Thiago Köche*
Houve uma época em que o cinema de animação era sinônimo de filme para crianças. As obras “infantilóides” afastavam os casais adolescentes (grande público consumidor), atraindo apenas famílias, com crianças que gritavam nas sessões e pais que bocejavam de tédio. As produtoras tiveram que dar um jeito de fazer histórias universais que tocassem a todos, afinal, cinema é business. A Pixar foi pioneira no quesito.
Com a série Toy Story, Os Incríveis (Brad Bird, 2004), Ratatouille (Brad Bird e Jan Pinkava, 2007), Wall.E (Andrew Stanton, 2008) e UP – Altas Aventuras (Pete Docter e Bob Peterson, 2009), a Pixar se consolidou como a maior produtora de cinema de animação do mundo, sempre com muitos espectadores, unindo temas universais com filmes impecáveis – e claro, emocionantes.
Rio (Carlos Saldanha, 2011) chega com uma proposta parecida, mas com leves toques de diferença, que fazem o longa-metragem se sobressair dos seus concorrentes. Como a própria cidade do Rio de Janeiro, Rio é um filme alegre, divertido e contraditório. Carlos Saldanha conta a história de Blu, uma arara azul em extinção, que logo quando filhote fora capturada por traficantes de animais exóticos e vendida nos Estados Unidos. Em terras norte americanas, o caminhão que transportava os animais ilegais freia num sinal vermelho e a caixa com Blu cai acidentalmente. Linda, uma doce menina, acha essa caixa na nevosa Minnesota. Blu é então adotado pela garota que, ao crescer, abre uma loja de livros e lá vive uma pacata e feliz vida com o pássaro. Tudo muito tranqüilo até Túlio, um biólogo brasileiro, visitar a loja da dupla e dizer que Blu é o único macho da sua espécie! Jade, a última fêmea se encontra… no Rio de Janeiro! A idéia parece absurda, mas Linda topa ir à Cidade Maravilhosa por um bem maior, onde Blu pode passar por tudo que nunca passou trancado em uma pequena loja na fria cidade americana (que era como um ovo confortável): desafios, amizades, amor, brigas e o pior de tudo, não saber voar, deficiência que tenta superar desde pequeno. A maturidade, até então, nunca confrontada pelo pássaro.
A primeira coisa que vem aos brasileiros é a “síndrome de país colônia”, ou seja, será que eles estão falando mal do Brasil?
O filme, obviamente, é estereotipado, até porque provavelmente o único longa-metragem que chegou perto de explicar a complexidade dos problemas sociais do Rio de Janeiro foi Tropa de Elite (José Padilha, 2006), que se trata de um filme sociocultural. Mas Rio é diferente. Rio é um filme de animação, tem a finalidade de entreter, logo, deveria apresentar somente o bom lado da cidade. Mas não o faz assim.
Os pontos turísticos, todos, estão lá. O Corcovado, o Pão de Açúcar, a calçada de Copacabana, o bondinho do morro Santa Marta, o Jardim Botânico, a favela (e é hipocrisia dizer que a favela não é ponto turístico), a Marquês da Sapucaí, o carnaval, o futebol (patrimônio nacional) e claro, a natureza exuberante. O filme começa com um plano geral da cidade, abrindo até uma floresta, com pássaros sambando, e entre eles, o bebê Blu. Saldanha começa dizendo que a alegria da cidade vem da harmonia e da diversidade tanto da nossa fauna, quanto da nossa gente. Mas o diretor não ofusca a realidade, mesmo sendo um filme dicotômico, como qualquer longa-metragem de animação inevitavelmente o é. Logo Blu é raptado por contrabandistas de animais exóticos, prática muito comum no Brasil. São ilustradas, então, as maravilhas e complexidades da cidade. A realidade não é escondida.
Saldanha também não ofusca outros defeitos do brasileiro: a promiscuidade, com a falta de jeito de Linda perante ao estilo brasileiro de se portar. O tucano Rafael que tem alguns vários tucaninhos; a briga de gangues rivais, quando pássaros e macacos se enfrentam no meio da favela carioca; o furto de turistas encantados, como quando a cena dos macacos furtando os desavisados no Cristo Redentor; o descompromisso do povo, encantado com o carnaval, esquecendo o próprio trabalho, como o guarda do centro de recuperação de aves onde Túlio trabalha; e o próprio contrabando de animais, crime mais comum do que o imaginado, que transita invisivelmente pelo nosso país, são elementos cruciais para essa brutal diferença de comportamento que choca Linda – e Blu.
A simplicidade do brasileiro não fora esquecida – a pobreza do menino Fernando, dormindo no telhado de um barraco, sem família, com uma linda vista para a cidade turística é um dos planos mais instigantes do filme. Pobreza e riqueza sem iguais num plano só. Geralmente quando um menino pobre aparece numa animação americana ele ronda a cidade e vê de fora uma linda casa, com uma linda família jantando em uma longa – e linda – mesa farta. Fernando, ao subir para seu barraquinho, vê pela janela uma simples família tocando pandeiro e sambando. É a simplicidade da alegria do povo brasileiro. Saldanha não maquia seu país, mas também não o crucifica. O ponto de vista sobre o Rio de Janeiro é turístico, sim, mas sem ofuscar a realidade. Mesmo sendo uma animação, onde entreter e ser feliz é o foco.
Rio se diferencia por isso também: ao contrário de filmes que são feitos propositalmente para você chorar, se emocionar, recordar do filme e depois consumir seus bonecos, DVDs, Blu-Rays, sites, jogos de videogames, entre outros sub-produtos, Rio é alegre, Rio é feliz. Claro, tem seus momentos emocionantes, mas não se preocupa em fazer chorar, mas sim em divertir, como o espírito da cidade do Rio da Janeiro é. Mas como bom brasileiro, além de fazer sucesso profissional, faz uma projeção turística ao redor do mundo melhor do que qualquer investimento do Ministério do Turismo. É muito provável que milhões de reais serão movimentados dentro do Brasil em motivo do filme.
O elemento 3D é utilizado de forma magistral durante todo filme. Como já é prática dos filmes “sérios”, poucas vezes coisas são jogadas na tela como se a obra fosse um show. O 3D é utilizado para dar profundidade de campo entre cenário e personagens, e nada melhor do que pássaros voando pelos cenários mais lindos do planeta Terra (mesmo que em animação). 3D usado de forma inteligente, que aliás, a Pixar ensinou todos a fazer com UP – Altas Aventuras.
É justamente este bom equilíbrio entre entretenimento, bom roteiro, boa direção, bons personagens, elenco impecável e acima de tudo um bom produto audiovisual, sem esquecer como é a cidade que leva o nome do filme, é que Rio de destaca entre outras animações recentes. Nos elementos essenciais de uma animação, ele é o que melhor equilibra todos os quesitos da forma mais completa.
Nenhuma produtora do gênero chegou perto do sucesso da Pixar. Nem Dreamworks, nem a Blue Skies. Mas Carlos Saldanha se destaca. Começou co-dirigindo Era do Gelo (juntamente com Chris Wedge, 2002), depois dirigindo Era do Gelo 2 (2006) e 3 (2009), e agora vem com um filme que bate frente com qualquer filme da “toda-poderosa” Pixar.
*Thiago Köche é graduado em realização audiovisual pela universidade UNISINOS
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Sou escritor e minha trilogia se chama Samauma e o povo das Américas. Gostaria de presentear Carlos Saldanha com estes livros. Como faço?
Olá, provavelmente seria melhor entrar em contato com o autor diretamente.