Apenas Uma Vez (John Carney, 2006)

Vitor VillaVerde Dias*

Um roteiro que caiba atrás de um selo postal, essa é a definição do diretor John Carney para o seu filme Apenas Uma Vez. O que a principio pode parecer uma história banal, uma vez que o próprio diretor conseguiria resumi-la em meia dúzia de palavras, revela-se uma sincronia fantástica de imagem e som, ou se preferirmos imagem e música. Cada cena de Apenas Uma Vez é completa por si, os acontecimentos contidos ali revelam uma história cativante e comovente para nossos olhos e nossos ouvidos.

Um músico sem nome toca canções conhecidas pelo grande público durante o dia nas ruas de Dublin para conseguir dinheiro extra; durante a noite ele aproveita para tocar suas próprias composições, tudo isso nos intervalos em que não está na loja, ajudando seu pai a consertar aspiradores de pó quebrados. Em Dublin também está uma garota ainda perdida, tentando se adaptar. Ela acabou de chegar da República Tcheca e vende flores pela rua. A garota está andando quando decide parar para ouvir o rapaz, ao final da canção, aplausos e uma moeda. Interessada ela pergunta se a composição é dele e porque não toca músicas como aquela durante o dia. O músico responde que durante o dia as pessoas estão interessadas em algo que conheçam, mas durante a noite ninguém costuma parar, então ele tem liberdade para tocar. Mas ela parou para ouvi-lo, contudo ela deu apenas dez centavos. Eles continuam conversando. Ela tem um aspirador de pó quebrado, ele conserta aspiradores de pó. Já há um pretexto para os dois encontrarem-se novamente.

A relação dos dois se desenvolve. Descobrimos que a garota toca piano, eles possuem mais um elemento em comum: a música, mas os dois também possuem passados complexos. O rapaz possui uma ex-namorada, para a qual compõe a maioria das músicas. A garota é casada e possui uma filha, Ivonka (a única personagem que possui um nome). Mas eles se completam, a personalidade impulsiva da garota ajuda o rapaz a superar sua frustração no amor e na música. Ela o incentiva a voltar para Londres para trabalhar como músico e recuperar a namorada e ele a ajuda a repensar a história com o marido.

Os acontecimentos no filme são entrelaçados pelas músicas. Vale ressaltar que o fato de Apenas Uma Vez ser um musical, não aproxima o filme da noção de musical do senso comum, na qual temos dois personagens conversando e que repentinamente saem cantando e conversando junto a figurantes com uma coreografia ensaiada. Aqui, a música conduz, ela é incorporada ao acontecimento. Enquanto os personagens estão cantando, ou simplesmente quando a música é tocada, ocorre uma espécie de “suspensão” e a duração do acontecimento não se reduz a duração da cena, mas está associada à música, enquanto os acontecimentos estão associados à duração das imagens. Um exemplo é a cena em que o rapaz e a garota estão numa espécie de reunião na casa de amigos. Ela tem a duração do tom, do conteúdo e da vibração da música. E, apesar da música estar totalmente incorporada ao filme, seja pela profissão dos personagens, por eles ouvirem música quando não estão fazendo música, ou simplesmente pelo fato dos atores principais não serem atores e sim músicos; em nenhum momento a música invade a narrativa, elas se completam.

Uma outra cena interessante é a que se passa na loja de música. Sentados em frente ao piano, os dois cantam e tocam uma composição do rapaz. Como se não bastasse a beleza da música e a escolha dos planos, a narrativa extrapola e fica a impressão de que não apenas o balconista da loja fica comovido, mas também as pessoas que passam pelo lado de fora da loja, mesmo não se tratando de figurantes. Não só este acontecimento, mas como partes de todo o filme, ganham um toque de documentário e as imagens chegam a possuir uma credibilidade absurda, um realismo. O que acontece nesse momento da loja é exatamente aquilo que estamos vendo e que acaba interferindo naquilo que não estamos vendo e nem o filme está vendo, mas é o que acreditamos que acontece.

Desta forma, Apenas Uma Vez é um filme que poderia ser encaixado dentro dos gêneros drama, romance ou musical. Optando pela atuação dos próprios compositores da trilha do filme, ele se constitui de uma maneira muito particular, apresentando uma história simples, porém cheia de conteúdo que permitiria uma análise sobre diversos aspectos, passando pelas músicas, a escolha por não atores, os planos improvisados, a montagem que em alguns momentos nos lembra os videoclipes e mesmo a semelhança com documentários, que possibilitam uma narrativa interessante e bem trabalhada.

Vitor Vilaverde Dias é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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