Alice No País Das Maravilhas (Tim Burton, 2010)

Bruno Carmelo*

O novo filme realizado por Tim Burton é bastante curioso. Pela familiaridade com a estética fantástica, a história de Lewis Carroll parecia perfeita nas mãos do diretor americano, também pela facilidade que ele tem em contar histórias lúdicas mas sombrias, com um lado tanto infantil quanto adulto – algo que Edward, Mãos de Tesoura pode ilustrar muito bem.

Cena do filme Alice No País Das Maravilhas
Cena do filme "Alice No País Das Maravilhas"

Pois eis que com Alice, uma história infantil cujas virtudes psicanalíticas e sombrias já foram bastante discutidas e sublinhadas, Tim Burton opta por um caminho bastante… consensual. Suas imagens são curiosas como sempre, sua escolha de elenco parece a mais familiar (Johnny Depp e Helena Bonham Carter), mas o caminho do discurso adotado lembra bastante este nicho que tem dominado as bilheterias mundiais: o « gênero » teen. Esta abordagem pelo prisma do amadurecimento inconsequente e leve já tomou os vampiros em Crepúsculo, o filme indie com Juno e mesmo os « filmes de amizade » com a série dirigida por Judd Apatow e companhia.

Alice se junta a este contexto, quando sua viagem não é mais um caminho pelas « maravilhas », como sugeria a casta Disney (não há nada de visualmente encantador nas paisagens), nem um caminho pelas transformações da sexualidade e da puberdade, como sugeriam tantos psicólogos, mas uma espécie de fuga da vida adulta, ilustrada de modo bastante entediado pela figura canônica da aristocracia inglesa. Como os vampiros, como Juno e como os nerds de Apatow fogem da vida adulta em busca de uma experiência imatura, leve e hedonista, Alice busca viver no sonho.

Cena do filme Alice No País Das Maravilhas
Cena do filme "Alice No País Das Maravilhas"

Poderia ser argumentado que esta versão cinematográfica se constitui como uma espécie de homenagem ao poder da imaginação, o que não seria completamente deslocado, uma vez que a dialética sonho-realidade, ou ainda possível-impossível domina todo o roteiro, sempre defendendo o lado da fantasia, claro. O delírio fantástico vem, no entanto, substituir a vida real e chata, ao invés de preparar nossa protagonista à vida real. Talvez a maior diferença do discurso seja essa : na Alice pedagógica do livro infantil, a imaginação era a arma encontrada para melhor enfrentar a vida real, enquanto na Alice pós-moderna a imaginação é uma fuga, um fim em si mesmo, ao invés de um meio de maturação.

Para um discurso teen contemporâneo, uma configuração estética coerente : a direção não propõe nem um universo completamente sombrio e rico em simbologias, como algumas cenas isoladas (as cabeças boiando no lago do castelo, a espada cravada no olho) poderiam sugerir, nem a completa viagem maravilhosa e colorida que poderia agradar às crianças menores. Estamos no território da ação, dos personagens nerds-marginais-deslocados que parecem refletir muito bem a figura de identificação que buscam os adolescentes atuais. Quando chegamos ao fim e a voz de Avril Lavigne toma os créditos, não resta mais dúvida quanto ao público-alvo deste produto.

Cena do filme Alice No País Das Maravilhas
Cena do filme "Alice No País Das Maravilhas"

Os filmes recentes de Tim Burton têm sempre transitado por esta confluência de gêneros, essa mistura de públicos-alvo que fazem seu trabalho ser bastante apreciado por críticos e pelo público, sem jamais no entanto conquistar um sucesso excepcional com um ou com o outro. Depois do difícil produto que foi seu musical sobre um assassino (Sweeney Todd) ou da versão bastante infantil da Fantástica Fábrica de Chocolates, Burton parece ter acertado em cheio com o público adolescente. Seu Alice no País das Maravilhas já é seu maior sucesso de bilheteria, e continua quebrando recordes a cada semana.

Bruno Carmelo é graduado em Cinema pela Faap e mestrando em Teoria e Crítica de Cinema na Universidade francesa Sorbonne Nouvelle

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