A Cor da Romã (Sergei Parajanov, 1968)

O encontro com a tela: a poesia e a superfície do plano

Por Ivan Amaral*


O diretor Sergei Paradjanov (1924 – 1990), nascido na Geórgia e filho de pais armênios, consagrou sua carreira, quase desconhecida pelo público brasileiro, com uma obra que, por sua vez, consagra o poeta de origem armênia Sayat Nova (1712 – 1795). O filme compõe-se todo de planos em câmera fixa, cada qual representando um momento da vida do poeta: desde a infância até a vida adulta. A cronologia, no entanto, parece ser menos importante que a profunda sensibilidade com que o diretor assume uma proposta de cinema que dialoga com o teatro e com a pintura. O espectador que não conhece Sayat Nova por meio da literatura pode reconhecer o poeta através do sentimento que Fernando Pessoa nos traduziu em português: “cante sua aldeia e serás universal” – o filme é sobre cada um de nós.

A Cor da Romã (1968) não é um filme que já tenhamos visto, portanto, este é um ponto de partida para uma experiência que retoma algo perdido entre nós – o diálogo. A Europa que se universaliza por meio do cinema e das artes em geral, pode estar hoje a caminho de uma imagem que não consagra mais o tempo e sim a dúvida. A crise econômica e moral, por exemplo, quando representada em Filme Socialismo (2010, Jean-Luc Godard) ecoa através de um tempo suspenso em que não se afirmam mais ao espectador as convicções de outrora. Sergei Paradjanov representa um tempo no qual a Idade Média ainda está presente na vida do poeta, seja como doutrina da religião ou a da própria arte. O tempo, portanto, não está claro, é superficial diante da profundidade da relação entre o artista e seu contexto, pois sua significação se encontra no contato com o espectador. O que pode ficar suspenso para nós no filme de Paradjanov é a luta pela liberdade, seja a de Satya Nova ou a do diretor que chegou a ser preso pela União Soviética em 1973.

O tempo em A Cor da Romã é o da crise existencial, não apenas a do artista que encontra na poesia uma forma sublime de expressão, mas a do próprio cinema que procura um espaço para sobreviver. O filme de Paradjanov encontra este espaço na encenação teatral, como a do corpo que encontra levemente o tecido da roupa, nós encontramos a tela e dela emerge uma história que sobrevive a partir do que sentimos – não se trata de uma proposta intelectual.

O diálogo com o espectador se estabelece também como profundidade de campo quando na cena em que livros velhos são espalhados no telhado vemos o poeta menino em meio a eles, o som das páginas ao vento é a única expressão sonora. Algo neste plano nos diz que o personagem (personificação da arte) sobrevive ao peso da história. Há uma ideia similar no plano em que a mão do poeta menino é pressionada embaixo de outros livros pela mão de um homem mais velho. Sergei Paradjanov recorre a uma representação “arcaica”, por assim dizer do teatro e da pintura, para evocar um cinema que pretende ser jovem, e com todo o cuidado da palavra, ser ele mesmo. É preciso coragem para realizar um filme como A Cor da Romã, assim como para assisti-lo, pois é o encontro com a tela que nos permite entender a liberdade.

*Ivan Amaral é graduado em Audiovisual pelo Senac.

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