Alvaro André Zeini Cruz*
Há duas coisas em que o diretor Roland Emmerich é inegavelmente bem sucedido: a primeira é em criar catástrofes mundiais, muito embora a vista aqui tenha, em alguns momentos, me dado a impressão de estar num brinquedo da Disney World, onde tudo explode, desaba ou se choca em seu devido lugar e tempo, sem jamais criar uma ameaça real aos “passageiros” da atração (aqui, os personagens do filme). A segunda é construir a imagem de uma determinada figura.
Em Independence Day (1996, ou seja, era Clinton) vimos o presidente americano vivido por Bill Pullman liderar o ataque aéreo feito à nave alienígena. Em O Dia Depois de Amanhã (2004, era Bush), a imprudência diante as questões ambientais gera a catástrofe e faz com que os americanos peçam asilo a países do terceiro mundo. A primeira vez em que vemos o presidente americano em 2012, ele adentra uma sala e se aproxima da câmera colocada a altura da cintura, ou seja, a princípio, nós não estamos à altura desta figura emblemática. Mas a câmera sobe e logo encaramos o presidente de frente: inicia-se assim, neste simples movimento de câmera, a construção de uma “nova” imagem de governante, que contradiz e redime a vista no filme catástrofe anterior, aproximando-se mais do presidente visto no filme de 96. Coincidentemente, ou não, o presidente americano em 2012 é negro, e condiz com o ideal de governante buscado pelos americanos na figura de Barack Obama, e basta repassarmos alguns momentos do filme para comprovarmos tal ideia.
Em seguida a apresentação do personagem (vivido por Danny Glover), vemos o primeiro encontro do presidente com a filha. A moça chega, por algum motivo, furiosa à sala do pai, e o presidente imediatamente dispensa o cientista e o assessor que o acompanhavam, afinal, antes de um líder político, ele é um pai de família. Durante o diálogo entre pai e filha, o homem evoca a memória da já falecida esposa. Pronto, temos construídas aí duas camadas de um mesmo personagem: o governante e o pai. A próxima surgirá adiante, quando o homem, humilde, reconhecendo sua impotência diante à catástrofe, ora numa capela: além do governante e do pai, temos aí o homem de fé. Por fim, a cena em que ele abre mão da própria salvação (claro que sem que a filha saiba, afinal a família deve ser resguardada) para viver seus últimos instantes em solo americano, dispondo-se até mesmo a encontrar os pais de uma garotinha: a construção é assim completada, e a figura símbolo do poderio norte-americano, é agora um homem do povo, disposto a sacrificar-se por ele sem jamais abandoná-lo. Ao encarar a morte, o presidente rememora pela segunda vez a falecida esposa, evocando assim outro ponto bastante importante do filme de Emmerich: a família como única fonte de salvação.
Saímos de um núcleo e vamos a outro. No centro agora, o pai americano comum (John Cusack), e a família desestruturada. O apocalipse vem para reestruturar esse núcleo familiar, reaproximar pai e filho (tal como em Guerra dos Mundos, O Dia Depois de Amanhã e Presságio), esposa e ex-marido e fazer com que a garotinha supere algo e deixe as fraldas. Tudo o que não pertence a esse núcleo não merece salvação e é eliminado assim que sua função na jornada é concluída (exemplo, o segundo marido da mãe, que permanece vivo enquanto sua presença é necessária para auxiliar na fuga). Tudo o que é considerado imoral, também (a amante do russo e o próprio russo). A moral griffithiana encontra ressonância no cinema apocalíptico de Roland Emmerich, que faz cada vez mais um cinema plano, calcado em efeitos especiais e estereótipos moralistas. E se os outros dois filmes tinham algum interesse, 2012 revela-se um amontoado de clichês que se estendem mais do que o necessário, desembocando num terceiro ato, que, por sua vez, desenrola-se numa versão apocalíptica desnecessária do Destino de Poseidon. Ou seja, nada que compense/justifique quase três horas numa sala de cinema.
*Alvaro André Zeini Cruz é graduando em Cinema pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP)