Homem de Ferro 2 (Jon Favreau, 2010)

Em Homem de Ferro 2, durante um diálogo entre o herói multimilionário Tony Stark e Nick Fury, organizador da Iniciativa Vingadores, o último exclama banalmente “já tenho problemas pra cuidar no sudoeste”, em uma citação oblíqua ao vindouro filme de Thor, super-herói dos quadrinhos Marvel. Mais à frente na narrativa, o agente encarregado de vigiar Stark levanta uma peça circular inacabada, que remete ao escudo icônico usado nos quadrinhos pelo Capitão América. “Justamente o que eu precisava”, diz Tony Stark, e usa a peça para nivelar seu aparelho em construção. E próximo ao final do filme, notícias em um telejornal sobre intervenção militar em uma universidade remetem aos acontecimentos ocorridos no filme O Incrível Hulk, de 2008.

Homem de Ferro 2 é um passo mais largo da Marvel Studios em direção a construção de um universo cinematográfico mais abrangente, que espelha o rico universo de super-heróis já existente há décadas nos quadrinhos. Homem de Ferro e Hulk já têm seus próprios filmes, Thor e Capitão América estão a caminho do cinema, com filmes em produção. Referências aos outros heróis permeiam a narrativa e ganchos para outros filmes da Marvel Studios são claríssimos. Além de ajudar a organizar a linha do tempo do Universo Marvel cinematográfico, Homem de Ferro 2 é uma boa prévia do que se esperar de Os Vingadores, futuro filme que reunirá todos os super heróis em uma equipe de combate, haja visto que no recente lançamento já se pode experimentar maior interação entre super-heróis, que aparecem em abundância.

Mais que uma jogada de marketing, a estrutura narrativa visada pela Marvel Studios prevê a construção de um universo cinematográfico abrangente e coerente, uma sinergia entre os filmes que dão a impressão de um universo maior do que o recorte feito pela narrativa de um único filme da empresa. Para tal efeito, o emprego da narrativa transmídia amplia a sensação de um universo uno: além dos filmes, vídeos na internet mostram a ExpoStark – feira tecnológica patrocinada pelo protagonista – e armas que usam ondas sonoras na contenção de incêndios – utilizadas contra o Hulk em seu filme -, e HQs são lançadas contando histórias que se passam no intervalo entre um filme e outro da franquia.

Além da coerência narrativa, existe também coerência visual entre os filmes da Marvel Studios: a paleta de cores é forte e bem definida, equipamentos e logotipos das instituições de Stark e S.H.I.E.L.D. – organização responsável por tratar de ‘superproblemas’ – se espalham através dos filmes. O quadro tecido faz parecer que cada filme é uma peça diferente e independente de um mosaico maior. São passos cautelosos e promissores tomados pela produtora em direção a um universo estável.

Apesar de tudo o que foi dito, Homem de Ferro 2 é um filme que anda por suas próprias pernas, sim, e com louvor, muito calcado na interação entre os personagens através de diálogos espertíssimos, e com ótimas cenas de ação, que não se prolongam além do necessário para manter a narrativa em movimento. Todos os diálogos entre Robert Downey Jr. e Gwyneth Paltrow são primorosos e a química entre os atores se destaca. E as cenas de ação surgem organicamente como resoluções extremas [e esperadas] dos conflitos dos personagens.

Cena do filme "Homem de Ferro 2"

Uma leitura interessante a ser feita é sobre a herança e pecados passados de geração para geração, que sustenta boa parte da trama de Homem de Ferro 2.  Ivan Vanko quer vingança pela morte de seu pai, Anton, antigo companheiro de pesquisas de Howard Stark, pai de Tony. Ivan desconta em Tony sua fúria, alegando que seu pai não foi reconhecido por suas pesquisas científicas ao lado de Howard. Nunca sabemos a verdade por trás dos fatos, apenas diferentes versões da história, mas a ameaça é real; Ivan quer vingança e cabe ao herói do filme salvar a própria pele, tendo antes que enfrentar problemas com a tecnologia que o mantém vivo [e sua armadura funcionando].

Ivan e Anton são russos, Tony e Howard são americanos. Não há um conflito explícito entre nações, mas tal informação evidencia que os protagonistas são filhos da Guerra Fria e lidam com as conseqüências dessa época. O próprio filme acaba por expor esse fardo, dialogando com filmes de ação produzidos durante a Guerra Fria, mais claramente os filmes de James Bond pré-reboot: protagonista mulherengo, corrida armamentista, carros possantes, vida luxuosa, russos como adversários e tecnologia sempre um passo adiante da atual.

Cena do filme Homem de Ferro 2
Cena do filme "Homem de Ferro 2"

Mas estamos na era Obama e tudo é mais politicamente correto e balanceado, porém evidenciando o coração confuso da América: com o capitalismo instaurado, a corrida armamentista corre dentro do próprio país, representada também por industriais e não apenas pelo Estado, a Rússia não é mais uma inimiga declarada, e os únicos homens que exercem algum poder sobre o ego inflado de Tony Stark são negros. Ecoando subjetivamente o tema do ‘núcleo decadente do país’, a peça no peito que mantém Tony vivo está envenenando-o. Há algo errado nas fundações do país, as sementes plantadas gerações atrás criam o ambiente duvidoso em que vivem hoje. As soluções possíveis dadas pelo filme são maniqueístas, dignas da Guerra Fria: ou se estuda o passado com afinco, desvendando os enigmas de sua criação em busca de algo novo, ou se explode tudo.

Roger Mestriner é mestrando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Deixe uma resposta