O curioso caso de Benjamin Button (David Fincher, 2008)

Nome e Sobrenome

Benjamin Button, Amélie Poulain, Forrest Gump – não se tratam de meras coincidências. Quando perguntavam o que achei de “O curioso caso de Benjamin Button” a cruel resposta que dava era “um misto de Forrest Gump com Amélie Poulain”. Não foi grande a minha surpresa ao descobrir, dias depois, que o roteirista do primeiro (Robert Zameckis) é o mesmo do filme dirigido por David Fincher. Se o argumento é deveras interessante, ou seja, a centralidade em um personagem que tem o seu processo biológico invertido, nascendo fisicamente idoso e rejuvenescendo ao envelhecer, a construção do mesmo não é tão positiva.

Primeiramente, temos três horas de imagens; a coisa parece não acabar nunca, beirando a prolixidade e recheando a narração de pequenos momentos que nada acrescentam ao andar de nosso personagem-título e que parecem ser colocados ali apenas para que ríamos por alguns segundos. Nesse sentido poderia listar a enorme série de personagens “engraçadinhos” que aparecem de encontro a Benjamin, no melhor estilo Forrest Gump e seu amigo viciado em camarão. Eles estão ali apenas para transmitir “mensagens sobre a vida” ao personagem de Brad Pitt e, formalmente, sempre através de closes e frases de efeito – uma senhora pianista, um pigmeu, um marinheiro coberto por tatuagens. Eles existem para que o outro personagem amadureça “na marra”, da forma mais óbvia possível, através do discurso verbal que nem é bem construído, já que este recorre a frases que literalmente começam de formas como “a vida é…”.

Existem aqueles momentos à la Amélie Poulain, realizados com efeitos de computação gráfica, em que os personagens vão de embate a momentos de transcendência, em que a vida ganha sentido (de forma catártica para o espectador) pelo contato com mágica ou com o além. Se no filme francês a personagem principal, ao menos, não consegue resolver seus dilemas no sentido amoroso, Benjamin Button, em contrapartida, é um homme fatal, cheio de atitude, malevolência e, obviamente, sex appeal. As únicas coisas que são empecilhos para nosso macho são seu inevitável processo de rejuvenescimento e, claro, a distância física de sua ragazza, a mocinha interpretada pela bela Cate Blanchett. Ironicamente, diferente de Amélie, que poderia e é facilmente julgada pelos espectadores como irritante e intrometida, Benjamin é sempre uma vítima. Nem mesmo no campo amoroso ele erra, deixando os vacilos todos para a fugidia dançarina, mulher, rodeada por amigos promíscuos do então cenário da dança contemporânea dos anos 60/70. Muito pelo contrário, ele é aquele que corre atrás na relação e que, quase quarenta anos depois, consegue construir algo sólido com ela, depois de muito insistir e esperar. Nem aquela que poderia ser chamada de “traição” de sua parte chega ao estado de desonestidade, já que ele é um ser humano tão especial e tão preocupado com o próximo, que envia uma carta a Daisy, afirmando que havia se apaixonado por Elizabeth Abbott, a personagem interpretada por Tilda Swinton. Talvez fossem dignas de atenção reflexões futuras sobre a representação desse embate entre gêneros no filme.

Mesmo com esses problemas comentados o filme consegue emocionar. Inevitável não cairmos na tentação de projetarmos nossas vidas para daqui a cinqüenta anos, quando no começo assistimos à rotina de falecimentos no asilo para idosos em que Benjamin foi criado. Como habitar um ambiente em que a morte virá amanhã para todos os moradores? Qual morrerá primeiro? Como não disputar, mesmo que inconscientemente, pelo último lugar dessa corrida maluca? Outro momento que é digno de um respirar mais fundo é, claro, o do arremate da narração. Mesmo já sabendo a conclusão do filme, a concretização da transformação de Benjamin em um “idoso-criança”, quando vemos as esperadas imagens na telona novamente as reflexões (clichês?) em torno das semelhanças entre o ser criança e o ser idoso retornam a nossas mentes.

“As três idades do homem”. Um tema, milhões de formas de serem representadas dentro da história das imagens. É nesse campo da multiplicidade que “O curioso caso de Benjamin Button” frustra; por que essa construção da narrativa tão pautada na transcendência, na monumentalidade e incentivando o espectador às lágrimas? Entre este curioso caso e o senhor contador de histórias, ainda prefiro aquela mocinha que tem um fabuloso destino ou mesmo, em um movimento de árvore genealógica sexual integralmente diferentes deste filme de David Fincher, gosto daquela Antônia com sua excêntrica família.

Raphael Fonseca é graduado em história da arte pela UERJ e mestrando em história da arte pela UNICAMP

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