Crítica | Tempo (2021), de M. Night Shyamalan

Quando O Sexto Sentido, terceiro longa-metragem de M. Night Shyamalan, estreou em 1999, o diretor indiano naturalizado nos Estados Unidos parecia uma das pessoas ascendentes mais promissoras da indústria. O longa foi amplamente bem recebido, principalmente pelo público — cunho que se manteve em seus dois próximos filmes, Corpo Fechado (2000) e Sinais (2002). No entanto, nos anos seguintes, aquele que parecia ser um dos diretores mais prometedores dos últimos anos acabou se perdendo. Principalmente na sequência desfavorável de filmes: A Vila (2004), A Dama na Água (2006), Fim dos Tempos (2008) e O Último Mestre do Ar (2010). Shyamalan parecia estar se envolvendo em projetos que eram cada vez piores. Contudo, em Tempo, seu mais novo lançamento, o cineasta volta para a linha do final dos anos 1990, aquela que fez ele ser quem ele é.

Baseado no romance de Pierre Oscar Levy e Frederik Peeters, Tempo narra a história de um grupo de pessoas convidadas pelo gerente do hotel onde estão hospedadas para passar um dia em uma praia isolada, reservada para clientes especiais. Pouco tempo após chegarem no local, fenômenos anacrônicos e anomalias sobrenaturais temporais afetam o carácter biológico dos indivíduos, fazendo com que eles envelheçam dois anos de suas vidas em apenas uma hora. Trabalhando muito bem com um grupo de personagens que sofrem com disfuncionalidade perante o meio em que vivem, o diretor entrega um filme de narração progressiva potente que se torna cada vez mais intensa, mas que, infelizmente, patina nos instantes finais. 

Bem como grande parte dos filmes escritos pelo diretor, os maiores problemas do longa são concentrados na inabilidade dele construir uma linha narrativa que seja tão forte quanto a obra exige. No entanto, não estou falando necessariamente sobre Tempo na totalidade, mas principalmente nas pequenas unidades fílmicas que, hora ou outra, não conseguem construir e manter uma estrutura harmônica no aspecto macro. Isso fica claro, por exemplo, quando você olha para os diversos diálogos soltos ao longo do filme que, potencializados pelas atuações forçando sotaques e uma seriedade duvidosa, entregam momentos engessados, assemelhando-se com algo originado por uma inteligência artificial. 

Mas, especialmente em segmentos menores, isso se torna um real problema quando percebemos que o fio condutor escrito por Shyamalan impede que diversos instantes da obra atinjam sua potência máxima. Observe o momento em que os personagens se juntam para retirar um tumor do tamanho de um melão do corpo de Prisca: após uma crescente tensão vigorada por uma visualidade visceral, a primeira fala é “Guy, eu me sinto melhor”, quebrando não apenas com a construção da cena, como também gerando uma extrema desarmonia. Porém, isso não é algo isolado, visto que em vários ápices o diretor não consegue entregar algo que seja forte e substancial o suficiente, como em grande parte das brigas dos personagens ou cenas mais delicadas, resultando em momentos avulsos e sem profundidade alguma. 

Todavia, apesar desses defeitos — que a essa altura são esperados em um filme do diretor —, Tempo consegue se manter como um dos filmes mais fortes dele. Visualmente falando, o longa é, provavelmente, seu segundo filme mais interessante, perdendo apenas para A Vila, de 2004, o qual fez um excelente uso de cores isoladas no meio de um ambiente cinzento na construção atmosférica. Em Tempo, no entanto, Shyamalan sai de sua zona de conforto, deixando de lado uma paleta sombria pelas cores fortes e brilhantes de uma praia na República Dominicana. O resultado é, sem dúvidas, fascinante, com grandes planos contemplando as belezas naturais — em uma linguagem de um quase berço esplêndido — e incríveis movimentos de câmera catalisadores, como quando uma simples brincadeira de crianças se carrega de simbolismo referentes ao filme — voltarei nisso mais tarde.

Entretanto, o mais impressionante da decupagem fílmica é como o diretor consegue utilizar disso de uma forma que vai além de apenas uma utilidade visual, como, por exemplo, quando ele constrói o suspense de todo o longa através de planos que cedem pistas sobre a trama da obra, mas ainda concretizando um certo suspense sobre aquilo que pode estar acontecendo. Nesse caso, o instante em que Trent pergunta nome e profissão de Jarin e Patricia é um ótimo exemplo para essa edificação: enquanto a câmera mostra apenas um pedaço das supostas crianças reproduzindo um costume comum delas, a silhueta vista no quadro indica outros indivíduos, mais velhos. Embora não seja nada novo no mundo cinematográfico, a maneira como o diretor usa isso, canalizando as características singulares dos personagens como caráter identificador, se torna fundamental para a progressão de Tempo.

É interessante mencionar como esse é o filme mais macabro do diretor. Novamente citando sua obra de 2004, direcionada por um clima sobrenatural, ordenada por uma combinação de cores e um ambiente de solitude humana; e A Visita, de 2015, na qual o indiano transformou um local hipoteticamente seguro em um espaço propício para morte. Tempo vai contra essas duas longas pelo fato de não estar propriamente lidando com uma ambientação macabra, mas, ainda assim, ser capaz de transmitir um sentimento tétrico. Esse filme carrega as mortes mais visionárias da carreira do diretor, tal como a destruição óssea de Chrystal que, após ficar sem suas vitaminas de cálcio, acaba tendo seus ossos tão fracos que quebram como vidro, mas, devido ao tempo, acabam se fixando no lugar errado, criando uma anomalia humana. Para além disso, um casal que guarda um recém-nascido morto e uma infecção instantânea de tétano figuram os momentos mais perturbadores — e chocantes — do longa. 

Para mais, é pertinente ressaltar como Tempo consegue, apesar de seus problemas narrativos, estabelecer uma determinada profundidade. Voltando naquela cena que mencionei nos parágrafos acima — a das crianças brincando de pega-pega em que aquele que é pego tem que imitar uma estátua —, é muito curioso como isso cria uma reflexão sobre a relação dos personagens do filme e o restante do mundo. Enquanto aquele que é pego e deve se manter parado seria o mundo, aqueles que correm são os personagens presos na praia, criando uma correlação entre a passagem de tempo no qual, enquanto para uns é lenta, para outros é rápida. Isso, claro, vai além apenas dessa similitude fílmica, mas também um nível filosófico. Em um nível superior ainda, podemos ver como essa dessincronia entre as passagens do tempo pode ser vista com teor baseado no carpe diem: aproveite sua vida enquanto você ainda tem tempo para isso. Talvez a última relação que acabei criando é como Shyamalan escolhe mostrar o casal problemático: ao passo que Prisca perde audição, Guy sofre com cegueira, sendo uma parceria que não se vê e não se escuta. 

Em sua conclusão, Tempo perde um pouco a mão firme que estava seguindo. Tal como os outros filmes do diretor que acabam sendo estragados pelas reviravoltas que nem sempre são necessárias, esse longa também sofre por excesso. No caso, o apêndice da narrativa surge quando os personagens de Trent e Maddox não morrem na ilha e conseguem escapar e o filme revela que toda questão da lógica temporal do local era um experimento científico de uma farmacêutica e não algo simplesmente sobrenatural. Por mais que essas duas saídas fossem óbvias e, talvez, as únicas plausíveis, Shyamalan escolheu a menos interessante, quebrando um pouco com a fundamentação que ele estava construindo até ali. Felizmente, porém, Tempo se mantém como um filme prazeroso e instigante durante grande parte de seu tempo, sendo um dos melhores do diretor até então.