Tudo pode dar certo (Woody Allen, 2009)

 O retorno às raízes de Woody Allen…

O novo filme de Woody Allen retoma alguns conceitos construídos pelo diretor ao longo de sua carreira como a metalinguagem, o diálogo exagerado e explicativo e o romance quase sempre impossível, elementos estes que não estão presentes em seus filmes mais recentes como “Vicky Cristina Barcelona”, por exemplo, para contar o encontro de duas pessoas presas às convenções e preconceitos que finalmente se libertam. Primeiramente, temos Boris, um personagem idoso cético, o alter-ego de Woody Allen, vivido com eficácia por Larry David, que reclama da vida e diz ser o único que realmente entende a raça humana, ele se envolve com Melody, uma jovem ingênua e sedutora, a bela e discreta atriz Evan Rachel Wood, que acaba de fugir de casa e precisa dar um rumo à sua vida, e temos ainda, o belíssimo Henry Cavill, um jovem que se apaixona pela menina e recebe ajuda mãe da mesma para conseguir ficar com ela. Adicionam-se a história o humor inóspito e as situações inusitadas, características marcantes do cinema woodyaliano. Afora a semelhança com outro filme do mesmo diretor, “Manhattan” (EUA, 1979), pelas relações e pelas características dos personagens, ocorre também à quebra da quarta parede, quando, logo no início do filme, David olha diretamente para a câmera e fala com espectador: “Eles pagaram ingresso e compraram pipoca para nos ver”. Esse recurso é recorrente no filme, mas sempre utilizado de maneira orgânica, denunciando o egocentrismo e a excentricidade do personagem.  

Assim, mais uma vez a exploração do diálogo é o ponto forte, com diversos momentos em que o personagem faz um monólogo para a câmera, lembrando muito uma encenação teatral, embora, em outras circunstâncias, existam momentos em que as falas explicativas demais tornam o filme um pouco cansativo. As atuações são intensas e salientam as personalidades distintas e contratantes dos personagens: um senhor vivido, que se diz especialista sobre a vida, afinal foi um físico dedicado ao estudo da mecânica quântica, que se tornou pessimista observando as poucas coisas que valem a pena na sua existência, e uma menina cheia de sonhos e desejos, que enquanto suas vontades reprimidas aos poucos vão sendo reveladas vai absorvendo as crises existenciais daquele. Além disso, aquelas situações inusitadas aparecem de formas muito impactantes, como a chegada inesperada da mãe da menina no refúgio em que se “esconde” com Boris e a futura transformação da própria mãe que acaba estabelecendo um relacionamento com dois homens ao mesmo tempo, ou a chegada do pai que procura por sua ex-mulher e nos antecipa seu final surpreendente. Impactos que demonstram as mudanças pelas quais passam os personagens em meio as suas próprias contradições.

Sobretudo, Woody Allen explora o gênero que o consagrou e que o tornou um dos mestres do cinema, a comédia de tipos e estereótipos, personagens bem demarcados e relacionamentos difíceis, quase impossíveis, muitas vezes um velho e uma jovem que se apaixonam de maneira inexplicável e que vão acabar sofrendo com isso em um determinado momento, mas tudo retratado através de sua atmosfera cômica particular. O momento mais engraçado do filme, coincidentemente ou não, é quando Boris olha para “nós” e nos trata como íntimos, conta algum aspecto de sua vida ou fala sobre o próprio filme: “Este não é um filme alegrinho”, ele avisa, parecendo ser o próprio diretor dizendo aquela frase, o que nos faz refletir um pouco sobre o seu cinema, sobre a sua forma de ver as coisas, o trágico visto de uma maneira engraçada, o final feliz que é triste, enfim, as coisas que não se resolvem direito, aquilo que pede continuação.     

Alguns amam, outros odeiam, mas essa é a essência de Woody Allen…

Renan Lima é graduando em Audiovisual pelo Centro Universitário Senac.

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