A Ideologia nos filmes de guerra – o cinema como meio

por Edmundo Washington Lobassi*

Este artigo é uma reflexão sobre o cinema como principal meio de comunicação com a massa dos regimes ditatoriais de Hitler, Stalin e Mussolini.

A primeira metade do século XX foi marcada pela ascensão e consolidação dos regimes que utilizaram os meios de comunicação de massas, principalmente o cinema, como instrumentos de propaganda política e de controle da opinião pública. A propaganda política, entendida como fenômeno da sociedade e da cultura de massas, consolidou-se nas décadas de 1920-1940, com o avanço tecnológico dos meios de comunicação. Valendo-se de idéias e conceitos, a propaganda os transforma em imagens, símbolos, mitos e utopias que são transmitidos pela mídia.

De acordo com Siegfried Kracauer, em seu livro De Caligari a Hitler – Uma história psicológica do cinema alemão, o fenômeno do nazismo deveria ser interpretado não só como uma conjuntura política, social ou econômica, mas sobretudo como um fenômeno de natureza psicológica, conseqüência de uma história de vários séculos de um inconsciente coletivo de todo um povo.

Siegfried Kracauer, escrevendo em 1926, argumentou que os divertimentos baseados na “distração” – isto é, em forte impressões desconectadas, atropeladas, intensas – eram “expressivos como um reflexo da anarquia descontrolada do nosso mundo” . “A platéia se reconhece”, observou, “na pura exterioridade”. Sua realidade é revelada na sequência fragmentada de esplêndidas impressões… Os espetáculos que visam a distração são compostos da mesma combinação de dados exteriores que caracteriza o mundo das massas urbanas. A estética da excitação superficial e da estimulação sensorial, afirmou Kracauer, assemelhou-se ao tecido da experiência urbana e tecnológica. Walter Benjamin considerou este conceito uma década mais tarde em dois de seus ensaios: um de 1936 sobre a obra de arte e outro de 1939 sobre Baudelaire.

Os primeiros a se apossarem do cinema, a encararem o cinema em todo seu potencial, como instrumento de propaganda ideológica e meio de comunicação com as massas foram os soviéticos, nazistas e facistas. Analisando a sua função, atribuíram ao cinema um meio de comunicação de massa privilegiado para a divulgação político-ideológica, de propaganda, de persuasão.

Segundo Marc Ferro, “os soviéticos e os nazistas foram os primeiros a encarar o cinema em toda sua amplitude, analisando sua função, atribuindo-lhe um estatuto privilegiado no mundo do saber, da propaganda, da cultura. (…) O cinema não foi apenas um instrumento de propaganda para os nazistas. Ele também foi, por vezes, um meio de informação, dotando os nazistas de uma cultura paralela. (…) Os nazistas foram os únicos dirigentes do século XX cujo imaginário mergulhava, essencialmente, no mundo da imagem”. (FERRO, M. 1992. p. 72-73).

Trotski e Lunatcharski perceberam muito bem o papel que o cinema podia desempenhar como arma de propaganda, de persuasão. “Precisamos nos inteirar do cinema“, escreveu Trotski em 1918. Os soviéticos só colonizaram de fato a produção cinematográfica por volta de 1927-1928 (FERRO,M.1982,p.72).

“Filme de propaganda” não é “inocular crenças na opinião, mas sim promover uma comunhão de crentes, um ritual” (p.392). Note-se que, um ano antes de publicar este artigo, Paulo Emílio havia escrito outro sobre a influência do cinema na moral e nos costumes na década de 50 e criticava a crença que líderes políticos como Lenine, Mussolini, Goebbels, entre outros, tinham sobre o poder do cinema. Afirmava que eles “foram vítimas da ilusão cinematográfica que consiste em superestimar a eficácia e sobretudo a profundidade das impressões visuais pelo simples fato de serem visuais, quer dizer fáceis, quando na realidade é precisamente essa facilidade que torna o cinema uma experiência incapaz de marcar duradouramente o público”. Ver também os argumentos que procuram desmascarar a força de um cinema corruptor das mentes (GOMES, 1981, p. 154).

Na Alemanha nazista o cinema sempre foi a mola mestra da propaganda ideológica. “…Para que nossas idéias penetrem na escola”, escrevia o doutor Rust, assistente de Goebbels, “nada melhor que o filme…”.

Durante os 12 anos de regime nazista, estima-se que foram produzidos mais de 1.400 longas-metragens, enaltecendo o nazismo, estimulando a grande maioria da população alemã a participar da experiência nazista. A Alemanha durante este período estava em segundo lugar na produção cinematográfica mundial, atrás apenas dos Estados Unidos.

Antes mesmo da ascensão de Hitler ao poder, foram produzidos os primeiros filmes de propaganda nazista. Dessa época destacaram-se os curtas-metragens eleitorais: Parteitag der NSDAP in Nürnberg (“O Congresso do NSDAP em Nuremberg”, 1927), Hitlers Braune Soldaten Kommen (“Os Soldados Marrons de Hitler Chegam”,1930), Hitlerjugend in den Bergen (“A Juventude Hitlerista nas Montanhas”, 1932), Triumphfahrt Hitlers durch Deutschland (“Viagem Triunfal de Hitler pela Alemanha”, 1932), Hitler über Deutschland (“Hitler sobre a Alemanha”, 1932) e Deutschland erwacht! (“Desperta, Alemanha!”, 1932).

Kracauer em seu livro De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema alemão, sem desconhecer a importância dos fatores de ordem econômica, social e política para explicar o nazismo e a fraqueza da oposição, procura mostrar que podemos revelar, por meio da análise dos filmes alemães, as profundas tendências psicológicas dominantes na Alemanha de 1918 a 1933, tendências que influíram no curso dos acontecimentos do período indicado e que complementam as investigações políticas e econômicas daquele período. Isto porque, ao analisar os filmes alemães produzidos nas décadas de 10 e 20, verificou que eles já continham todas as premonições do nazismo surgido nos anos 30. Os filmes de então continham presságios históricos, pistas sobre a estreita relação entre a produção cinematográfica e a psique coletiva de sua época.

No período de 1938 a 1940 nos Estados Unidos foram feitos vários filmes anti-nazistas, bem antes de o país entrar na guerra, como Tempestade Mortal (1940) de Franklin Borzagee e As Confissões de um Espião Nazista (1939) de Anatole Litvak.

A propaganda ideológica do nazismo mergulha suas raízes nas mais obscuras zonas do inconsciente coletivo, ao gabar a pureza do sangue, ao glorificar os instintos elementares de violência e destruição, ao renovar por meio da suástica(3) o ideal de pureza germânica.

Hitler como o salvador da nação, auxiliado pelo ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels. Não se pode dizer que ela tenha criado esta imagem, mas que auxiliou a se estabelecer, isso sim. Não só isso: em seus filmes, o ideal nazista da limpeza racial, de uma nação superior é ressaltado. Não temos o povo como elemento principal da narrativa, o povo é apenas um exemplo de como o Führer construiria uma nação.

O Filme O Grande Ditador (The Great Dictator) foi produzido entre 1938-1940, antes mesmo da invasão da Polônia pela Alemanha Nazista, sem recursos governamentais, com o investimento pessoal de Chaplin de 2 milhões de dólares, lançado em 15 de outubro de 1940, uma comédia que satiriza o nazismo e seus principais defensores no período. Adolf Hitler, interpretado por Chaplin e sob o personagem de Adenois Hynkel, e Benito Mussolini, interpretado por Jack Oakie sob o personagem Benzino Napaloni.

O enunciado deste longa de Chaplin é, por um lado, um alerta contra os grandes ditadores do mundo, mas também a evidência da intencionalidade em mostrar sua posição contra Hitler e registrar para a história sua posição contrária a tudo que seja contra a liberdade de expressão e a pessoa, independente de sua etnia, cor ou credo.

Os europeus só assistiram a este filme no término da Segunda Grande Guerra e sua exibição foi proibida em alguns países latino-americanos como Argentina, simpática à causa nazista. Há informações que atestam que Hitler, um entusiasta do cinema, assistiu a este filme.

No Brasil, em 8 de janeiro de 1941, em pleno Estado Novo da ditadura de Vargas, o major Coelho dos Reis, então diretor do DIP, fez várias objeções a O Grande Ditador, considerando algumas cenas “definitivamente comunistas e desmoralizadoras das Forças Armadas”. A sequência final, em que há o discurso de Chaplin, fortemente crítico aos regimes ditatoriais, causou profunda irritação no major. O filme foi proibido no Brasil e provocou um fenômeno no Rio Grande do Sul, pois de várias cidades partiram trens especiais para o Uruguai, levando pessoas curiosas para assistirem ao filme O Grande Ditador.

Nos filmes de guerra mais representativos desse período, é possível detectar algumas estratégias fundamentais nas produções de Hollywood:
1. Destacam a participação dos Estados Unidos nas seqüências de batalha;
2. Enfatizam o heroísmo e a bravura do soldado norte-americano;
3. Reforçam o poderio bélico das Forças Armadas Americanas;
4. Identificam o cenário com precisão, se possível, valendo-se de mapas do local onde se passa o conflito abordado pelo roteiro;
5. Exibem junto à imagem nas frentes de combate um breve documentário;
6. Apresentam uma pequena mensagem do líder das tropas aliadas na região, apontando as dificuldades enfrentadas, mas, ao mesmo tempo, transmitindo otimismo quanto à vitória próxima.

Podemos concluir que os filmes de guerra neste período tinham o propósito de enaltecer os líderes e a posição gloriosa de seu país, todos com forte apelo a propaganda e ideologias deste momento histórico. Por sua vez, Chaplin foi provavelmente o único diretor a se preocupar em transmitir uma mensagem pacifista e de repúdio aos ditadores mundiais da época.

*Edmundo Washington Lobassi é mestrando da UAM – Universidade Anhembi Morumbi, professor de Marketing dos cursos de graduação, membro do conselho dos cursos de Marketing e pesquisador da transição do cinema mudo para o falado (ewlobassi@anhembimorumbi.edu.br) .

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Este post tem um comentário

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    Priscila Moreira Lima.

    Gostei muito de saber q o cinema é um meiode cominicação de massa muito importante.

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