Simplesmente sincero
Por Jun Yassuda Júnior*
Um casal de dois homens faz planos para o futuro, levam uma vida calma até que alguém morre e uma criança surge no meio do casal. Pedro Almodóvar faria um filme talvez tenso, com cartela de cor quente, chocaria o público com cenas fortes até que, em algum momento, choraríamos. Já o noveleiro Manoel Carlos os colocaria no Leblon, ao som de uma bossa calma, onde passeariam pela praia com o dorso nu, já que seriam belos e educados, de classe média, e a criança seria engraçadinha, quase uma boneca. E o jovem Daniel Ribeiro cria um filme sensível, sensato e contemporâneo.
O premiado Café com Leite conta uma história tragicômica, com fotografia limpa e natural, de dois namorados que se vêem numa enrascada: como cuidar de uma criança, um menino de dez anos, que até então não sabia quase nada sobre sua vida?
O curta exibido na Mostra Brasil, do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo evidencia no início, um certo lugar comum. Dois belos homens, só de cuecas na cama, se beijam e planejam viagens, num mundo muito perfeito, onde a direção de arte se mostra sincera, com elementos da classe média brasileira. Mas o diferencial do filme está justamente na serenidade em que os assuntos cotidianos são tratados, como quando você não sabe o modo como seu irmão mais novo gosta do seu leite matinal. Não há exploração da morte dos parentes, e sim uma história de amor contemporânea e madura, mostrando que mesmo com problemas, dois amores, diferentes se comparados, tem certa chance de conviverem num mesmo espaço.
Mesmo em um ambiente cultural privilegiado como o Festival, o preconceito e possível desconforto diante uma história de amor de dois homens, e ainda por cima, com uma criança, são notados nas ações dos espectadores, com alguns deixando a sessão antes do filme terminar. Mas durante a exibição ninguém se levantou, e grande maioria ficou apreensiva para saber o rumo que o diretor Daniel Ribeiro daria para o casal.
O curta-metragem não é, de maneira alguma, panfletário. Não há discussão da causa homossexual, dos direitos dos gays, da prevenção de doenças e muito menos da adoção por casais gays. E esse é um dos méritos do filme: não levantar bandeiras comuns, já vistas em outros lugares ou discutidas em acalorados debates. Não estou discutindo a validade dessas discussões, e sim que, para este filme, esse tipo de temática não beneficiaria a ficção, acrescentando elementos interessantes a ela. Penso que a ficção de Café com Leite se completa e se basta. Sem colocar a bandeira do arco-íris em foco. O final é honesto com os personagens e com o público, e obviamente, não contarei nesta resenha.
Acredito que o filme foi um dos destaques deste festival, e seu mérito é o de não estar fechado em nenhum programa, tanto que fez sucesso não só no Brasil, mas também em Berlim, Torino e Miami. Café com leite carrega a inocência e honestidade no tratamento de fatos da vida de qualquer um, e com sua narrativa simples e bela, nos identificamos, emocionando-nos.
*Jun Yassuda Júnior é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).