3º Festival de Cinema Latino Americano de São Paulo

O cinema é caro. De um jeito ou de outro sai caro… E nem mesmo estou falando de fazer um filme, falo da parte mais “barata”: ir a uma sessão de cinema.

E é nessas horas (e outras!) que, quando nos deparamos com o Festival Latino-Americano de Cinema, no caso o terceiro, ficamos extasiados!…Ou quase!

Nada melhor que termos a oportunidade quase que única de termos acesso a 121 filmes: dentre eles brasileiros e dos amigos latino-americanos… Nada melhor que não pagar 18 reais (ou a “meia”) para ver UM filme, que, aliás, parece só ter espaços de fato, em alguns muitos cinemas, depois de terem seus nomes em festivais…

No entanto, nada pior que acabar gastando do mesmo jeito – tempo e dinheiro. Porque nada é perfeito mesmo, não adianta… Então, pegamos um ônibus por quarenta e tantos minutos, mais um metrô por vinte e mais outra linha, ainda, por mais quinze… Então, ao invés de estarmos chegando ao Guarujá, chegamos ao Memorial. É isso que é ser cinéfilo! Ou seria paulistano?…Brasileiro? De qualquer jeito, valeu a pena.

O Terceiro Festival Latino Americano de Cinema não esteve presente apenas no Memorial (três salas), é claro. Esteve também: no Cinesesc, na Sala da Cinemateca, no Cinusp…

Neste ano, assim como nos outros, além de tantos filmes buscando sanar este rombo absurdo e risível – se não fosse uma vergonha – da difusão cinematográfica brasileira, ofereceram-se debates com especialistas e oficinas ministradas por estrangeiros (uma pena para quem não consegue arriscar no espanhol).

Essas oficinas penderam para a visão do Cinema como gerador de um produto vendável (o filme, claro)… Isto é, muitas se focaram no espaço do cinema como mercado, ou algo inserido neste – isto é, elas explicitam que o Cinema exige toda estruturação de qualquer produto a ser vendido. Visão que, aliás, acredito faltar ser também trabalhada nas faculdades de cinema, ao menos nas públicas, juntamente às outras. Seja como for, os temas das oficinas foram: Desenvolvimento de projeto e pitching, Estratégias de Co-produção, Formas e estratégias de financiamento: como captar e gerenciar recursos internacionais, Marketing e Investigação de mercado, Modelos e Novas formas de exibição e distribuição.

Além de todas essas atividades oferecidas no decorrer da semana, a programação fílmica foi vasta, como já mencionado. Homenageou-se este ano o cineasta argentino Fernando Pino Solanas, o dono do Urso de Ouro no Festival de Berlim em 2004. A escolha foi feliz: o realizador encarna verdadeiramente o ser latino-americano em obras repletas de críticas sociais e discussões políticas (das quais passa a participar ativamente como deputado nacional de 1993 a 1997!). Como conseqüência da atuação cultural “perturbadora” aos governantes, nos anos 70 o cineasta acaba por ter que se exilar na Europa e, ainda, nos anos 90 sofre um sério atentado – é atingido por tiros na perna.

Na mostra, acharemos seus filmes: Argentina Latente (2007), Os Filhos de Fierro (1972), A Hora dos Fornos (1968), Memória do Saqueio (2004), A Nuvem (1998), Sur (1988), Tangos, o exílio de Gardel (1985) e A viagem (1992).

A Nuvem é um filme belíssimo com o qual praticamente abri minha visita ao Festival. O filme gira em torno de um grupo de atores do Teatro Espejo, o qual está ameaçado de demolição. Os conflitos no filme são vários: casos de amor, casos de suicídio (ou tentativa de), casos de pais e filhos, casos de miséria… Mas no que o filme se debruça de fato é o descaso governamental. É um grito aos novos tempos – tudo bem que é de 1998.  Enfim, é um grito que aponta o dedo para a cultura que se respalda somente no retorno econômico, a cultura da televisão – “Vejo televisão, logo existo” -, do espetáculo… Mais ainda, o dedo aponta ao governo, que vilipendia a cultura defendida pelos protagonistas do filme, a cultura pensante… Vilipendia a cultura e os aposentados! E como é emocionante o retrato do idoso tão verídico, tão palpável… Um retrato que não os rotula apenas como idosos em uma “reta final”, mas que os delineia como homens e mulheres, donos de sua história e cheios de sonhos pelos quais lutam (e é uma luta crível, verdadeira, que em nenhum momento desacreditamos ou não entendemos… Talvez, sintamos que devemos fazer parte). Fernando Solanas traz, então, um filme crítico, divertido e bem construído em seu todo.


A Nuvem

Além desta homenagem mais que justa que também foi acompanhada de uma aula magna proferida pelo próprio cineasta (!), o Festival ainda traz destaque a outro realizador de peso, o cubano Tomás Gutierrez Alea, que tem celebrado na festa os 40 anos do clássico Memórias do Subdesenvolvimento. E, completando a programação, não só teremos uma retrospectiva do cineasta, mas também uma mesa e o lançamento do livro (em português) de Edmundo Desnoes que inspirou o Memórias.

A mesa tomou forma com os debatedores: Elen Döppenschmitt, (Mestre em Comunicação e Semiótica, PUC/SP), Silvia Oroz (professora e historiadora, UERJ), Edmundo Desnoes (escritor do livro que inspirou Memórias do Subdesenvolvimento) e Marco Soares (Doutor em Estudos Lingüísticos e Literários, USP).

Vale lembrar também que, além dessa mesa, o Festival ofereceu mais três: A Nova Geografia, O Ensino e Realidade: Apreensão e Representação. A última (a qual infelizmente, infelizmente e infelizmente não pude comparecer) contou com a presença de diretores de peso como Cláudio Assis, Eduardo Coutinho, Cao Guimarães além do crítico Cléber Eduardo… As boas línguas relatam que a mesa, de fato, foi divertidíssima, instrutiva e cheia de palavrões… Viva a liberdade de Representação!

De qualquer maneira, voltando ao cineasta Alea:

O cineasta cubano fora importantíssimo na construção da nação cubana pós-revolução. Com seu trabalho ele ajudou na divulgação do ideal revolucionário socialista sem propriamente empreender filmes propagandísticos – rótulo que somente diminuiria suas obras, dotadas de real profundidade social.

Além dos filmes pró-revolução, nos anos 90, o diretor realiza dois filmes, Morango e Chocolate (1994) e Guantanamera (1995), que criticavam aspectos um tanto arcaicos da sociedade cubana como a burocracia (que, aliás, tem seu papel também na sua realização de 1966 chamada Morte do burocrata) e a caça aos homossexuais.

Juntamente a essas obras citadas acima, ainda estavam presentes na mostra: Até certo ponto (1983), Cartas do Parque (1989), Histórias da Revolução (1959), Memórias do Subdesenvolvimento (1968), Morte de um burocrata (1966) e Os sobreviventes (1978).

Com Morte de um Burocrata iniciei meu mergulho pessoal em Alea no Festival. O filme gira em torno das tentativas de um moço (o sobrinho) em enterrar seu tio, um proletário que morreu (Paco) e, também, permitir que a tia receba sua pensão. Tudo começa quando decidem enterrar o tio com sua carteira de trabalho por ser um proletário esforçado, exemplar. No entanto, a carteira é necessária para que a viúva receba sua pensão. E então, tudo começa… Tentativas de desenterrar o tio aqui, tentativas de reenterrar acolá e passa-se por uma papelada absurda por um fator ridículo (alguém, pelo amor de Deus, tira a bendita carteira de trabalho do caixão!!!)… É! Mas nós, brasileiros, conhecemos muito bem essa burocracia ridicularizada pela obra – já de 1966!!! Uma burocracia digna de levar ao suicídio qualquer indivíduo, uma burocracia que não se resume apenas às papeladas, mas acaba se referindo também, em maior âmbito, a como as coisas são resolvidas num país. De qualquer maneira, o filme é uma comédia crítica que faz o que se propõe a fazer – a crítica é explicita e a comédia mais ainda! Impossível não sair satisfeito.


A Morte de um Burocrata

No entanto, não foram apenas os cineastas mais antigos que tiveram vez. O Festival seria um grande furo se não desse a vez aos contemporâneos. Eles não poderiam ser deixados para trás, e não foram – se não me engano, foram 37 filmes, produzidos entre 2006 e 2008! E aqui destaco alguns brasileiros imperdíveis como Serras da Desordem (2006) de Andrea Tonacci, Baixio das Bestas (2007) de Cláudio Assis, Jogo de Cena (2007) de Eduardo Coutinho, Mutum (2007) de Sandra Kogut e Santiago (2007) de João Moreira Salles… São, ao todo, dez filmes totalmente brasileiros. Falemos ao menos de um.

Jogo de Cena é simplesmente sensacional. Vencedor do Prêmio do Público, recebeu o troféu Fundação Memorial da América Latina e o prêmio de dez mil dólares merecido! Um filme de 104 minutos de basicamente entrevistas… Sinceramente, saber fazer um filme de uma hora e quarenta e quatro minutos com entrevistas ser interessante até o último suspiro é puro talento – e o Coutinho mostra isso. É sair do cinema falando: eu preciso ter esse filme.

O filme se constrói como resultado de um anúncio de jornal chamando mulheres para contar suas histórias de vida no Teatro Glauce Rocha – ênfase na chamada apenas pelas mulheres, acredito que nessa escolha está a busca para brincar mais (ou melhor) com as emoções… Enfim, as entrevistas são filmadas e, então, atrizes (algumas bem conhecidas e outras não) interpretam tais personagens que deram as entrevistas – não, não fazem uma simulação das histórias, elas “refazem” a entrevista. E, assim, Coutinho brinca com os significados e definições do documentário e ficção ao nos enganar por vezes com o que é real e o que é ficção. É nesses momentos que se pensa: uma câmera na mão e uma idéia na cabeça não é que realmente pode trazer bons frutos?!


Jogo de Cena

Além desses brasileiros que nos dão realmente orgulho, não se pode deixar de acrescentar, claro, que estavam presentes filmes da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Guatemala, Haiti, México, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

O prêmio de crítica do Festival foi entregue ao filme argentino Estrellas, Federico León e Marcos Martinez. Além desse, dentre os outros filmes latino-americanos, estiveram presentes na mostra vencedores dos prêmios: de melhor direção no Festival de Gualajara, Não Olhe para Baixo do argentino Eliseo Subiela; de melhor filme no Festival de Mar Del Plata, M do também argentino Nicolas Prividera; especial do júri  no Festival de Biarritz, A Noite dos Inocentes do cubano Arturo Sotto… Dentre eles também alguns que não agradaram muito, ao menos particularmente.


Estrellas

Os Andes não crêem em Deus (2007) de Antonio Eguino (Bolívia) acaba só atraente no nome. O nome desse filme é incontestável – chama atenção de todos, é forte. No entanto, o filme decepciona. O personagem principal não cativa de modo algum – particularmente, passei o filme inteiro sem me preocupar com seus desejos, medos (se é que o próprio personagem tinha). A história ensaia ficar interessante apenas no núcleo feminino de mulheres da vida que tem uma briga com guardiãs da moral da comunidade. Nem mesmo a fotografia parece casar com a proposta dramática do filme, parece mais uma fotografia para uma comédia romântica ou um romance talvez… Mas não um drama, feito a proposta do filme que, sinceramente, não se consagra. Uma pena, porque a temática poderia ser e muito interessante – os Andes “misteriosos”, já que é a idéia do filme, poderiam ter rendido se com bons atores e com um personagem principal reconstruído… Bom, não sei, só hipóteses.


Andes

Outro que não me agradou muito foi o Os Colombianos pertencente aos documentários da série “Os Latino-Americanos”, desenvolvida pela Televisão América Latina e que se propõe retratar dez países revelando suas riquezas históricas e culturais. Os países são: Argentina, Bolívia, Colômbia, Cuba, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

Os Colombianos é quadrado. A linguagem é absolutamente a da televisão – e isso explica-se, é claro, devido a TAL. Mas, recuso-me a acreditar que a linguagem da televisão fique presa a uma superficialidade e repetição como temos não só neste documentário, mas também em muitas reportagens jornalísticas e “dossiês televisivos”… O documentário em questão é de quase uma hora e não parece discutir algo verdadeiramente além de uma simples amostragem da diversidade cultural e de preconceitos… Preconceitos que são apontados somente, e, às vezes, “provados” por uma pequena-micro entrevista aqui e acolá – de fato, é um documentário para juntar-se a outros nove e ser uma pincelada sobre a latinidade… Sendo assim, a mim não agrada por termos isso já o bastante (e, especialmente, não agrada também quando vamos a um festival ver cinema e não televisão.) Mas obviamente entendo a iniciativa nobre (!) de tentar destacar elementos que unam os latino-americanos e, portanto, configurar-se como uma realização que rascunhe certa identidade… No entanto, poderia ser melhor trabalhado, como já disse…


Colombianos

De qualquer maneira, o Festival continua… Ou melhor, continuou até o dia 13 de julho!

Juntamente a todas essas obras citadas acima, o terceiro grande Festival trouxe a mostra intitulada “Desdobramentos do Cinema Novo” segundo sua lógica de relembrar um tempo frutífero para o cinema. Desta vez, os anos 60 tiveram destaque – mas como influência. Assim, os filmes que estão na mostra são: Atas de Marusia (1976) de Miguel Littin, Bang Bang (1970) de Andrea Tonacci, Chircales/Planas: testemunho de um etnocídio (1975) de Marta Rodriguez e Jorge Silva, Copacabana, mon amour (1970) de Rogério Sganzerla, A Herança (1970) de Ozualdo Candeias, A lira do delírio (1978) de  Walter Lima Jr., O lugar sem limites (1978) de Arturo Ripstein, O país de São Saruê (1971) de Vladimir Carvalho, A Patagônia Rebelde (1974) de Hector Oliveira e O peixe que fuma (1977) de Román Chalbaud…

O país de São Saruê é um documentário em torno do polígono da seca e focado na região do Rio do Peixe que fora censurado por anos na ditadura. O documentário tem a temática e a posição cinema-novista. No entanto, seu formato é um tanto clássico a não ser, talvez, pela veia poética que por vezes se instala em tela. De qualquer modo, no filme uma “voz de Deus” nos conta sobre a história local, a pecuária, o algodão, as usinas, a violência, as armas, a mineração (e a esperança por ela), a seca, a enchente e até mesmo os voluntários da paz do nordeste americanos. O filme usa de entrevistas além da voz over para passar as informações e a crítica à visão simplista do problema nordestino – não, não se resume à natureza, mas sim e primordialmente refere-se à estrutura agrária e a falta de assistência do governo. Juntamente a isso se usa de músicas folclóricas que demonstram a cultura local e mesmo seu imaginário além de se agregarem a declamação de poemas  –  em algum momento a música de Roberto Carlos Quero que vá tudo pro inferno forma com as imagens uma metáfora sobre a visão Sudeste (ou burguesa direita? Já que era o público principal de Roberto na época) e também a governamental… Enfim, um documentário que para quem seguiu algo do cinema novo já conhece a temática , a argumentação e o retrato – no entanto, mais que válido é rever e ainda, mais que válido, é a veia poética do filme de Vlamir Carvalho.

E, como fechamento, vale destacar que ainda foi dado espaço para a produção das escolas de cinema. O Brasil foi representado por quatro instituições: UFF, USP, Unicamp e UFMG.  A proposta dessa mostra no festival é, como eles mesmos dizem: “mapear a crescente produção latino-americana através de ficções, documentários e filmes experimentais de jovens realizadores”. Ao final, ainda houve um prêmio ao melhor curta internacional: “uma bolsa-residência no Brasil para desenvolvimento de um projeto cinematográfico…” O vencedor foi o argentino representante da Universidad Del Cine, o  Habitación, de Juan Carlos Zapata. O diretor recebeu a bolsa residência em São Paulo. Infelizmente, eu acabei não assistindo ao filme. Mas acredito que essa atitude do Festival em muito incentiva os jovens realizadores por ser um espaço fundamental para troca de experiências – troca que só poderia desenvolver uma noção melhorada da produção latina universitária e desenvolver, também, uma maior autocrítica visto a exposição e as óbvias (e, ás vezes, até demasiadas) comparações.

Realmente, o Festival Latino Americano continua brilhante em sua proposta e realização… Além de imperdível. Quem compareceu pôde absorver tanto dos contemporâneos, rever os clássicos passados e, ainda, aprender mais sobre os cineastas homenageados além de tanto sobre o cinema em si – não só pelos filmes, mas também pelas oficinas, mesas e a aula magna proferida pelo próprio Fernando Solanas sobre sua trajetória.

Por fim, na cerimônia de premiações e encerramento destacaram-se ainda os outros filmes favoritos do público e é válido, aqui, dar destaque aos mesmos por puro merecimento:

A Casa de Alice, Chico Teixeira (Brasil)
A Viagem da Nonna,  Sebastian Silva (México)
Cartola – Música para os Olhos, Hilton Lacerda e Lírio Ferreira (Brasil)
Falsa Loura,  Carlos Reichenbach (Brasil)
Jogo de Cena,  Eduardo Coutinho (Brasil)
Mutum, Sandra Kogut (Brasil)
Partes Usadas, Aaron Fernandez (México)
Serras da Desordem, Andrea Tonacci (Brasil)
Sonhos Distantes,  Alejandro Legaspi (Peru)
Tambogrande, Ernesto Cabellos e Stephanie Boyd (Peru)

Suzana Altero é graduanda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos

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