CRÍTICA | Ainda estou aqui (2024), Walter Salles

Ainda estou aqui (2024)

Por: Arthur Matsubara Barroso

Redação RUA

O novo filme de Walter Salles, estrelado por Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro é o indicado pela Academia Brasileira de Cinema para concorrer ao Oscar 2025. O drama ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cinema de Veneza e estreou em primeiro lugar nas bilheterias do Brasil. A adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva conta a história de Eunice Paiva buscando respostas à prisão e ao desaparecimento de seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva, durante a ditadura militar.

Os primeiros minutos do longa mostram cenas banais do cotidiano da família que, em uma primeira análise, não apresenta problemas conjugais ou financeiros. Porém, durante essas felizes sequências sempre há um mal perseguindo os personagens, que, na medida do possível, não se deixam abalar por sua presença. Mesmo assim, é nítido o desconforto que esse ruído transmite, sendo o barulho de um helicóptero, uma blitz ou mesmo as “reuniões” que Rubens tinha em sua sala. Aqui o Selton Mello se sai muito bem, ele esconde todo o peso de estar se envolvendo com questões políticas, mas não deixa que isso atrapalhe a vida da sua família.

A Partir do momento que ele é preso, todo esse peso de Rubens passa para Eunice, que ao mesmo tempo que precisa lidar com todo esse terror, ela precisa proteger seus filhos. A casa, que costumava ser bem iluminada, alegre e com vários convidados passa-se a se tornar fria e sombria, com uma inquietação da esperança que vai cada vez mais se distanciando, mas nunca deixando de existir. Após a prisão de Rubens, a direção toma por completo a perspectiva da Eunice, direcionando toda a nossa atenção à atuação brilhante da Fernanda Torres. Cada olhar, gesto e feição acrescenta uma enorme complexidade à personagem, desde a empatia e ressentimento da conversa com o amigo de Rubens, até o alívio de receber o atestado de óbito do marido.

A trilha sonora é outro aspecto que vale ser ressaltado, os momentos chaves do filme são ou acompanhados ou procedem a música. A presença do tropicalismo em um filme sobre a ditadura militar não é surpresa, mas Salles consegue extrair muito bem sua essência. Ela é a calmaria depois de uma tempestade, um momento alegre em meio ao caos, mas nunca nega a existência do mal que os cercam, utilizando justamente essa tempestade como meio de se conectar com a dor dos personagens.

Antes da minha sessão eu vi um trecho de uma entrevista com a Fernanda Torres sobre a possibilidade do oscar, onde ela basicamente fala que só de existir a possibilidade de uma indicação ao oscar já é motivo de “estourar o champanhe”, e que o oscar é sim importante, mas deixar de ganhar ou de ser indicado não muda a grandiosidade do filme. O longa por si só já é um grande acontecimento, uma história sobre a ditadura ser aclamada e vista por milhões de brasileiros durante uma onda da extrema direita e do apagamento das vítimas do regime militar por si só já é a sua justificativa de existência. Independente disso, eu ainda vou continuar torcendo para a campanha do filme ao Oscar, mas caso não se concretize, isso jamais apagará a memória popular de Eunice e de outras vítimas da ditadura.

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