Medianeiras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual (Gustavo Taretto, 2011)

Arthur Souza Lobo Guzzo*

Cartaz do Filme "Medianeiras"

O diretor Gustavo Taretto mostra seu email ao final do filme Medianeras, quando seu nome aparece nos créditos. Tal fato chama a atenção e leva a indagar se é uma tentativa de estabelecer um contato direto com os espectadores ou se é algo que se encaixa diretamente em uma das questões centrais do filme: as relações interpessoais cada vez mais absorvidas pelo ciberespaço. Outra questão que pode ser analisada é a incomunicabilidade; pessoas cada vez mais sozinhas em um mundo cada vez mais cheio.  Soma-se a isto um interessantíssimo viés arquitetônico que discute com muita propriedade as mazelas e bizarrices das aglomerações urbanas atuais – tendo-se Buenos Aires como ponto de partida, é claro – e um leve tempero de comédia, e temos Medianeras. Uma diversão despretensiosa caso você queira acompanhar as agruras sentimentais do casal Mariana e Martin, ou algo que pode convidar a uma reflexão um pouco mais séria sobre os temas supracitados, caso seja esse o interesse de quem vê.

O início do filme se destaca do restante justamente pelo caráter sério e grave. Enquanto vemos cenas de uma Buenos Aires que não aparecem em cartões postais, o web-designer Martin tenta nos explicar um pouco a respeito da cidade de tantas contradições e facetas. Sem querer, Martin acaba por notar várias características comuns a muitos centros urbanos modernos: pessoas vivendo em apartamentos minúsculos, solidão, neuroses, fobias, doenças. Tudo isto é apresentado sob o prisma da arquitetura, o que constitui algo notável, quase uma crítica. Aí reside um dos pontos altos do filme. O próprio Martin é apresentado como um fóbico que tem grande dificuldade em se desconectar do mundo virtual. Ele ouve música, conversa, assiste filmes e pede comida, dentre outras atividades, ligado à internet. Quase como Oh-Dae-Su em Oldboy (Chan-wook Park, 2003), mas, ao invés de ser uma TV, Martin se relaciona mais com seu computador do que com qualquer ser humano. O caso de Mariana parece ser um pouco mais complicado. Tendo sido abandonada pelo namorado, sua solidão parece ser algo completamente destruidor, ao ponto de um manequim masculino (ela trabalha como decoradora de vitrines apesar de ser arquiteta) ser o objeto de sua afeição. Mariana também é fóbica – não entra em elevadores. Mariana tem um vizinho que toca piano em momentos inoportunos, fazendo com que ela o repreenda de forma veemente. É praticamente a única interação honesta com outro ser humano que ela vivencia.

Medianeiras é um filme sobre a problemática dos relacionamentos em uma sociedade distante e informatizada

[Diante desse cenário de distâncias, neuroses, fracassos e fobias, quais as chances de Martin e Mariana se encontrarem? Apesar de morarem na mesma rua, não se conhecem. Nunca se falaram. O encontro entre ambos é improvável, mas inevitável. E ele se dá de maneira previsível: pela Internet. A tecnologia, que inicialmente é criticada de forma contundente por alienar e isolar as pessoas, acaba por nos aproximar? É preciso rever a dependência humana em relação à tecnologia? Precisamos nos fazer presentes em diversas redes sociais que não agregam absolutamente nada em nossas vidas? São algumas das perguntas que o filme propõe.

Pilar Lopez interpreta a solitária porém cativante garota neurótica da cidade grande

É claro que os dois são engraçados e amáveis, apesar de serem problemáticos. É claro que torcemos para que se encontrem logo, quase como um  Sintonia de Amor (Sleepless in Seattle, Nora Ephron, 1993) ambientado em Buenos Aires. Até a fotografia e montagem remetem a algo atual, leve e ao mesmo tempo compacto, próprio das comédias românticas em voga. A narração dos personagens intercalada a imagens diversas para ilustrar ou exemplificar algum ponto é o mais notável dentro desta percepção. Mas não é aí que se encontra o melhor de Medianeras. É justamente na crítica (nem tão) velada ao ponto que a civilização ocidental chegou em sua urbanidade sem limites e conseqüências.

No filme até os locais contribuem para nossa exclusão social

A ácida crítica à arquitetura dos prédios de apartamentos das grandes cidades é particularmente relevante. Haja visto que Buenos Aires ainda é mais planejada se comparada a outras aglomerações latino-americanas, é de se ponderar sobre a opinião de Gustavo Taretto a respeito de uma cidade como São Paulo, que reúne bizarrices urbanísticas em escala industrial, que ergue edifícios de gosto duvidoso aqui e ali, que privilegia o transporte individual em detrimento do público, e que por si só pode bem ser uma fábrica de neuroses e fobias. Como seria o (des)encontro de Mariana e Martin em São Paulo? Eles chegariam a sequer se cruzar, como o fazem, se morassem em dois edifícios vizinhos na Rua Pamplona? Ou pior, no mesmo edifício? Ou no mesmo andar?

As tais “medianeras” são aquele espaço vazio dos prédios, sem janelas, que geralmente são utilizados para publicidade.  As janelas abertas à força, como em um ato de desespero para que a luz do sol entre, são um indicativo de que talvez as coisas possam melhorar em meio ao caos das selvas de pedra. Não é por acaso que Martin e Mariana escolhem quebrar eles mesmos a parede por alguns instantes, é um ato catártico, uma espécie de desabafo ao permitir a entrada da luz. Assim como as plantas que teimam em crescer em meio ao mais desolador dos concretos, seres vivos que brotam do nada. Ou seja: apesar de traçar um panorama um pouco sombrio do que a civilização contemporânea nos reserva, é um filme otimista.

*Arthur Souza Lobo Guzzo é graduado em Comunicação Social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp

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