A Noite das Bruxas (Kenneth Branagh, 2023)

Por: Caio Cardoso

“Ninguém consegue fugir dos seus próprios fantasmas”

Depois de duas tentativas fracassadas de adaptar as obras de Agatha Christie (O Expresso do Oriente e Morte no Nilo), Kenneth Branagh finalmente acerta na adaptação de A Noite das Bruxas (1969). Ao apostar menos em grandes estrelas e experimentar mais no uso da linguagem cinematográfica para construir um mistério com suspense e terror.

A Noite das Bruxas acompanha Hercule Poirot (Kenneth Branagh) aproveitando sua aposentadoria da vida de detetive até que, no Halloween, uma antiga amiga, Ariadne Oliver (Tina Fey), o pede para desvendar se uma médium (Michelle Yeoh) é uma trapaceira cheia de truques ou se realmente entra em contato com os mortos.

Kenneth Branagh vem se mostrando um diretor promissor, iniciou sua carreira com filmes controversos e divisivos, com obras fracas e genéricas até se desenvolver como realizador e finalmente entregar longas interessantes e bem feitos, como o pessoal Belfast (2021) e este mais recente ao qual comento. O diretor abandonou os maneirismos de teatro ao compor o protagonista e a construção da história ao seu redor, começando a experimentar planos diversos, usar a montagem e a fotografia um fator essencial para elaborar o raciocínio do detetive além do que é dito por ele, explorar os potenciais do som como criador da atmosfera e gênero preterido pelo realizador.

Além disso, Branagh é acompanhado por um elenco empenhado na composição de seus personagens, diferente dos filmes anteriores da franquia que eram cheios de estrelas tentando chamar atenção para si mesmas o tempo todo, aqui todos os atores entregam performances essenciais para que a história nos envolva emocionalmente, principalmente Tina Fey como uma autora sagaz com revelações intrigantes e o jovem Jude Hill, que repete o parentesco com Jamie Dornan já feito em Belfast, mostrando-se um ator mirim extremamente talentoso em mais um ótimo trabalho. Aqui a construção do mistério é excelente, o ritmo do filme não desacelera até Poirot encontrar as respostas que precisamos, a câmera nos leva mais como um personagem, às vezes personificando no(a) assassino(a) ou no próprio Poirot (ou até mesmo em um fantasma, quem sabe?). A grande questão do longa é refletir sobre o sobrenatural e a sua existência, o que gera ótimas reflexões e debates durante e após o filme.

Entretanto, Kenneth insiste na megaexposição de eventos e acontecimentos em diálogos, esquecendo-se de adaptar as revelações de forma mais cinematográfica e nem tanto literária, o que pode frustrar a audiência mais esperta e alegrar os mais desatentos. O excesso do uso da trilha musical da ótima Hildur Guđnadóttir empobrece o desenho sonoro do filme, que poderia fazer um proveito maior de ruídos e silêncio para deixar a história mais aterrorizante e dramática, como o roteiro pede. Algumas experimentações com a câmera que o diretor tenta inovar também parecem esquisitas e sem propósito, mas é melhor do que se manter na mesmice.

Portanto, A Noite das Bruxas é uma ótima história de mistério estilo “quem matou?” que te prende na ponta da cadeira e te faz refletir sobre questões intrapessoais.

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