Breves considerações sobre o formato mp3 e suas potencialidades

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Eduardo Paiva é professor do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação e do Departamento de Música do Instituto de Artes da UNICAMP e professor do programa de pós graduação em Música e do programa de pós-graduação em Artes da mesma instituição. Graduado em composição e regência, mestre em Artes e Doutor em Multimeios, Eduardo Paiva, desde os anos oitenta, pesquisa as relações entre criação sonora, mídia e tecnologia, tendo publicado vários artigos e participado de diversas gravações com seus trabalhos. Atualmente, é chefe do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação, orientando diversos alunos de graduação e pós-graduação, sendo editor na revista
on-line Sonora (www.sonora.iar.unicamp.br) e membro do corpo de colaboradores da Revista Diapason Brasil, onde escreve sobre tecnologia sonora, exercendo também atividades como diretor de programas para televisão e diretor de documentários musicais.

Desde o surgimento do disco gravado, nada havia impactado tanto o mercado fonográfico quanto o formato mp3. A indústria fonográfica ainda não absorveu de forma efetiva a potencialidade desse formato e o acusa de ser o grande vilão do encolhimento do mercado mundial de discos, especificamente o latino americano, algo que ocorre simultaneamente às novas possibilidades das tecnologias digitais.  Por outro lado, na medida em que novos grupos sociais se apropriam destas tecnologias, outros modelos de produção sonora, como o brega pop (ou techno brega) do Norte do Brasil ou o funk carioca vêem a tona, trazendo discussões sobre apropriação tecnológica e inclusão digital dentro da indústria cultural brasileira. Conceitos como autoria, direito autoral e outros tem de ser repensados à luz destes novos modelos, onde a preocupação com o mercado fonográfico convencional é praticamente nula.

O formato mp3 foi desenvolvido a partir dos anos 80, pelo Fraunhofer Institut, tendo como base o projeto Eureka[1], sendo disponibilizado ao público a partir de 1992. Sua principal característica é a capacidade de reduzir um arquivo digital de áudio em formato .wav a 1/12 avos de seu tamanho sem perda significativa de sua qualidade sonora; algo que,  de imediato, resolveu o problema do fluxo de arquivos sonoros pela rede, permitindo a troca de arquivos sonoros pela web. Isso, ainda nos anos 90, quando surgiram os primeiros softwares P2P[2], do qual o mais famoso foi o Napster, de 1999 (Coleman, 2003:189) e que foi o catalizador de toda as discussões sobre troca de arquivos na rede.

Porém, antes disso, existiram algumas tentativas de distribuir música legalmente pela web, através das iniciativas de empresas como a Liquid Áudio e a Cerberus, que, pela primeira vez, comercializaram  a música desvinculada de seu suporte, isto é, apenas a informação sonora, sem o papel e o plástico  que caracterizam toda a indústria fonográfica até os anos 90. A Liquid Áudio possuía uma tecnologia própria, que contemplava questões até hoje discutidas, como o direito autoral (Paiva, 1998:93), e a Cerberus baseava-se no formato mp3. Desnecessário dizer que todas essas empresas faliram, por diversas razões, entre as quais a baixa velocidade da web de então e a concorrência com os softwares P2P, que despontavam no mercado e que permitiam a troca gratuita de arquivos mp3.

Logicamente, a utilização do formato mp3 foi um grande impacto na indústria fonográfica, principalmente pela música não estar mais vinculada ao seu suporte, podendo ser  criada, gravada, reproduzida e apagada sem em nenhum momento estar fixada fisicamente.  Além disso, o mp3 permitiu também que a música fosse distribuída pela rede sem a necessidade de nenhuma forma de pagamento, trazendo a pirataria para o centro da discussão, e finalmente, fazendo com que web se transformasse em um novo espaço para a circulação musical.

Não somente o mp3, mas todas as tecnologias digitais surgidas a partir dos anos 90 voltadas aos processos de gravação sonora permitiram que a música pudesse ser produzida fora das grandes estruturas empresariais, como percebeu Levy (1999:141):

A partir de agora os músicos podem controlar o conjunto da cadeia de produção da música e eventualmente colocar na rede os produtos de sua criatividade sem passar pelos intermediários que haviam sido introduzidos pelos sistemas de notação e de gravação.

Através destas tecnologias, e pela primeira vez na história da música gravada, o artista passa a ter controle sobre todas as etapas que compõem o processo de gravação e distribuição musical, do home studio a rede, em uma perspectiva marxista como a citada por Levy. “Em particular, a evolução contemporânea da informática constitui uma impressionante realização do objetivo marxista da apropriação dos meios de produção pelos próprios produtores” (Levy, 1999:245). Assim sendo, parecia, no final dos anos 90, que todos os sites de download de arquivos estariam carregados de trabalhos alternativos e a margem da indústria fonográfica, rompendo de vez o monopólio dos grandes selos de gravação mundiais. Mas foi isso que realmente aconteceu?

Infelizmente não. Ao invés de ser invadida por milhares e milhares de trabalhos desconhecidos que existiam à margem da indústria fonográfica, a web foi massacrada por trocas de arquivos de fonogramas comerciais, protegidos legalmente por direitos autorais, o que resultou em uma grande queda de braço entre as gravadoras e os sistemas de troca p2p[3], onde os perdedores até agora tem sido tanto os programas de troca quanto alguns usuários eventualmente processados pelo mundo todo[4]. Recentemente, o Brasil foi o primeiro país latino americano a ser colocado na lista da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), que pretende abrir processo contra 20 cidadãos brasileiros.

Isso motivou um abaixo assinado disponibilizado no site www.petitiononline.com/netlivre, com o objetivo de se mudar a lei 9.610, adotada em 1998, que regula os direitos dos usuários das obras intelectuais de acessar conteúdos privadamente.  Por outro lado, se os sistemas de venda online estão se firmando como uma grande possibilidade para a indústria fonográfica mundial chegar até o mp3, no Brasil ainda estão engatinhando, algo reconhecido até pelo presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, Luiz Paulo Barreto, ao colocar que:

…não entende, por exemplo, por que ainda não há no Brasil uma loja virtual nos moldes da iTunes Store, da Apple, que vende milhares de faixas por US$ 0,99 cada. ‘Temos umas quatro ou cinco, mas nelas ou não há disponibilidade de artistas ou os preços são caros’, diz. ‘É melhor vender mil a R$ 1 do que 1 a R$ 1.000. Mas parece às vezes que a indústria está concentrando mercado. Isso é suicídio.'(O Estado de São Paulo, Segunda-feira, 20 novembro de 2006, Maurício Moraes e Silva).

Historicamente, o disco sempre foi caro no Brasil. “O salário mínimo no Brasil não compra 10 LPS” ( Reis, 1976:12). E continua ainda sem comprar, não mais lps, mas cds: ao preço médio de R$ 35,00 não se compra 10 cds com um salário mínino). Esse é um problema específico: o baixo poder aquisitivo faz com que seja difícil a comercialização de discos ou música on-line. Mesmo U$$ 0,99 equivalem a quase R$ 2,00 e se o consumidor adquirir doze faixas, pagará R$ 22,00, valor ainda alto em relação ao salário mínimo brasileiro. Com isso, o download sem pagamento dificilmente terá fim, principalmente agora, quando o Brasil está expandido seu acesso em banda larga. Porém, se o disco sempre foi caro no Brasil, a pirataria também é discussão antiga:

A repressão às fitas piratas começou por inciativa da ABPD, que, em ação conjunta com a Polícia Federal Fazendária, realizou diligências, no final de 1975, no interior paulista. Muitas gravadoras-fantasma foram autuadas e seu material apreendido, incluindo fitas virgens, gravadas e duplicadores de som semiprofissionais….(Cozela, 1980:124)

Após as primeiras experiências mal sucedidas de venda de música on line, como as já mencionadas Liquid e Cérberus, a Apple, em uma ousada jogada comercial, lançou o serviço de downalods ITunes em maio de 2003, até hoje a experiência mais rentável  na área, que em sua primeira semana de atividades teve um milhão de downloads, a U$$0,99 cada (Coleman, 2003:207) tendo grandes medalhões da música pop entre os primeiros artistas licenciados, de No Doubt a Eagles (Coleman, 2003:206). Nada de artistas alternativos, e sim os blockbusters do pop é que foram os propulsores do sucesso do ITunes. Criado a partir do Ipod (o primeiro reprodutor de mp3 que tornou-se sucesso de vendas), o ITunes destinava-se a fornecer arquivos aos proprietários desses aparelhos[5], em uma operação que até hoje enfrenta pressão da Justiça e do Legislativo da União Européia (Veja 1995, 2007), que acusam a Apple de praticar venda casada. Porém, com todo o sucesso aparente, o mercado de música on line ainda não representa nem 10 por cento do mercado tradicional ( Corrêa, Veja, 2007). Apenas como curiosidade, atualmente o ITunes tem um estoque de 3.5 milhões de canções para download a U$ 0,99 cada. Porém, em alguns locais, como no Japão, o mercado de música on-line já demonstra sua força com números bastante sólidos:

O download de música digital no Japão aumentou 56% em 2006 e chegou aos US$ 445 milhões, superando os US$ 423 milhões obtidos com a venda CDs no mesmo período, informa hoje a imprensa econômica local. Noventa por cento dos downloads musicais foram feitos por meio de telefones celulares. As vendas de canções inteiras aumentaram 150%, enquanto a comercialização de trechos cresceu 18%, segundo o jornal “Nikkei”(Folha de São Paulo,24/02/2007).

Além dos problemas, o mercado de venda de música on-line cresce a cada ano, em um rumo inverso ao mercado de Cds.

A venda de música pela internet quase dobrou no mundo todo, atingindo um faturamento de US$ 2 bilhões em 2006, segundo um relatório da indústria fonográfica. O Relatório de Música Digital 2007 da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês) afirma que os consumidores baixaram, em 2006, 795 milhões de faixas – aumento de 89% em relação a 2005 – de quase 500 serviços legalizados de música pela internet em 40 países.O número de faixas disponíveis para baixar dobrou e chega a mais de quatro milhões nos serviços mais famosos.A expectativa da IFPI é que as vendas digitais, que representam agora 10% de todas s vendas do setor, sejam responsáveis por 25% das vendas no mundo até 2010 (BBC, 2007)

É interessante se notar que ao falar em música pela Internet, estamos dentro de uma escala de consumo globalizada, pois o mp3 é antes de tudo, o primeiro formato de distribuição musical totalmente globalizado, justamente por estar na esfera do virtual, sem a necessidade do suporte físico. Todos os formatos anteriores, digitais ou analógicos, necessitavam de uma estrutura física de distribuição, sujeita às limitações inerentes destas estruturas. No mundo virtual, o acesso à informação é instantâneo, e qualquer ouvinte pode baixar uma música de onde ele queira, sem nenhuma limitação, o que fez a música experimentar uma velocidade de divulgação até então impensável. Como diz Negroponte (1995:55), “bits não ficam presos em alfândegas”.

No Brasil e no mercado latino americano, o comércio de música conta com poucas empresas na área, preços altos e incompatibilidade de formatos e baixa oferta de títulos, apesar de alguns executivos de gravadoras apostarem em uma vida máxima para os cds de apenas dez anos. (Vialli, 2006). Não deve ser esquecido que o formato mp3 pode ser caracterizado como um formato convergente, isto é, toca naquilo que pode ser chamado como “máquinas de convergência”, como o Iphone da Apple, uma combinação de celular e Ipod, o que provavelmente acabará por expandir seu mercado cada vez mais. Além disso, é um formato compatível com praticamente todos os computadores e players individuais com fones de ouvido, e é justamente nesse último que ele encontrou seu grande público, voltado basicamente às audições individuais via fones.

Outros mercados decorrentes da digitalização e da praticidade do formato mp3 surgem a cada dia, como o de ring tones. Em uma entrevista, Cris Martin, líder do Coldplay, coloca a importância comercial desse novo formato: “Hoje, uma música tem que ser boa para virar um ringtone. É isso o que interessa (para o mercado)” (Flesh, 2007). O mercado de ring tones, é hoje a mais nova fronteira a ser desbravada e que parece ser bastante lucrativa, respondendo inclusive, dentro das gravadoras, por receitas maiores que as decorrentes da venda de CDs. (Jardim, 2007, http://veja.abril.com.br/140307/radar.shtml)[6]

Tecnicamente, o formato mp3 possui algumas limitações na qualidade sonora quando comparados ao arquivo original, principalmente pela perda nas altas freqüências e eliminação de alguns sons em baixo volume (Paiva, 2006:96-97). Algo que vai na contramão da tecnologia, que desenvolve sistemas de gravação digital com resolução cada vez mais alta, e que acaba comprimindo o arquivo final com uma série de perdas de dinâmica e freqüência, que por mais que se tente, jamais poderão ser reincorporados ao arquivo original. Apenas para exemplificação, hoje os sistemas de gravação digitais profissionais chegam a gravar em 24 bits e 192 KHz, e os sistemas voltados a home studios em 24 bits por 96 Khz, utilizando conversores analógicos digitais de excelente qualidade, voltados para gravar de forma cada vez mais fiel todas as nuances que compõe o espectro sonoro. Com certeza, qualquer gravação realizada em sistemas desse porte, quando comprimidas para o formato mo3 perderão boa parte dessa qualidade sonora que é o seu diferencial.

O mp3 está presente também dentro do processo criativo, através dos milhares de samplings e loops que estão disponíveis na rede nesse formato, servindo de base para diversas criações sonoras. Não que antes não existissem essas possibilidades, uma vez que a música techno, por exemplo, surgiu ainda nos anos 80; mas a possibilidade de que milhões de arquivos pudessem ser compartilhados por usuários do mundo todo é uma decorrência do formato mp3. A música, composta nota a nota em um papel e instrumento, hoje é realizada através de amostras de outras músicas, que são montadas digitalmente em diversos softwares, o que acaba por se tornar uma espécie de marca registrada da cybercultura (Levy, 1999:17) em que vivemos hoje. É cada vez mais freqüente que os músicos produzam sua música a partir da amostragem e da reordenação de sons, algumas vezes trechos inteiros, previamente obtidos no estoque das gravações disponíveis. Essas músicas feitas a partir de amostragens podem, por sua vez, ser também objeto de novas amostragens, mixagens e transformações diversas por outros músicos, e assim por diante. (Levy, 141)

O desenvolvimento de softwares voltados à criação musical traz a capacidade do músico trabalhar não mais sobre nota a nota no processo de composição, mas sim sobre eventos completos, trechos de áudio de outras canções e características de execução de outros artistas. Quando se utiliza um loop de outro autor, não é somente a informação musical que está sendo absorvida, mas também o modo de execução de determinado instrumentista, algo que teve seu início nas experiências de world music dos anos 80 com artistas como Peter Gabriel. Hoje, com a popularização da tecnologia, a utilização dos samplings tornou-se acessível, inclusive aos não músicos, desde que saibam manipular corretamente os softwares de edição de áudio.  Essa é uma das grandes discussões que hoje envolvem tecnologia e criação sonora: até onde é necessário um real conhecimento de musica para que se possa compor a partir de loops e samplings? Dentro da evolução da tecnologia, isso jamais havia sido possível até o surgimento dos softwares e dos milhões de amostras em mp3 que trafegam pela rede. Pelo contrário, algumas tecnologias exigiam profundo conhecimento musical para serem corretamente utilizadas, como a técnica de gravação multipista que necessita de um conhecimento bastante profundo de orquestração e arranjo para sua plena utilização. Manipular um software como o Acid ou Reason exige muito mais um profundo conhecimento técnico que musical, no sentido definido por Aumont (AUMONT; 1993: 178) de técnica como manipulação da tecnologia. Com isso, surge uma nova geração de artistas que não se sabe ao certo como defini-los, se como criadores, tecnólogos, híbridos que se expressam unicamente pela tecnologia, algo principiado com os DJs da década de 80 e seus procedimentos que os aproximam do ready made de Duchamp, como os exercícios de colagem, citação e bricolagem existentes na sua música. Porém, mais do que os exercícios citados, que antigamente eram praticados sobre músicas e discos criados com essa finalidade específica, hoje o mp3 disponibiliza na rede milhões de amostras anônimas, que acabam por ser utilizadas novamente por milhões de outros criadores, e muitas vezes não será fixada em nenhum suporte: sua duração será apenas até ser deletada pela última vez. Esse procedimento contraria os mais de cem anos de música gravada em algum tipo de suporte, onde registrar o trabalho era a proposta fundamental dos artistas, que viam na capacidade de venda do suporte a possibilidade do sucesso. E sendo fixada, a música procurava ser original, uma vez que podia ser comparada às outras, algo que não ocorre no efêmero da rede. A criação musical sobre amostragens e loops de áudio que servem simultaneamente a centenas de composições, assim como quase toda a maioria da tecnologia utilizada na música popular remetem a Adorno e sua discussão sobre indústria cultural onde ele coloca que

“o insistentemente novo que ela oferece, permanece em todos os seus ramos, a mudança de indumentária de um sempre  semelhante, em toda a parte a mudança de indumentária de um sempre semelhante; em toda parte a mudança encobre a mudança de um esqueleto no qual houve tão poucas mudanças como na própria motivação do lucro desde que ela ganhou ascendência sobre a cultura.” (Adorno, Cohem, 289).

A música produzida assim não difere em nada da produzida pelos modos tradicionais, reafirmando os modelos da música pop de consumo produzida desde o surgimento do rock’n’roll até a atualidade. Com isso, pode-se dizer que as grandes alterações provocadas pelo mp3 limitam-se as questões tecnológicas e de distribuição musical, onde a rede é introduzida como um novo elemento nessa questão. Afinal, a web somente passou a ser vista como um novo território para a circulação musical após o surgimento do mp3, que permitiu tecnicamente a transmissão de arquivos sonoros pela rede, e é justamente esse potencial que causou todas essas transformações. O formato mp3 também desvinculou definitivamente a música de seu suporte, rompendo a tradição de um século da indústria fonográfica onde os sons sempre estavam fixados fisicamente, rompendo barreiras geográficas e colocando a música definitivamente na esfera do virtual. Isso quebrou o monopólio dos grandes selos de gravação, mas não pelo fato de trazer ao artista o controle sobre a distribuição de sua produção, e sim pela possibilidade de que todas as músicas possam ser compartilhadas e disponibilizadas sem nenhuma forma de pagamento. Logicamente, tanto os artistas, quanto o público e as gravadoras estão aprendendo a utilizar essas novas potencialidades que apontam para um novo modelo de distribuição musical, em uma lenta transição que já dura dez anos e ainda levará muito tempo até se estabelecer definitivamente. Porém, no mercado brasileiro parece que isso será um tanto quando diferente, principalmente pela questão custo, no que se refere aos consumidores e às estruturas de produção necessárias por parte dos grandes selos de gravação

Por outro lado, movimentos como o tecnobrega (www.bregapop.com) do Pará ou o funk carioca se apropriaram dessa tecnologia de forma significativa e, se hoje movimentam multidões de fãs, é justamente por ter utilizado o mp3 e a web como ferramentas de divulgação e comercialização. Pode-se perceber que o domínio bregapop.com é um domínio internacional, uma vez que para registrar o domínio no Brasil é necessária uma estrutura jurídica que, com certeza, na sua informalidade, não existe.

“Produzido com alta tecnologia (o MP3 é sua mídia oficial), divulgado pelas rádios locais e centenas de aparelhagens (gigantescas paredes de caixas de som que chegam a reunir 5 mil pessoas por noite, quatro vezes por semana) e dissipado por camelôs (a pirataria é seu grande divulgador), o tecnobrega fomenta um novo modelo de (ou “para a”) indústria fonográfica” (Bittencourt, 2007).

O artista aqui não vive mais do direito autoral nem da arrecadação da venda de discos: estes são apenas ferramentas de divulgação para que seu trabalho seja contratado, e a pirataria é a forma de divulgação e distribuição oficial do movimento.

O que torna o tecnobrega particular é que os artistas que o produzem não têm gravadoras. Eles enviam suas canções para as rádios em formato MP3. Fazem o mesmo com os camelôs, que se encarregam de produzir os cds para vender nas ruas, arcando com os custos de prensagem e impressão das capas. Ou seja, as gravadoras são o quintal da casa dos camelôs. Alguns cds são gravados ao vivo e vendidos já na saída do show. (Ministério da Cultura, Fóruns de Cultura, Propriedade Intelectual em xeque, 2006)

A margem do mundo oficial, dos impostos, gravadoras e direitos autorais, a tecnologia vai recriando a cidadania e a expressão de uma geração que não teve seu rosto espelhado no universo midiático estabelecido. Com isso, novas formas de utilização da tecnologia e da gravação são apreendidas e criadas quase que diariamente levando em conta as necessidades específicas de cada grupo social brasileiro.

Claramente, apenas uma certeza, e esta se aplica a todos os mercados fonográficos do mundo: as gravadoras terão de aprender a comercializar informações e não mais suportes físicos (Piccino, 2006:102). Além disso, o termo “mercado fonográfico” parece obsoleto para definir um mundo onde cada um é capaz de gerenciar seu próprio meio de criação e distribuição musical, onde os excluídos da mídia podem ter voz e circulação. Extrapolando para a criação audiovisual, algo semelhante ao ocorrido na Nigéria, que se tornou um dos maiores produtores mundiais de cinema.

O último atlas do cinema mundial feito pela prestigiosa revista Cahiers du Cinema inclui a Nigéria entre os maiores produtores de filmes do mundo (mais de 1200 por ano). Algo muito curioso para um país que simplesmente não possui salas de cinema. O milagre deve-se ao surgimento de um mercado de filmes feitos para serem vendidos diretamente em DVD. E ainda mais interessante: por camelôs – todos os filmes são vendidos nas ruas, por menos de três dólares (Lemos, 2006).

Com isto, toda uma sociedade se engaja em seu retrato midiático, e provavelmente esse fenômeno nigeriano se deva a isto: os assuntos e temas retratados em seu cinema são os que encontram eco no gosto do público ao qual são dirigidos. Longe dos modelos da indústria cultural, padrões de produções globalizados e similares, a Nigéria, apoiada em tecnologias de baixo custo, reflete sobre sua cultura através de um recorte tecnológico sem precedentes na história do cinema, fazendo com que os processos de produção e principalmente os de circulação tenham de ser repensados em sua totalidade. E é isso que a indústria fonográfica mundial tem a aprender com as novas tecnologias.

BIBLIOGRAFIA

Adorno, T. W. – A Indústria Cultural   In: COHN, Gabriel (org.)   Comunicação e Indústria Cultural, 5. ed. São Paulo, T.A. Queiroz 1987, p. 287-295.

[1]Aumont, Jacques –     A imagem – Campinas, SP, Papirus, 1993

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Bittencourt, Bruna. 2007.  “Guerrilha dos toca discos”, Radiolaurbana. In <(http://www.radiolaurbana.com.br/index.asp?Fuseaction=Conteudo&ParentID=4&Menu=4&Materia=837> [Consulta em 12/01/2007}

Corrêa, Rafael. 2007. “Liberdade para a Música Digital” Veja In <http://veja.abril.com.br/140207/p_103.shtm.> [Consulta em 17/02/2007]

Colleman, M.  Playback: from the vitrola to MP#, 100 years of Music, Machines and Money. Cambridge, DaCapoPress, 2003

Flesh, José Norberto. 2007. “Vocalista do Coldplay se irrita com perguntas de jornalistas em SP “Folha On Line.

In http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u68907.shtml. [Consulta em 28/02/2007]

Folha de S.Paulo Download de música digital no Japão supera vendas de CDs em 2006. In < http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u21692.shtml> [Consulta em 24/02/2007 – 15h20]

Lemos, R. “Cinema Povo“, in

<http://www.culturalivre.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=43&Itemid=47, 17/02/2006> [Consulta em 12/12/2007]

Levy, Pierre. Cybercultura. São Paulo, Editora 24, 2005

Ministério da Cultura.   “Propriedade Intelectual em xeque.”

In<http://www.cultura.gov.br/foruns_de_cultura/cultura_digital/> [Consulta em 20/03/2007]

Negroponte, N. A vida digital, São Paulo, Companhia das Letras, 1995

Paiva, J.E.R. 2006. “Mp3 na contramão da história”, Diapason 4, 96-97.

Paiva, J.E.R, 1998. “Tecnologias de Compressão de Áudio Digital e Novas Possibilidades Musicais”. Cadernos da Pós Graduação 2, 91-97.

Piccino, Evaldo – Mudanças de Suportes Sonoros no Mercado Fonográfico Brasileiro. Capítulos Digitais e Analógicos de uma Novela Muito Antiga. Tesis (Mestrado em Multimeios): IA-UNICAMP, Campinas, 2007.

Ré, Adriana; Medeiros, Jotabê. 2007.  “Previsões do futuro do CD são as mesmas entre músicos e indústria”, O Estado de São Paulo, Caderno 2, 05-04-2007, 08-09.

Reis, Aloísio.1976.  “Porque o Disco Custa Tão Caro”   Jornal de Música e Som, 1976, 25, 12-13

Silva, M M. 2006. “Processar quem baixa MP3 é um erro” O Estado de São Paulo, In<http://www.estado.com.br/suplementos/info/2006/11/20/info1.93.8.20061120.32.1.xml> [Consulta em 20/02/2007]

Vialli, A. “Gravadoras, enfim, no mundo digital”  O Estado de São Paulo In< http://txt.estado.com.br/editorias/2006/08/20/eco-1.93.4.20060820.19.1.xml?> [Consulta em 12/01/2007]

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[1] O projeto Eureka destinava-se a desenvolver processos de compressão de áudio digital voltados à utilização em processos de comunicação.

[2] Uma rede Peer-to-Peer (P2P) é constituída por computadores ou outros tipos de unidades de processamento que não possuem um papel fixo de cliente ou servidor, pelo contrário, costumam ser considerados de igual nível e assumem o papel de cliente ou de servidor dependendo da transação sendo iniciada ou recebida de um outro peer da mesma rede

[3] Uma rede Peer-to-Peer (P2P) é constituída por computadores ou outros tipos de unidades de processamento que não possuem um papel fixo de cliente ou servidor, pelo contrário, costumam ser considerados de igual nível e assumem o papel de cliente ou de servidor dependendo da transação sendo iniciada ou recebida de um outro peer da mesma rede

[4] Segundo alguns dados divulgados pela RIAA, no ano de 2006 foram baixadas 20 bilhões de músicas sem o pagamento de direitos autorais.

[5] Algo semelhante aos fabricantes dos primeiros fonógrafos, que perceberam rapidamente a inutilidade de fabricar reprodutores sem discos para serem reproduzidos.

[6] É interessante notarnos que, sob a alegação da crise no mercado fonográfico, algumas gravadoras brasileiras vem destruindo parte de seus acervos, como a Universal, que deverá “reduzir drasticamente seu acervo (Medeiros, Ré, 2007: 08-09)

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