Crítica | Querido Evan Hansen (2021), de Stephen Chbosky

Muitas pessoas demonstram dificuldades para se conectar com musicais, afinal, tais obras compreendem universos excêntricos onde personagens cantam e dançam de maneira espontânea sem causar estranhamento nos outros habitantes de seus mundos ficcionais. Assim, a imersão diegética ao se assistir um musical se mostra dependente de nossa adesão ao fantasioso, bem como de diretores dispostos a se aventurar em busca de abordagens inventivas para sua adequação ao meio fílmico. Da condução intimista dos números musicais (praticada, por exemplo, por John Carney no apaixonante Apenas Uma Vez) à espetacularização destes (como feito com primor por Bob Fosse em All That Jazz), um cineasta dispõe de incontáveis possibilidades audiovisuais para a realização de seu trabalho com primazia. Dito isso, Stephen Chbosky demonstra não ter o mínimo conhecimento do gênero que aceitou conduzir, e seu mais recente filme é a prova disso.

Em Querido Evan Hansen, adaptação cinematográfica do famoso musical homônimo que foi premiado nas principais categorias do Tony Awards de 2017, somos introduzidos a um estudante do ensino médio que sofre de ansiedade aguda, tendo dificuldades para se relacionar com as pessoas ao seu redor e se empenhando ao máximo para lidar com sua saúde mental em meio à era das mídias sociais. Circunstâncias atribuladas fazem com que o jovem se veja envolvido na elaboração de uma série de mentiras sobre seu relacionamento com um colega de classe que cometeu suicídio e, com isso, um forte vínculo afetivo com a família do falecido se estabelece.

Desde sua cena introdutória, o longa-metragem começa a expor suas fragilidades. Enquanto o protagonista digita em seu notebook uma carta endereçada a si mesmo, se inicia a performance de “Waving Through a Window”, e se o famoso musical da Broadway buscava abordar a todo momento temas ásperos como a exclusão social, a depressão e o suicídio, o filme de 2021 parece não compreender isso em sua totalidade, fazendo com que os versos de uma de suas mais potentes canções sejam interpretados visualmente de modo trivial. Ao passo que a letra da música traz consigo uma carga simbólica e metafórica no gesto voyeurista de olhar pessoas através de uma janela, Evan olha seus vizinhos pela janela de seu quarto, fazendo exatamente o que está sendo narrado, em uma interpretação simplória e literal.

No decorrer do número musical, percebemos que essa canção (tal como as subsequentes) não é diegética, o que explica o fato do tímido adolescente cantar em meio aos corredores lotados de seu colégio. Em adição a isso, Evan diz que ninguém parece se importar com ele ou sequer notar sua presença; todavia, se faz incoerente a escolha do acompanhamento sonoro de uma grande orquestra com variados instrumentos de cordas e uma empolgada bateria que traz ritmo aos versos de teor melancólico. Fosse intencional o distanciamento emocional causado pela cena do jovem que se sente solitário em meio a uma multidão, mas que ainda assim canta intensamente, como quem busca ser ouvido a qualquer custo, por que não entoar a canção a capella? Ora, a sensação de estranhamento inerente a uma pessoa que canta em um ambiente estudantil seria potencializada no meio sonoro, com a solidão do personagem se refletindo no ato dele cantar completamente sozinho e sem dispor de uma assistência instrumental. Longe disso, o que temos aqui é Hansen afirmando sua invisibilidade… com dezenas de backing vocals o acompanhando no refrão.

O descaso com as excelentes composições de Benj Pasek e Justin Paul é tão grande que, infelizmente, é possível atestar que o filme teria se engrandecido se os seus personagens não cantassem. Logo, o longa faz com que seus números musicais soem como itens obrigatórios de uma checklist em busca de fidelidade à obra original, e embora a natureza vívida e dinâmica das criações de Pasek e Paul implore por movimentos de câmera criativos, vide as performances de “Another Day of Sun”, em La La Land, e “The Other Side”, em O Rei do Show, Stephen Chbosky e sua câmera predominantemente imóvel vão na contramão destas referências. Um dos poucos momentos em que o diretor tenta imprimir algum senso de movimentação à objetiva pode ser visto na canção “Only Us”, mas com Evan e Zoe cantando estáticos e confinados em um pequeno quarto, a câmera se limita a girar ao redor do casal, como em um videoclipe, reafirmando o ínfimo conhecimento audiovisual do diretor no que concerne à condução de musicais.

Posto isso, as canções são conduzidas com tamanha indiferença e plasticidade que, em alguns momentos, a montagem parece querer ritmar seus cortes a partir da quantidade de sílabas cantadas, deixando o espectador desorientado em meio a uma grande quantidade de cortes por minuto, tão excessiva quanto a de blockbusters genéricos de ação. Com uma montagem que não respeita a construção geográfica das cenas, nem mesmo o princípio dos 180° é acatado, e os planos aparentam um receio em se prolongar por mais de 10 segundos, o que impede que uma conexão espectador-obra se instaure. Isso se deve a um descompasso entre o fotógrafo e o editor do filme, uma vez que a edição insiste em direcionar seus cortes de acordo com o ritmo das canções — e veja bem, se esta escolha estilística é prolífica quando empregada por diretores conscientes do processo de montagem de seus filmes, como Edgar Wright evidencia em longas como Em Ritmo de Fuga ou no recente Noite Passada em Soho, isso se deve a um cineasta que cumpre com brilhantismo a função primordial de um realizador fílmico: pautar as diferentes áreas do fazer cinematográfico à sua visão enquanto diretor. Se em boa parte das músicas de Querido Evan Hansen não parece haver uma comunicação eficiente entre a composição visual do quadro e o uso descomedido de cortes, isso se deve a um diretor que se recusa a cumprir o seu papel.

No que tange ao protagonista, temos Ben Platt retomando o papel que alavancou sua fama, escolha que presumivelmente se deve ao fato do pai do cantor ser também produtor do filme. Não é difícil imaginar outros atores interpretando o personagem — como diversos já fizeram na peça teatral após a saída de Platt, com destaque para os premiados Ben Levi Ross e Sam Tutty, ambos cinco anos mais jovens que o ator escolhido —, desta forma, a idade do intérprete selecionado, superior em dez anos ao suposto adolescente retratado no filme, se torna um grande empecilho para um bom aproveitamento de sua atuação, e a artificial maquiagem rejuvenescedora que inclui risíveis próteses de bochechas é acentuada pelo uso majoritário de close-ups que mergulham a câmera em seu rosto, prática que também escancara o desconforto do ator nativo dos palcos com relação a essa proximidade exagerada.

Entretanto, seria injusto reduzir a produção aos seus evidentes insucessos sem mencionar seus êxitos. Partindo de um diretor e um protagonista pouco compromissados com a fruição de uma obra que sofre para se encontrar entre a linguagem cinematográfica e a teatral ao longo de seus intermináveis 137 minutos de duração, o elenco feminino do longa se mostra como uma de suas maiores qualidades. Kaitlyn Dever se confirma como uma promissora atriz, e sua presença magnética em tela se traduz em uma performance admirável, potencializada por sua ostensiva aptidão vocal; Amandla Steinberg confere uma maior profundidade à sua personagem se comparada ao material-fonte, com seu ápice interpretativo na tocante e inédita “The Anonymous Ones”; Amy Adams acerta na representação contida do luto de uma mãe que acaba de perder seu filho, valorizando pequenos maneirismos como pausas prolongadas entre suas falas e desvios em seu olhar quando trata de temas incômodos; e Julianne Moore transmite em sua atuação o peso das dificuldades enfrentadas por sua personagem nos poucos minutos em que se faz presente na obra, remediando o clímax inconsistente do filme ao cantar “So Big / So Small” com paixão e afetuosidade.

No fim, Querido Evan Hansen decide ser uma vitrine para a abordagem de diversos temas significativos, mas discorre sobre todos com uma superficialidade que chega a ser desrespeitosa. Se o âmago da história exposta solicita uma conduta corajosa para tratar de tópicos pesarosos, Stephen Chbosky vai pelo caminho oposto e por vezes colabora para a estigmatização de indivíduos com transtornos mentais, resumindo o multifacetado Evan Hansen à sua condição psicológica. O que poderia se tornar um interessante exercício de adaptação de uma obra originária dos palcos para as telonas torna-se um não-musical, que rejeita a cada segundo sua natureza melódica ao mesmo tempo em que não abre mão de sua incrível trilha sonora. Desafortunado, o filme carece de um diretor que se importe com a linguagem singular de um musical, mas dispõe de um que não nutre a menor admiração pelo gênero.

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