Ter o deleite de ir ao cinema e assistir a um filme de um grande diretor vivo é uma experiência única, principalmente com o crescente número de diretores emergentes limitados e a falência das poucas lendas vivas da sétima arte. O nova-iorquino Martin Scorsese ainda está na ativa, e é uma das principais colaborações ao cinema mantendo sua regularidade de bons filmes
Ilha do Medo conta a história de Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio), um detetive da polícia americana, e seu novo parceiro, Chuck Aule (Mark Ruffalo), que investigam o sumiço de uma paciente – Rachel Solando (Emily Mortimer) – de um manicômio/presídio de alta periculosidade, numa ilha isolada, a Shutter Island Ashecliffe Hospital, nos anos 50. Lá, Daniels começa a suspeitar que os médicos utilizem métodos desumanos com os pacientes, e a equipe do hospital resiste em colaborar na investigação do paradeiro de Rachel. Soma-se a isso uma forte tempestade que impede a entrada e a saída da ilha e, também, qualquer tipo de comunicação. O resultado final é uma bela sinopse, instigadora, assustadora e que dá vontade de pagar (a fortuna que é) uma entrada de cinema .
Muitos podem dizer “já vi isto” ou ainda classificar como clichê, exemplificando na frase do capitão do barco que transporta os detetives até a ilha: “o cais é o único jeito de entrar e sair da ilha”. O roteiro de Laeta Kalogridis (baseado no livro Paciente 67, de Dennis Lehane, 2003) é uma base para Scorsese homenagear todo o gênero suspense/horror. Lehane já confessou à mídia que sua ideia era homenagear dos filmes B aos góticos. Trovoadas, estátuas de faunos, ilhas assustadoras, manicômios com perturbados e potenciais assassinos, sumiço de pessoas, sonhos irreais… Tudo está lá, num mix, uma verdadeira salada de frutas, que tinha tudo para dar errado. Tinha. A diferença é a “mão” de quem agarrou este roteiro. E essa “mão” é diferenciada, pertence a um gênio vivo , afinal, Scorsese já havia flertado com o suspense e o horror, como em Cabo do Medo (1991), Vivendo no Limite (1993) e num episódio na série Amazing Stories (1986), por exemplo. Sua preferência sempre fora o drama e suas desmembrações, que representa boa parte da sua obra, e grande parte das suas obras-primas.
Com seus chicotes rápidos (movimento de câmera em que ela rapidamente faz uma panorâmica), as belas cenas nos sonhos psicodélicos (delírios ou pesadelos?) de Teddy, e com a traumatizante experiência na Segunda Guerra Mundial e de sua falecida esposa Dolores Chanal (Michelle Williams), que faleceu num incêndio, Scorsese se impõe a um diretor de suspense/horror ordinário, muito comumente ofertado nas salas multiplex de shopping.
O filme se diferencia também pela constante trilha sonora pesada. No longo trecho que vai do início da projeção até começar um diálogo com o policial responsável pela ilha, uma inquietante música é executada, num volume acima do normal, gerada pela mixagem, propositalmente, em timbres altos que nos fazem suspeitar da pessoa na cadeira mais próxima na sala de cinema. Quebras de continuidade e cortes rápidos na montagem, que podem parecer descontinuidade a olhos inexperientes, são na verdade mais uma marca registrada de Scorsese, que todos acabam absorvendo conforme o filme se desenvolve. É a famosa fragmentação, que com essas quebras, dão a sensação de desordem que vai fazendo sentido conforme o mistério é revelado, juntando as peças soltadas caoticamente até um surpreendente fim.
A direção de atores, outra marca forte de Scorsese, segue visível. Ele extraiu o máximo possível de DiCaprio e Ruffalo, que, reconhecidamente, não são atores geniais (como Robert DeNiro, o qual o diretor costuma trabalhar), nem os coadjuvantes, como Ben Kingsley. Talvez, no elenco, a atriz Michelle Williams se destaque. O elenco é simples (não financeiramente, mas sim em potencial artístico), mas funcional para o roteiro.
Há um certo ponto no filme que tudo se mistura. O que é realidade? O que não é? Quem está mentindo? Onde está e quem é Rachel Solando? A “pseudo” desconexão do roteiro – que se prova “pseudo” somente em seu fim, onde as peças do quebra-cabeça são juntadas – chega a tal ponto em que ele descobre que o incêndio que matou sua esposa foi proposital e que o culpado pode ser um dos pacientes (ou presos) da ilha.
Com um final surpreendente, Scorsese prova a teoria de Hitchcock: um bom diretor, mesmo com um fraco (ou nesse caso, clichê) roteiro, consegue fazer seu estilo imprimir-se no resultado final. Mas os bons diretores que divulgam suas obras nas salas de cinema hoje em dia são poucos. E os poucos que ainda estão vivos devem ser reverenciados, como o mestre Martin Scorsese.
Thiago Köche é graduado em realização audiovisual pela universidade UNISINOS (RS)
Gostei muito do seuy comentario! Mas, não tiver a oportunidade de assistir a metade inicial do filme. E o resultado foi que eu não entendi nada sobre o filme! hueheuehuehueheu Vou tentar assistir do inicio para ver se pcnsigo entender o filme!