Shortbus (John Cameron Mitchell, 2006)

Por Roger Mestriner*

É como nos anos 60, mas com menos esperança.

Shortbus, filme americano de 2006, foi concebido por John Cameron Mitchell a fim de tornar o sexo explícito uma ferramenta narrativa, servindo ao filme, e não como um elemento de distração. Fez chamadas de elenco e passou a desenvolver o roteiro junto com os atores, totalmente conscientes do que o filme propunha. Desenvolveram três núcleos narrativos, cada qual com seu conflito, e que esporadicamente se encontram no Shortbus, o clube que dá nome ao filme, o lugar para abençoados e atribulados, que buscam no sexo e na interação social a resposta de seus problemas. A sexualidade é abordada com naturalidade e bom humor, e os problemas de cada personagem, que parecem ser superficialmente de cunho sexual, na verdade são apenas sintomas de problemas muito mais profundos, emocionais.

Sexo em Shortbus representa as relações humanas; a necessidade de ser amado, como uma conexão breve com outra pessoa, ou ao contrário, como o desejo de evitar tal conexão, para não se machucar. O filme não prega a libertinagem como solução dos problemas, mas sim que o sexo seja abordado com naturalidade, como melhor convir para cada indivíduo. Assim posto, sexo também é usado como arma política no filme, uma bandeira erguida contra a política republicana vigente nos EUA, que reprime a liberdade sexual de grande parte da população.

Tudo isso é muito bem colocado no excelente plano inicial, que apresenta os personagens e prepara o espectador para a jornada sexual. Sofia e Rob fazem sexo malabarístico, Severin atua em mais uma sessão sado-masoquista, temperada por questões políticas e filosóficas [“Você vai tirar uma foto em frente ao Ground Zero… você sorri?“], enquanto outro rapaz, James, chora após se masturbar. Ao mostrar cenas eróticas intensas logo no início, e potencializando-as com o uso de jazz, animação 3D e tiradas cômicas, espera-se que o espectador amorteça-se quanto ao conteúdo e se aprofunde mais no porquê do emprego do sexo no filme, relativizando a importância do sexo no drama das personagens retratadas e, consequentemente, em suas próprias vidas.

É interessante notar o uso que o diretor faz do olhar e da auto-imagem. Os personagens estão constantemente em frente a espelhos, filmando-se e tirando fotos em celular, todos claramente buscando se entender, atrás da verdade de seus espíritos e das questões que os atormentam. Nesse contexto, as trocas de olhares ganham força, e em diversos momentos os olhares trocados pelos personagens exprimem muito mais que páginas de diálogo, e conexões silenciosas são formadas entre eles.

Cada personagem representa um conceito sexual que é retratado com leveza, em tons agridoces, a fim de mostrar ao público que sexo não é um conceito sisudo a ser mostrado apenas em filmes pornográficos, mas sim como o desejo é um fator que não deve ficar restrito aos limites do filme, evidenciando-o como parte fundamental da felicidade de um indivíduo. Isso se mostra pela ânsia de Sofia por um orgasmo para que possa se sentir completa, e pela recusa de se deixar penetrar de James, pelo medo de se tornar vulnerável.

A busca dos personagens ganha contornos simbólicos. Pênis e vaginas perdem o teor pornográfico ao serem retratados em situações engraçadas e/ou deprimentes, ganhando valor dramático e simbólico, uma vez que nos preocupamos com os dramas individuais. As metáforas e símbolos sexuais que permeiam o filme desde o início ganham maior força no terço final e dão margem a uma série de leituras políticas e pessoais. O espectador é convidado a interpretar o filme como lhe convir e tomar seu lugar em Shortbus, afinal, “voyeurismo também é participação“.

O final aberto chega a incomodar inicialmente, principalmente se buscarmos uma narrativa aristotélica, mas esse nunca foi o objetivo do diretor. O clímax emocional, uma canção entoada por Justin Bond, recepcionista do clube, serve como celebração de um estilo de vida mais leve, livre de amarras impostas pelas convenções sociais e todos encontram alento no clube Shortbus, na coletividade, dando um passo adiante em suas vidas.

O indivíduo encontra conforto no coletivo, no contato com o próximo. A proximidade é importante, o toque aparece como fator urgente e essencial. Em uma época pós-11 de setembro, onde o próximo pode ou não ser o inimigo, a resposta dada por Mitchell é não ceder à frieza das relações e ao medo do outro. Entrega e confiança no próximo é o verdadeiro tema desse filme. E estar à vontade com a sexualidade – a sua própria e a do outro – é um caminho fundamental para esse contato elevado.

*Roger Mestriner é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).


Local onde se erguia o World Trade Center.

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Este post tem um comentário

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    Henrique Farias

    Eu e uma equipe de colegas, graduandos de biblioteconomia Univ Fed RO, estamos fazendo um trabalho de fontes de informação – estudo de caso -, requisito da disciplina. Sua resenha de “Shortbus” está muito bem pautada. A citação de seu conteúdo por nós é certa, nos ajudou bastante e vai muito ao encontro daquilo que também anotamos, após feito assistir ao filme. Da forma semelhante concluímos que tem muito a ver com as imagens íntimas que fazemos (e pretendemos) de nós, ainda mais conflitantes, em se tratanto do “ser” sexual; tão pretensamente estipuladas em condutas normatizadas pelo ambiente social.

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