13º Festival Brasileiro de Cinema Universitário/ Projeto Sal Grosso

13º Festival Brasileiro de Cinema Universitário

A 13ª edição do Festival Brasileiro de Cinema Universitário, realizada no belíssimo e caótico centro do Rio de Janeiro, ofereceu um amplo panorama da produção audiovisual universitária brasileira. Foram 53 filmes na Mostra Competitiva Nacional, 36 na Mostra Competitiva Internacional, 12 roteiros no Projeto Sal Grosso (categoria na qual eu participava) e um amplo programa de Mostras Informativas.

O espaço da Caixa Cultural e o Centro Cultural dos Correios foram ocupados, ao longo do Festival, por estudantes dos mais variados e díspares recantos do país e do mundo. Do Rio Grande do Sul ao Ceará, dos Estados Unidos à Coréia. A programação do FBCU oferecia um leque de possibilidades formidável, mais que explícito na grande quantidade de siglas que marcavam o caderno de programação: UFF, UnB, USP, a nossa UFSCar, Unisinos, FAP, FAAP, UFSC e muitas outras.

Todas as sessões da mostra competitiva, realizadas no Centro Cultural dos Correios (que apesar da reforma/restauração à qual está sendo submetido acolheu o público do Festival com um evidente apreço), eram seguidas de acalorados debates entre a platéia e os realizadores. É engraçado pensar que a platéia em geral, e me incluo nisso, era composta por outros realizadores, futuros teóricos e críticos, além é claro, dos desavisados de plantão.

Esses debates eram o ponto alto do FBCU. As opiniões eram defendidas de forma corajosa. As discordâncias eram evidentes. Mas o clima, de certo modo, foi sempre agradável. Todos defendiam seus filmes com paixão, mesmo quando lhes reconheciam os defeitos. A mesma paixão com que o público se manifestava. Afinal todos éramos, ou melhor, todos somos estudantes e estávamos lá por alguma, em maior ou menor medida, paixão. Nada mais natural que transmiti-la ao que produzimos.

Após as discussões íamos para pequenas comemorações, bares e festas bastante animadas, terminar a noite. Catete, Cinelândia e Lapa foram alguns dos lugares que acolheram o FBCU. É de se imaginar que depois de meia dúzia de cervejas as discussões eram retomadas, se não com a mesma, com uma paixão ainda maior. Não havia como se manter em cima do muro. Eu acabei, como quase todos os outros participantes, me envolvendo em algumas destas conversas acaloradas. Esse é o maior trunfo do Festival: a interação entre essas pessoas. Era comum trocar experiências, fazer contatos, conhecer gente nova e se envolver num clima de integração quase obrigatório.

Depois de alguns dias, marcados por sessões de exibição e discussões, os filmes da Mostra Competitiva Nacional, à qual me restrinjo aqui, foram avaliados pelo júri. Como em qualquer festival competitivo os prêmios são distribuídos a partir de critérios que podem variar muito e que geram, certamente, muitas discordâncias. Alguns dos filmes premiados me tocaram, outros eu não consegui ver e outros ainda não me agradaram muito.

O curta que ganhou como Destaque em Construção Narrativa e Destaque em Contribuição Técnica, “Os sapatos de Aristeu”, de Luiz René Guerra da Fundação Armando Álvares Penteado, foi um dos que mais marcaram minha passagem pelo FBCU. Nele o corpo de uma travesti morta é enviado à família, que decide enterrá-la como homem. Então uma procissão de travestis se encaminha para o velório reclamando a identidade construída da companheira. Trata-se realmente de um filme muito bonito, plasticamente bem acabado, realizado com um grande apuro técnico e uma evidente entrega do diretor; que obviamente se refletem no resultado final.

“A bela p…” de João Marcos de Almeida, da Faculdade Casper Líbero, foi outro vídeo marcante do FBCU. Recebeu uma merecida menção honrosa do júri pela total falta de vergonha. E realmente não deixa a desejar nesse quesito. Escancaradamente abusada a video-arte destoava de alguns filmes/vídeos muito esquemáticos que compunham o programa do Festival e sem dúvida alguma foi uma das mais “ousadas” que vi por lá.

Outros filmes marcaram minha rápida estadia no Rio, “Areia” de Caetano Gotardo (da Mostra Ex-alunos), “Aqueles Dois” de Daniel Weber (do Programa Gay), “Coração de Tangerina” de Juliana Psaros e Natasja Berzoini (da Mostra Competitiva Nacional), “Corpo no Céu” de Luisa Marques (da Mostra Competitiva Nacional) e outros ainda que a memória insiste em esconder justamente quando mais preciso.

Mas certamente, apesar de alguns dos curtas serem muito bons, a experiência mais excitante do Festival foi o contato que pude estabelecer com outros estudantes de audiovisual: saber o que eles pensam, conhecer o que produzem, como se articulam e enfrentam as dificuldades comuns a toda comunidade universitária. Enfim, o que aprendi, o que vi, ouvi e as experiências que troquei reverberam até agora. Talvez por isso tenha essa impressão de que ainda não voltei do Rio de Janeiro, de que ainda estou sentado na pedra do Arpoador esperando que o sol se ponha naquele sábado nublado, sob aquela luminosidade difusa que parece dar às coisas luz própria.

Felipe Trindade Diniz é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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Vivendo o Sal Grosso

Desde a sessão de encerramento do 13º festival Brasileiro de Cinema Universitário quando recebi a notícia de que fui premiado pelo Projeto Sal Grosso, uma gigantesca onda de pensamentos, sentimentos e sensações me abateu. Nesta ocasião, recebi o certificado das mãos de Igor Souto, estudante de cinema de Salvador que realizou o curta “Necessidade” pelo Projeto Sal Grosso VII. Desde então, sinto-me preso em mim mesmo. Não sei dizer se é a ansiedade que ocasiona a confusão mental que vivo nesses últimos dias. Tem sido difícil escapar da folha em branco à minha frente. Quem sabe, esta tentativa de relatar aqui minha experiência pessoal na oficina possa ser, de alguma forma, uma salvação.

Há alguns anos, o Projeto Sal Grosso destacou-se no contexto do cinema universitário pelas especificidades de sua estrutura organizacional. O projeto une estudantes de cinema e audiovisual de diversos cursos para a realização de um filme de curta-metragem. Cada curso tem seus alunos representando uma área da produção: arte; roteiro e direção; edição; fotografia e som. Esses estudantes devem buscar romper as barreiras culturais e as diferenças de formação de cada curso para alcançar alguma coesão.

Assim, estabeleceu-se um ciclo: todos os anos alguém é selecionado na oficina de roteiros para dirigir o filme que deve ser apresentado no encerramento do FBCU do ano seguinte. Esse nome é anunciado após a apresentação do curta feito pelo processo do ano anterior. No desenrolar dessa espiral, o Sal Grosso tem apresentado filmes de proposta estética e linguagem diversificados. Curtas premiados em festivais e elogiados pela crítica. Aliás, não só os curtas realizados pelo projeto; mas também os roteiros selecionados para a oficina têm se destacado em festivais nacionais e internacionais.

Sinceramente, gostaria muito de falar sobre a importância desse encontro entre estudantes de diversas universidades para a realização de um curta. O intercâmbio de vivências diversas, concepções de mundo e experiência profissional de se trabalhar com desconhecidos. Porém, como ainda sequer começou o processo de pré-produção do curta que irei dirigir, prefiro evitar especulações e abstrações em relação a essa etapa. Por outro lado, posso, então, abordar o processo onde se estabelece a gênese do Projeto Sal Grosso: a oficina de roteiros da qual eu e Felipe participamos.

Estive pela primeira vez no Rio de Janeiro em uma ocasião especial: para participar de um diálogo com especialistas e estudantes de cinema de diversos cursos e cidades. Isso, além de poder perambular livremente entre as mostras de um festival de destaque no contexto do cinema universitário nacional. Dia a dia, passei por um processo de descoberta e choque em minha relação com essa cidade de contrastes absurdos e fascinantes. Ao mesmo tempo em que buscava familiarizar-me com o desconhecido, necessitava lidar com minha cobrança para que me empenhasse ao máximo durante as oficinas. Foi assim que passei meus dias: 4 horas de oficina pela manhã, alguma caminhada turística curiosa antes do entardecer e, de noite, encontros irrefutáveis com o espírito boêmio da cidade. Afinal, estivemos hospedados próximos à Mem de Sá e à Rua do Lavradio, onde se encontravam bares muito convidativos.

Nessa toada seguiram os três dias de Oficina. Os 12 roteiros foram divididos em três grupos. Assim, em cada dia um grupo encontrava-se com um dos três oficineiros. Foi muito impactante a intensidade que a discussão atingiu já no primeiro dia. O oficineiro foi o roteirista e diretor Caetano Gotardo. Nesse dia foram quatro horas de debate colaborativo. Todos participaram ativamente propondo questões, colocando sua posição pessoal e crítica, além de fazer sugestões aos roteiros. A sensibilidade de Caetano foi fundamental: ele expandiu os horizontes da discussão e trouxe-nos o frescor de sua visão pessoal sobre a arte e o cinema.

Neste dia de oficina o meu roteiro foi retalhado. Foram muitas as indicações de problemas estruturais e narrativos, questões pendentes na representação psicológica dos personagens e, até mesmo, chegou-se ao consenso de que algumas cenas do roteiro estavam completamente perdidas. Recebi todos esses comentários da forma mais aberta que pude. É natural que para isso tenha ficado com o coração na mão. Afinal, tenho um sentimento enorme por esse roteiro e pelo projeto como um todo.

Esse é um ponto importantíssimo. Tenho a opinião de que devemos nos apegar aos nossos projetos; mas não necessariamente ao produto que geramos. Devemos nos esforçar para nos afeiçoarmos ao processo criativo em detrimento do produto de nossa criação. De fato, quando digo isso, tenho consciência da importância do fator subjetivo quando se trata de processos de criação. Talvez, possa estar extremamente enganado; mas se trata daquilo em que acredito.

De qualquer forma, essa postura foi fundamental para que eu tenha recebido a premiação. Se tivesse me apegado à narrativa impressa naquele sétimo tratamento do roteiro e deixasse que isso endurecesse minha postura frente às críticas, conseqüentemente a discussão em torno do roteiro não teria sido tão produtiva. Esforcei-me para adotar outra postura. Anotava tudo o que me indicavam e evitava sempre que possível contra-argumentar ao que me colocavam, mesmo que discordasse. Em suma, busquei lidar com a oficina do modo menos competitivo possível, aceitando as críticas e comentando aquilo que achava oportuno aos demais roteiristas.

Depois da intensidade do primeiro dia de discussão, qualquer tentativa de abordar os mesmos pontos só poderia levar-nos ao esgotamento de idéias e à exaustão física. A diretora e produtora Márcia Derraik compreendeu isso muito bem. Tomou sempre como referência os pontos levantados durante o primeiro dia para, então, adotar uma ótica complementar ou adversa frente aos roteiros. Foram enfatizadas as questões de produção, sob a ótica do primeiro assistente de direção diante dos roteiros.

Assim, pôde ser analisada a viabilidade de cada roteiro enquanto curta-metragem em potencial. Além de transmitir de forma clara sua percepção econômica do processo de produção no cinema, ela colaborou em pontos que não haviam sido problematizados no primeiro dia de discussão. No meu roteiro, particularmente, ela comentou sobre pendências na identificação com a protagonista e argumentou que, no caso específico do “Água Viva”, a empatia é imprescindível para que o curta seja eficiente dentro de sua proposta. Está evidente nos tratamentos posteriores às oficinas que aderi quase que completamente a essa sugestão.

Finalmente, no 3º e último dia de oficina, o roteirista José Carvalho de Azevedo teorizou acerca das relações entre o clássico e o moderno, reiterando sempre a idéia de que as regras clássicas estão presentes mesmo nas obras recentes que apresentam uma incrível liberdade criativa. Assim, ele propôs um posicionamento crítico frente às fórmulas e padrões narrativos clássicos para que possamos servir-nos destes no momento da criação. De forma dinâmica, ele traçou um panorama histórico da estética e da teoria da narrativa, passando por conceitos chave tais quais linearidade e não-linearidade; dialética e teleologia; ethos e pathos, entre outros.

Além desse discurso, Zé Carvalho apresentou-nos o padrão internacional de formatação de roteiros, que ele defendeu veementemente. Ele argumentou que, além de clarificar a escrita e simplificar a leitura, essa padronização é indispensável aos roteiros que visem o mercado audiovisual. Criticou o contexto brasileiro, em que se recebem roteiros formatados de diversas formas mesmo nos editais e demais seleções. Justificou a importância da padronização pelo número exorbitante de roteiros que curadores e jurados necessitam ler em concursos e editais.

Quando saímos desse último dia de oficina comecei, aos poucos, a entrar no processo de confusão mental no qual me encontro hoje. Subitamente fique ofegante. Senti que minha pressão estava baixa. Ainda mais porque meu corpo não pôde adaptar-se a essa rotina: dias de esforço nas oficinas intercalados por noites de intensa vivência da boemia carioca. Foi inevitável sentir uma saudade precoce de tudo o que acontecera ali no mesmo dia em que deixei a Sala Margot da Caixa Cultural.

Era uma sexta-feira. O resultado sairia somente no domingo. A ansiedade fez com que esses dois dias fossem alguns dos mais longos da minha vida. Sentia medo de perder essa chance única. Mas também passava por momentos de total terror frente à possibilidade de ser premiado, pois não conseguia imaginar-me realizando o filme e lidando com toda a responsabilidade que envolve o nome do Projeto Sal Grosso e a expectativa que existe em torno dos seus filmes.

Como afirmei no início deste texto, esses últimos dias não têm sido fáceis. Não gostaria de reclamar de barriga cheia; mas apenas partilhar a sensação de perplexidade que tive ao me encontrar nesse novo mundo de possibilidades. Para chegar a um novo tratamento do roteiro foi necessário um esforço descomunal, como nunca havia feito. Sinto-me ilhado. Incapaz de fazer qualquer registro escrito, chegando ao ponto de sentir-me coibido e, algumas vezes, doentiamente tímido. Mesmo ao tentar falar com pessoas próximas.

Paradoxalmente, nesses dias passei por uma crise absurda de auto-estima. Flagrei-me algumas vezes agindo de maneira torpe na tentativa de auto afirmar-me diante de diversas pessoas em variadas situações. Não seria difícil que, nesse ciclo, terminasse entrando em profunda depressão. Mas, na verdade, nada é tão simples. Creio que essa reação esteja relacionada ao fato de que não consigo compreender o reconhecimento que recebi. Tudo isso é muito novo e estranho a mim. Tenho plena noção do enorme esforço e tempo que empreendi nesse projeto. Porém, o que preciso neste momento é me esforçar ainda mais para ir além das minhas expectativas no processo de realização deste curta.

São muitas minhas expectativas. Espero no próximo ano trazer “Água Viva” finalizado em 35 mm para que passe no CineUFSCar. Também gostaria de colaborar para a efetivação do Curso de Imagem e Som enquanto participante do Projeto Sal Grosso. Quanto a isso, penso que a nossa seleção para a oficina, assim como a premiação foram fatos fundamentais. Da mesma forma como espero que todo esse contexto estimule os estudantes do curso a enviarem seus roteiros para a seleção.

Quando o curta estiver pronto, que eu também esteja pronto para ouvir os comentários, críticas e apontamentos de todos em relação ao filme. É importante que nos posicionemos de maneira crítica e questionadora frente às coisas e ao mundo. Porém, procuro estar atento e ser crítico do meu próprio senso crítico. Acredito na abertura do espírito quando se trata de processos criativos. Geralmente, aprendo com meus próprios erros e, muitas vezes, não os percebo sozinho. Isso demonstra a importância do olhar do outro na aprendizagem.

Enquanto estivermos vivos ainda poderemos aprender. Devemos evitar que visões revolucionárias caducas tornem-se a bandeira de novos posicionamentos reacionários. Afinal, a disposição para a mudança, para as transformações da forma e do pensamento fazem parte de um processo que não se encerra jamais.

Raul Parreira Maciel é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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