Inquietos (Gus Van Sant, 2011)

Regiane Ishii*

Uma Fabulação Adolescente

Cartaz americano de Inquietos, novo filme de Gus Van Sant.

“É uma questão de perspectiva, ou de fé. Nascemos com um prazo limitado para interpretar o mundo. Fazemos o que podemos. Atribuir um propósito superior a um lance qualquer da vida é construir uma ficção muito pessoal. Dar sentido ao mundo é um ato criativo. Uma visão de mundo é uma narrativa.”

Cordilheira, Daniel Galera

Em Inquietos, três meses é o tempo de vida previsto para Annabel (Mia Wasikowska). À beira da morte, a adolescente fabula a narrativa do tempo que lhe resta na companhia de Enoch (Henry Hopper). Depois de se conhecerem no funeral de um estranho, ambos tecem, encontro a encontro, o véu invisível que cobre os apaixonados. Sob um pacto que inclui ilustrações de pássaros, xilofones e até um amigo japonês “fantasma”, o casal se deixa seduzir pelo que lhe é mais precioso. Num processo onde abraçar as esquisitices do outro confere uma elevação dos personagens, Enoch encontra em Annabel uma saída a sua letargia blasé, tão comum quando se é adolescente e quer preservar a incompreensão dos que estão de fora.

Mila Wasikowska é Annabel Cotton em "Inquietos"

Desta vez dentro de uma atmosfera bem mais hollywoodiana, que beira o piegas por diversas vezes, Gus Van Sant retorna aos personagens adolescentes. Se não há o mesmo tom autoral de Elefante (2003) ou Paranoid Park (2007), mantém-se certa ”existência cinematográfica” vivida por estes jovens. Nela, os poros estão mais abertos e o vivido é encaminhado aos espaços privilegiados da memória.  Descolados da realidade que os circunda, Annabel e Enoch formam o que talvez seja o Plano mais bonito do filme ao riscar com um giz o contorno de seus corpos no asfalto. Risco que normalmente funciona como indicativo da presença de um morto no chão, aqui aparece sem sangue ou vísceras. É apenas a delimitação do universo que lhes basta.

Universo particular é o que basta para o casal durante os últimos dias de Annabel

A beleza e o potencial cinematográfico destas experiências não passam despercebidos ao casal que, inclusive, encena antecipadamente o momento da morte de Annabel. Envolvido no filme, o próprio espectador pode se deixar emocionar pelas fantasias e projeções dos personagens em relação ao grande final de sua separação e demora a se dar conta que aquela morte é apenas uma encenação.

Sem a profundidade de seus outros filmes, Gus Van Sant cria uma experiência cinematográfica bela em "Inquietos"

Às vezes, queremos estar num filme bonito. Queremos viver uma fotografia específica. Se a morte de Annabel era inevitável, Inquietos dá vazão à legitimidade do desejo de viver seus últimos dias com uma direção de arte que transcenda as cores de um hospital, que a possibilite separar os doces do Dia das Bruxas em filos e reinos, que a permita vestir uma fantasia de gueixa. A capacidade de enxergar Hiroshi (Ryo Kase) pode ser a metáfora do compartilhamento, literal, de novas visões de mundo.

*Regiane Ishii é graduada em Midialogia pela Unicamp

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