Bruno Carmelo*
O novo filme realizado por Tim Burton é bastante curioso. Pela familiaridade com a estética fantástica, a história de Lewis Carroll parecia perfeita nas mãos do diretor americano, também pela facilidade que ele tem em contar histórias lúdicas mas sombrias, com um lado tanto infantil quanto adulto – algo que Edward, Mãos de Tesoura pode ilustrar muito bem.
Pois eis que com Alice, uma história infantil cujas virtudes psicanalíticas e sombrias já foram bastante discutidas e sublinhadas, Tim Burton opta por um caminho bastante… consensual. Suas imagens são curiosas como sempre, sua escolha de elenco parece a mais familiar (Johnny Depp e Helena Bonham Carter), mas o caminho do discurso adotado lembra bastante este nicho que tem dominado as bilheterias mundiais: o « gênero » teen. Esta abordagem pelo prisma do amadurecimento inconsequente e leve já tomou os vampiros em Crepúsculo, o filme indie com Juno e mesmo os « filmes de amizade » com a série dirigida por Judd Apatow e companhia.
Alice se junta a este contexto, quando sua viagem não é mais um caminho pelas « maravilhas », como sugeria a casta Disney (não há nada de visualmente encantador nas paisagens), nem um caminho pelas transformações da sexualidade e da puberdade, como sugeriam tantos psicólogos, mas uma espécie de fuga da vida adulta, ilustrada de modo bastante entediado pela figura canônica da aristocracia inglesa. Como os vampiros, como Juno e como os nerds de Apatow fogem da vida adulta em busca de uma experiência imatura, leve e hedonista, Alice busca viver no sonho.
Poderia ser argumentado que esta versão cinematográfica se constitui como uma espécie de homenagem ao poder da imaginação, o que não seria completamente deslocado, uma vez que a dialética sonho-realidade, ou ainda possível-impossível domina todo o roteiro, sempre defendendo o lado da fantasia, claro. O delírio fantástico vem, no entanto, substituir a vida real e chata, ao invés de preparar nossa protagonista à vida real. Talvez a maior diferença do discurso seja essa : na Alice pedagógica do livro infantil, a imaginação era a arma encontrada para melhor enfrentar a vida real, enquanto na Alice pós-moderna a imaginação é uma fuga, um fim em si mesmo, ao invés de um meio de maturação.
Para um discurso teen contemporâneo, uma configuração estética coerente : a direção não propõe nem um universo completamente sombrio e rico em simbologias, como algumas cenas isoladas (as cabeças boiando no lago do castelo, a espada cravada no olho) poderiam sugerir, nem a completa viagem maravilhosa e colorida que poderia agradar às crianças menores. Estamos no território da ação, dos personagens nerds-marginais-deslocados que parecem refletir muito bem a figura de identificação que buscam os adolescentes atuais. Quando chegamos ao fim e a voz de Avril Lavigne toma os créditos, não resta mais dúvida quanto ao público-alvo deste produto.
Os filmes recentes de Tim Burton têm sempre transitado por esta confluência de gêneros, essa mistura de públicos-alvo que fazem seu trabalho ser bastante apreciado por críticos e pelo público, sem jamais no entanto conquistar um sucesso excepcional com um ou com o outro. Depois do difícil produto que foi seu musical sobre um assassino (Sweeney Todd) ou da versão bastante infantil da Fantástica Fábrica de Chocolates, Burton parece ter acertado em cheio com o público adolescente. Seu Alice no País das Maravilhas já é seu maior sucesso de bilheteria, e continua quebrando recordes a cada semana.
Bruno Carmelo é graduado em Cinema pela Faap e mestrando em Teoria e Crítica de Cinema na Universidade francesa Sorbonne Nouvelle