João Paulo Capelloti*
James L. Brooks é conhecido não só por ser um dos criadores d’Os Simpsons, desenho que, em sua 22ª temporada, permanece como um dos maiores sucessos da televisão americana. Parte de sua notoriedade se deve ao seu excelente Melhor é impossível (1997), filme que, apesar de todo o cinismo e humor negro, falava sobre altruísmo. Contudo a mistura de mel e vinagre não é tão bem dosada por Brooks em seu novo trabalho. Mas, ainda que tenha suas falhas de ritmo e padeça pelo uso de alguns clichês, Como você sabe (How do you know, 2010) cumpre de maneira razoável seu “papel” de comédia romântica: reforça a mitologia do príncipe encantado e faz rir aqui e ali. Seu diferencial, que está em seu substrato, é a reflexão que pode proporcionar justamente a partir da análise do restante da obra do diretor, notadamente os já mencionados Melhor é impossível e Os Simpsons.
Porém, antes das reflexões, a história.
A trama gira em torno do triângulo amoroso formado por Lisa (Reese Whiterspoon), Matty (Owen Wilson) e George (Paul Rudd) e, nesse sentido, não foge à regra básica da comédia romântica de se desenvolver a partir da pergunta: “quem vai ficar com a protagonista?”.
Lisa é uma jogadora de beisebol que acaba de ser cortada da seleção americana e, enquanto tenta superar o baque, conhece os dois tipos antagônicos que vão disputar seu coração. Matty, também atleta, é milionário, galinha e ególatra. Tenta provar que está fazendo esforços verdadeiros “para se tornar monogâmico”. George é um CDF, frequentemente dominado pelas pessoas ao seu redor, que administra a empresa fundada pelo pai, Charles Madison (Jack Nicholson), e está, involuntariamente, em sérios apuros jurídicos.
O ridículo dos dois pretendentes de Lisa é o responsável pela maior parte das risadas arrancadas pelo filme. De George, a breguíssima música que canta, em duas oportunidades, e a confissão de que possui um DVD do desenho Bambi. De Matty, sua excessiva autoestima (ele chega a dizer “Sou gostoso e sensual”) e falta de tato.
Owen Wilson esbanja um carisma politicamente incorreto desde a primeira cena, embora talvez seu conforto no personagem seja resultado do fato de estar interpretando um tipo que conhece bem – o mesmo que fez em Penetras bons de bico (2005) e… bem, algo próximo de si mesmo. Por sua vez, Paul Rudd se desincumbe da difícil missão de convencer como loser, algo essencial para que a platéia não rejeite tanta inércia e tanto azar. E Reese Whiterspoon (que andava meio sumida desde seu Oscar de melhor atriz por Johnny e June) segura como pode as idas e vindas da protagonista sem torná-la demasiadamente fútil ou volúvel.
A contraposição entre o pretendente canalha mas bom de cama e o bom moço com algumas doses de vergonha-alheia não é exatamente nova, mas nunca foi tão bem explorada como em O Diário de Bridget Jones (2001), em que a personagem título (Renée Zellweger) se via dividida entre as cantadas impublicáveis de Daniel Cleaver (Hugh Grant) e o suéter de alce de Mark Darcy (Colin Firth). Embora não se alcance aqui este patamar, o saldo final de Como você sabe não é ruim, principalmente graças às questões por debaixo dos traços cômicos dos protagonistas.
Lisa quer demonstrar que sabe perder e tem classe para aceitar com dignidade o chute que levou. Acha que não é necessário ouvir a ninguém: a solução está pronta nas mensagens motivacionais escritas em post-its colados no espelho do banheiro. É como se precisasse dizer a si mesma que está no comando. Lisa, aliás, parece um livro de auto-ajuda ambulante: tem citações de efeito para todo tipo de situação.
Mas, como logo descobrirá, Lisa não pode, sozinha, sair do fundo do poço. E aí entram as histórias exemplares contadas por Matty e por George, que, não por acaso, remetem, respectivamente, aos mundos da auto-ajuda dos esportistas e dos executivos, que Lisa conhece de cor. O que aparentemente se defende, porém, é que há momentos em que auto-ajuda não é suficiente: é preciso, por assim dizer, uma hetero-ajuda.
Brooks retoma o altruísmo de outrora invertendo a perspectiva: se em Melhor é impossível o irascível escritor Melvin Udall (Jack Nicholson) se descobria uma pessoa melhor depois de ajudar o vizinho gay (Greg Kinnear), com resultados amplamente positivos para seu sua devoção pela garçonete Carol (Helen Hunt), em Como você sabe é a pessoa ajudada (Lisa) que percebe que não se basta por meio das duas mãos que lhe são estendidas, de modos bastante distintos. Deste modo, qual história exemplar Lisa irá preferir – se a do gato ou a da massinha de modelar – será a chave para responder a pergunta (da qual todo mundo sabe a resposta) “quem, afinal, fica com a protagonista?”.
Há no subterrâneo deste processo alguma crítica à cultura da auto-ajuda e referências aos traumáticos balanços maquiados da Enron, no qual fraudes contábeis implodiram gigantes do capitalismo norte-americano (tema abordado com mais escracho em As Loucuras de Dick e Jane (2005), de Dean Parisot, com Jim Carrey).
Mas o foco da atenção de Brooks, aqui, é mesmo o quanto a honestidade, a boa educação, o saber ouvir, a timidez e a espera soam fora de moda nesses dias em que tudo é rasteiro, seco, verborrágico, explícito e veloz. Nesse sentido, não se poupam esforços para desconstruir George (que soa tão démodé quando comparado a Matty, apelido de um nome nunca revelado) apenas para, mais tarde, se ter a impressão de que aquelas virtudes, à primeira vista tão ultrapassadas e risíveis quanto um suéter de alce, significam, na verdade, o que se espera do príncipe encantado. Embora, para isso, pese a mão em alguns momentos: a contraposição entre o apartamento impessoal e o que tem comidas etiquetadas e fotos de formatura, antes um toque inteligente da direção de arte, ao final se transmuda no “presente caro” versus “o presente barato, mas com apelo sentimental”.
É verdade que, aparentemente, Como você sabe tem ambições mais modestas que Melhor é impossível (o que talvez justifique, por exemplo, Jack Nicholson no piloto automático e a trilha sonora burocrática de Hans Zimmer). Ainda assim, há no fundo dessa queixa sobre o amor em série, inserido nesses tempos em que decidir morar junto não é mais tabu, mas fato comum e, não raro, impensado, o tema fundamental da obra de Brooks (e nisso se inclui Os Simpsons), que é a necessidade dos seres humanos, em toda sua dimensão ridícula, de ajudarem uns aos outros.
João Paulo Capelotti é graduado em Direito pela UNESP/Franca e mestrando em Direito das Relações Sociais na UFPR.