, a respeito da legitimidade desta atividade. De qual direito se critica uma obra, o que faz uma pessoa ser mais qualificada a outra para julgar? Mesmo se todas as pessoas afirmam a legitimidade dos críticos, dificilmente consegue se justificar essa impressão coletiva. Ora, para uma profissão que não exige um conhecimento padrão, feita por pessoas de qualquer formação, que exercem atividades bastante diferentes entre si, que pensam o cinema e a própria profissão de modos às vezes opostos, como justificar a existência dos críticos? Pior ainda, como provar outra sensação coletiva, sobre o caráter indispensável da crítica? Bazin afirmava (ironicamente, é preciso dizer) que a crítica era inútil, mas mesmo assim indispensável. Poucos críticos (Pierre Marcabru, na França, era um dos únicos) afirmavam sem ironia que a crítica tem sim uma função, mas bastante limitada (oferecer um outro ponto de vista para o público, no caso do autor), e que a função não implicaria a necessidade (prática nem simbólica). A crítica seria, portanto, útil, mas dispensável. Na falta de críticos, haveria outras formas de comentário, de escrita sobre o cinema. Haveria as manifestações do público, dos teóricos, dos publicitários. A questão não é dizer se seria positivo ou não que a crítica desapareça, simplesmente apontar as eventuais consequências da inexistência da mesma. Alguém saberia apontar a necessidade destes profissionais que no entanto, parecem tão importantes aos olhos de todos? Afinal, os críticos se sucedem, a profissão se transforma e, no entanto, uma questão permanece intacta: para que serve a crítica de cinema?
Bruno Carmelo é graduado em Cinema pela Faap e mestrando em Teoria e Crítica de Cinema na Universidade francesa Sorbonne Nouvelle
Interessante o texto de Bruno Carmelo.
Realmente existe um vocabulário acessório, um repertório mínimo (usado a torto e a direito) e valores que, antes de serem pré-concebidos, são frágeis. Parece que os críticos questionam pouco a si mesmos -seus pontos de partida, valores, gosto.
Mas eu colocaria algumas questões ao texto de coisas que não ficaram claras e achei um pouco generalizantes:
Em primeiro lugar: quem é “A crítica brasileira”? A de jornal? De revista? De blogues? Sites? Quem é, ou quem são? Porque tratar a crítica como um bloco homogêneo é um pouco complicado, porque há variações, inclusive na suposta influência francesa. Faltam nomes, faltam exemplos, faltam argumentos.
Ao mesmo tempo em que Bruno critica a crítica brasileira por falta de embasamento e substância, não vejo na crítica à crítica exemplos concretos, só generalizações.
Segundo: com relação ao “amor”: o texto de Douchet A ARTE DE AMAR não fala estritamente de afeição aos filmes, fala de uma relação entusiasmada, não sem rigor, ou, pra usar o vocabulário do texto, método (ou critério). A crítica brasileira de modo geral (se formos ver quem escreve e o que escreve e onde escrevem), mal conhece esse texto.
Terceiro ponto: concordo no que diz respeito à Cahiers du cinema recente, de Frodon e Burdeau.
Grande abraço a todos e parabéns pela revista. Gostei muito. Seria interessante uma divulgação maior, porque apesar de ouvir o nome dela aqui e ali, ainda não conhecia.
Francis Vogner dos Reis
Espero que o artigo, longe de querer ser um ponto final, seja ponto de partida. Porque os questionamentos são muitos e pertinentes, mas as afirmações ainda são raras e, quando feitas, na verdade são solicitações de uma crítica ideal, que amplifique em vez de concentrar, que expanda em vez de confinar, que promova as relações em vez de amar em palavras. É mais que saudável, claro, essa solicitação.
Talvez não se esteja colocando em questão a “mídia”, sentido estrito, sem a qual a crítica não existe para além de atividade mental. Não há crítica sem uma mídia.
Quais as linhas editoriais de onde se publica sobre cinema no Brasil (não importa se na imprensa ou na net, se em revistas acadêmicas ou instituições)? O crítico faz seu veículo tanto quanto é feito por ele. Pois esse espaço de atuação é determinante na modulação da escrita e das estratégias de análise.
Talvez não seja possível esse ideal de uma crítica multidisciplinar como regra, como condição reguladora, como pré-requisito, porque talvez esse modelo seja incompatível com certas mídias. O que se pede no artigo, portanto, não é mudança na crítica, apenas, mas de toda um campo cultural, marcado, por exemplo, pela raridade de revistas de crítica e ensaios.
E a quem interessaria essa crítica? Quem a bancaria? Para quem?
O modelo solicitado de crítica ideal talvez esteja já com os pés no estudo do cinema e da arte, porque essa expansão por diferentes áreas não se faz na velocidade e no espaço de uma escrita da crítica chamada de “militante”, que tem e sempre teve como sua principal característica uma reação de momento e com todos os riscos das afirmações feitas sem os cochões da pesquisa e do estudo. É outro tipo de estratégia e de percepção em uma mesma atividade.
Não se trata de aplicação de estudos ou estudos disciplinados, mas de afirmações e análises feitas um pouco no abismo, o que exige uma rapidez de percepção, uma sensibilidade fina e atenta, uma capacidade de lidar com relações entre imagens percebidas.
Há como fazer isso melhor e pior. Assim como há como estudar cinema de maneira menos e mais rigorosa. O estudo não é, em si, superior a critica militante. Ele só tem outra estratégia, outro ritmo, outra finalidade talvez. Não se faz uma boa crítica sem sensibilidade estética, embora possa se fazer um bom estudo com pouca sensibilidade para a experiência com a arte.
Entendo a provocação e acho saudável. A descrição de sensorialidades e os julgamentos sem critérios parecem milho na panela. Mas os estudos de cinema também são marcados por uma ausência de questões realmente fortes colocadas aos filmes e a seus discursos de legitimação.
Mas uma mesmo crítico pode atuar nos dois campos. Temos alguns exemplos por ai. Pode ser melhor em um ou em outro, transitar bem pelos dois ou sujar o tapete em ambos, porque, as vezes, a Universidade e a pesquisa torna-se alojamento intelectual.
De qualquer forma, acima de tudo, o texto levanta questões e, sem dúvida, elas são a serem colocadas. O fetiche do sujeito auto-afirmado está virando refrão. Desde algum tempo. Na atual política dos autores, mataram a política, pululam autores
abraços e vida longa
cléber eduardo
Oi, Cléber Eduardo e Francis,
gostaria de agradecê-los muito pelos comentários. Fico feliz que dêem continuidade ao debate e que expressem seus pontos de vista, afinal este era o objetivo principal da publicação.
Concordo com muitos dos pontos levantados por vocês. De fato, tem-se uma generalização que não levanta nomes, nem aponta os tipos específicos de crítica (blog, revista, jornal etc.). Só gostaria de que a idéia de A crítica não fosse percebida como simplificação, mas sim tentativa de reunir um grupo certamente diverso. Falar da “crítica brasileira” não é ignorar sua pluralidade, mas tentar ver, nesse grupo heterogêneo, os valores dominantes. Também não havia a pretensão de fazer do texto um manifesto (como sugeriu o Cléber, ele pretendia ser um ponto de partida, e não um decreto), por isso não estimei necessário citar nomes, nem determinar os exemplos ou contra-exemplos.
Sobre o texto de Douchet, de fato ele não se limita à afeição pelo cinema, mas ele me parece um exemplo bom desse entusiasmo como método, ou ainda, do entusiasmo como fator da legitimidade do crítico; e é esse ponto que eu acredito mais digno de críticas no texto do autor.
Concordo igualmente que a crítica proposta seja talvez idealizada, difícil de pôr em prática e de inseri-la nas mídias disponíveis (de modo algum o texto pretende criticar a dependência destas). No entanto, acredito que pequenas mudanças e principalmente pequenas experimentações poderiam ser postas em prática. Que sejam em mídias mais abertas, como as virtuais. Acho que a crítica precisaria inovar em seus métodos, e em sua maneira de conceber o cinema. Deixo um exemplo que me parece interessante: conhecem o blog 365 Jours Ouvrables, de Joachim Lafosse? Ele, arquiteto de formação, propõe conexões entre cinema e arquitetura, assim como entre pôsteres de filmes, entre sinopses etc. Não defendo uma obrigatoriedade da multidisciplinaridade, de modo algum. Mas acho que propostas simples como a de não criticar unicamente baseando-se na filmografia do diretor, ou prestando atenção em tal aspecto em particular (como os projetos em que se analisa especificamente o som ou a fotografia dos filmes), podem oferecer à crítica novas direções. Acredito que o formato de abraçar todo o filme em um único texto é um tanto limitado, e por isso poderíamos aprofundar a discussão se cada crítico oferecesse uma análise mais detalhada do aspecto que lhe interessasse.
Um grande abraço,
BRUNO CARMELO
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Caro Bruno Carmelo,
Parabéns pelo ótimo texto. Também gostaria de comentar algumas passagens, a partir das quais penso ser possível incitar a continuidade do debate.
Concordo que o amor pelo cinema se tornou, em algum momento e curiosamente, um princípio pernicioso para a formação do crítico. Se na Cahiers dos anos 1960-70, por exemplo, esse amor estava imiscuído em postulados mais objetivos, ele parece ter se tornado quase auto-suficiene na medida em que tais postulados perderam força.
Penso que os anos 1980 são um ponto de virada nesse aspecto. É ali que desponta um cinema já diferenciado, de fato, em relação ao cinema moderno; um cinema de citações, que tem como referência o próprio cinema, e não mais o real. É toda uma nova geração de cinéfilos e de cineastas com características particulares.
Basta observar que, em sua diversidade, as linhas de rupturas vanguardista e moderna surgiram como resposta negativa ao ilusionismo clássico – ou pelo menos foram consideradas assim, no contexto, pois também a crítica se constitui em torno dessa questão-central do ilusionismo. A própria Cahiers, em sua evolução, reflete esse movimento pendular entre a aceitação de algum sentido de realismo e o desconstrutivismo.
Mas, e quando o real perde seu trono, o que resta? Se a relação entre o cinema e a realidade é o manancial da maior parte do que se produziu na teoria e na crítica daquelas décadas, podemos perguntar: qual é o manancial do que se produz hoje? Quais são os fundamentos da crítica de hoje?
Ainda que um autor como Deleuze tenha elaborado todo um novo conjunto de categorias para pensar o cinema, é ainda a tradição que ele põe em xeque – a que tem Peirce e a referencialidade do real como uma figura de centro –, que embasa a maior parte da crítica. No entanto, são categorias que perderam muito do seu sentido de origem. Há uma flutuação epistemológica que, a meu ver, contribui para o subjetivismo dos críticos.
Não quero dizer que devemos descartar categorias porque elas são “datadas” ou coisa do tipo; se a atualizarmos, deixam de ser datadas, e por isso creio que pensar essas categorias objetivamente, tal como fizeram os modernos, é uma das maiores demandas atuais. Não vejo problemas em idealizações da crítica e do cinema. De certo modo, há cada vez mais uma carência de postulados universais – e o seu texto constata isso.
Pensando na mesma linha, eu não concordo com a parte na qual você afirma que nenhum recurso cinematográfico deve ter valor em si mesmo (todo o parágrafo em negrito). Receio que a melhor crítica de cinema é a que emite juízos fundamentados sobre o potencial desta arte, compreendendo-o por meio de uma concepção mais ampla da cultura e da sociedade. E isso implica, necessariamente, valorações da linguagem cinematográfica (ou isso, ou damos adeus à estética).
Será que ao evitarmos diferenciar os procedimentos pelo valor que eles possuem não acedemos a um dos lugares-comuns que prejudicam a reflexão sobre o cinema? Uma espécie de “respeito excessivo à linguagem”; afinal, como um filme pode pretender ser algo singular sem que haja uma problematização dos meios pelos quais ele pretende ser singular? Não teríamos, aqui, uma crítica remetida a um não-lugar, a partir do qual ela se põe a contemplar um objeto por demais fetichizado, e que, por isso, não pode ser pensado com total liberdade?
Bem ou mal sucedidos, Bazin defendeu o plano-sequência, Michel Mourlet defendeu a mise-en-scène, etc. Por que deveríamos abandonar esse tipo de orientação em nosso pensamento sobre os filmes? Se o abandonarmos, creio que nos resta apenas o fosso do relativismo – a outra face do “subjetivismo amoroso”.
Obrigado pela oportunidade do debate
e um abraço,
Rodrigo Cássio
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Prezados,
parabéns pelo belo trabalho.
Gostaria de um paralelo entre os criticos e os livros. Como criar bons leitores, através do cinema? É possivel levar as crianças ao mundo cinematográfico, sem que elas se percam nas “lutas” exibidas últimamente, filmes sem mágia, com mais ação e alguns com muita violência?
Aguardo e agradeço pela oportunidade.
Carla Sales