Waking Life (Richard Linklater, 2001)

Marilia Abrão Rezende*

Cartaz Promocional do filme " Waking Life"

No filme Waking Life o sonho se torna uma realidade: aquela vivenciada pelo protagonista e à qual ele está preso.  Nos sonhos o protagonista é bombardeado por informações e conselhos, vindos de diferentes figuras. Tudo o que ouve – diz ele próprio – parece caber perfeitamente em sua boca. Isso porque os outros personagens da história partem de dele próprio: são fruto de seu inconsciente. Aquilo que lhe é enunciado possui sempre um caráter reflexivo, mesmo quando sustentado pela ciência. Tudo deriva de suposição, opinião, sensação… Enfim, há sempre uma inexatidão que pode despertar curiosidade e conferir às falas dos personagens – todos sem nome – esse ar filosófico.

Em contrapartida ao bombardeio de palavras que lhe é direcionado, o protagonista (forma como é indentificado e nomiado no filme) fala e age pouco, o que me sugeriu nossa passividade em nossos sonhos. Há uma cena na qual um dos personagens do filme se suicida, queimando-se.  Ele acabara de conversar com o protagonista, daí a importância da cena simbolicamente: talvez ela reflita o sentimento de culpa ou de inação por parte do personagem central. Ainda nessa cena, vemos que outras pessoas observam-no sem espanto e saem de quadro, passivas.

Durante o filme sofremos do mesmo bombardeio do qual sofre o protagonista. Não há tempo para digerirmos todas as informações, o que pode parecer contraditório: a narrativa nos incita a refletir mas não dá espaço para que isso aconteça de fato. Somos interrompidos pela continuidade da trama, a todo tempo acelerada. Ainda sim, essa contradição não me pareceu casual. Ela pode agir a favor de um motivo maior: o de manter a sensação de sonho e fazer-nos imersos na realidade do personagem. Sua confusão e cansaço resultantes do disparo de informações estão, em partes, presentes em nós.

Rotoscopia da um traço diferenciado a animação de Linklater. Usou a mesma técnica em O Homem Duplo (A Scanner Darkly, 2006)

A animação, que partiu de filmagens com atores reais ( processo conhecido como Rotoscopia*), busca fornecer-nos as impressões e imprecisões visuais do sonho; o caráter lúdico dele, na medida em que desrespeita, ou se preferirmos, supera, as leis físicas e biológicas. Os ambientes são animados de modo a se moverem, a tonalidade e a cintilância se alteram, as feições variam muito durante e há momentos de maior ou menor nitidez dos personagens.

Há, portanto, no filme uma grande soma de fatores que nos aproximam da subjetividade e da sensação do sonho. E esses fatores, que nos levam a um grande resultado, são difíceis de serem vistos à parte . Não é fácil captar uma intenção para a mudança de um rosto, que pode ter seus traços e tonalidades alterados num determinado instante. Nem creio que ela exista a todo momento. No entanto, podemos nos questionar sobre a existência de um motivo específico. Por que o biólogo, com sua teoria sobre evolução da espécie humana, teria seu rosto deformado enquanto fala? Será que não há relação com sua teoria maravilhosa e complexa, ou com sua aparência típica e alta velocidade da fala ? Não seria ele uma figura estranha aos olhos do protagonista?

Enfim, parece mais lúcida a somatória dos detalhes. Não há a necessidade de vasculharmos motivos singulares para apreendermos o filme, embora essa busca seja incitante. Waking Life é, certamente, um filme que vale a pena ser visto, indo além de comentários.

*Marilia Abrão Rezende é graduanda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos

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Este post tem um comentário

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    Ariel de Oliveira

    Ok, mas a mensagem do filme é muito maior. Siga apenas uma dica do filme, pela qual, recentemente, prefiro analisa-lo: O Existencialismo. O Existencialismo, me baseando em Sartre, se resume na idéia de que não temos essencia, estamos condenados à escolha e somos inteiramente responsaveis por quem somos e pelo que fazemos. Dessa forma, a vida não existencialista, dita no filme como “alienada” onde existe o destino, caracteristicas inatas ou o meio que nos determinaria nos impedindo de crescer e assim tirando a culpa por nossa futilidade, serio um sonho. Waking Life retrata um sonho onde o personagem acorda pouco a pouco, mensagem a mensagem ( lembre que o personagem tem tempo para refletir) para a noção de uma vida existencialista.

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