O Homem da Terra: O Brilhantismo da Narrativa e a Simplicidade do Método

Texto por Gabriel Almeida

Quando se trata de ficção científica, diversas narrativas grandiosas e complexas surgem na mente do imaginário popular: histórias de robôs, viagens no tempo, outras formas de vida extraterrestres, tudo isso embasado em majestosas cenas dramáticas, de ação e suspense, com cenários elaborados e efeitos especiais sempre que necessário (ou talvez possível). Contudo, existe um filme que foge desses padrões e também do imaginário popular, porém não foge da grandiosidade.

O Homem da Terra é um caso excepcional do gênero. Quando John Oldman, um professor universitário, é pego de surpresa por uma festa de despedida antes de se mudar, ele resolve contar a verdade para os demais sobre o real motivo da mudança: John nasceu na pré-história, há 14.000 anos e é incapaz de envelhecer, então se muda a cada 10 anos para evitar suspeitas. Seus amigos de profissão ficam espantados com tal informação e durante todo o filme o questionam acerca dos mais diversos temas e períodos que viveu, na tentativa de descobrir se a história é verídica, uma piada ou um transtorno psicológico.

A obra, dirigida por Richard Schenkman, possui a sua grandiosidade no roteiro de Jerome Bixby (esse que tem o nome citado até mesmo no próprio título) e na forma como a narrativa é conduzida. O filme se passa em uma única casa, com alguns cenários no interior, outro no exterior, sem cenas espetaculares de ação, efeitos especiais, nem mesmo quebras na narrativa linear com o uso de flashbacks, algo que talvez se encaixaria com as histórias do protagonista. O filme é simples como uma conversa. Uma festa de despedida com professores universitários, um grande tópico de debate e algumas horas de bate-papo.

É claro que a obra não foi planejada para ocorrer desta maneira, já que o roteiro era excelente, porém o orçamento pouco e o diretor mediano. A qualidade técnica do filme não é o seu ponto forte, além de ter uma continuação péssima, também dirigida por Richard (que é também um dos roteiristas junto a Emerson Bixby), que possui outros péssimos filmes no currículo. Talvez o baixo orçamento venha então como um ponto positivo, mantendo a produção com os pés no chão, assim como é o roteiro.

Enfim, após o desconforto de abordar os pontos baixos do filme, podemos então prosseguir para o que ele tem de melhor, e como a sua narrativa simplesmente transpassa o gênero de ficção para uma obra de cunho filosófico muito bem recortada.

Para “dar conta” de um homem que vive desde os primórdios da humanidade, os recortes temáticos são orientados a algumas grandes áreas do conhecimento, tendo em seus personagens mestres de tal área, mas com o seu lado humano preservado. Os principais são Dan, o antropólogo, Art, o arqueólogo, Harry, o biólogo, Will, o psicólogo, e Edith, a literata cristã. Cada um aborda John de acordo com a sua área de conhecimento, mas não se mantendo somente a ela, provocando questionamentos excepcionais, os quais o protagonista, por ter tido tempo suficiente e uma mente inquisidora, como descrito no próprio filme, sempre possui uma resposta, muitas vezes nada satisfatória, mas ainda uma resposta.

As temáticas abordadas são diversas. O diálogo avança desde os tempos pré-históricos e mitos da criação até questões como tempo, religião e morte (este último tendo um grande destaque principalmente com Will), passando por civilizações antigas, reinados, períodos conturbados por guerras e epidemias. John discorre sobre todos esses assuntos com uma enorme bagagem de experiências pessoais. Fala sobre a morte, como a enfrenta e o sentimento de culpa que muitas vezes sentiu, suas relações pessoais tão efêmeras e o fardo de não morrer por meios naturais; sobre religião e como há muito já não busca mais por uma, valorizando somente as crenças pessoais baseadas na humanidade (como os conceitos de amor, tolerância e bondade), mas não a fé em algo ou alguém específico e, principalmente, critica a sobreposição mítica que envolve toda a discussão, tendo em Edith, que pode parecer a personagem “chata” da história, um motor inicial para grandes discussões e revelações.

No entanto, quando digo que o roteiro tem uma possibilidade grandiosa em mãos e se mantém com os pés no chão, refiro-me ao protagonista nunca ser retratado como um super-homem, alguém que sabe de tudo e possui todas as respostas para todas as questões. Ele simplesmente teve tempo, e diversas vezes enfatiza que nunca foi e nunca será capaz de se destacar da humanidade, já que é impossível para qualquer um obter todas as informações sobre todas as coisas por si só. O homem da terra aprendeu conforme a raça humana também aprendeu, e suas descobertas estão limitadas às descobertas da humanidade. Indo além, John não possui respostas para inúmeras questões que a raça humana também não possui, ele não conhece a origem do universo, o que é de fato o tempo ou o que acontece depois da morte, e essas questões para ele permanecem um mistério sem nenhum problema. “O homem do John teria aprendido à medida que toda a raça aprendeu”, diz Dan.

Os motivos do porquê um homem das cavernas jamais envelhece também não são conhecidos nem mesmo pelo próprio homem das cavernas. Algumas hipóteses são levantadas, como uma perfeita regeneração das células do corpo, alguém que vive fora do tempo linear ou até mesmo o personagem ser um vampiro, hipóteses essas que são brevemente abordadas, já que esse não é esse o intuito da narrativa. O filme não quer abordar o porquê de John jamais envelhecer, mas sim a bagagem de experiências que alguém teria se vivesse por 14.000 anos e as implicações disso para a humanidade. O filme traz questões tanto para os personagens quanto para o próprio público, valorizando a interpretação pessoal e as respostas de cada um sem criar nenhuma verdade absoluta, abrindo um vasto campo para a dúvida e para o questionamento analítico, filosófico e existencial.

E ainda assim, mesmo abrindo espaço para inúmeros questionamentos, um sentimento, que a possibilidade de um homem que viveu por toda a história transmite, passa alheio ao espectador, muito provavelmente por ainda se tratar de uma ficção, e precisa ser enfatizado pelos personagens: a angústia. Presenciar tamanha singularidade põe em xeque inúmeras verdades fundamentais do campo teórico de cada um, seja da biologia, seja da religião – mesmo “homens da ciência”, como dito por Dan, ficam desnorteados com o baque científico e também do senso-comum. Alguns se irritam, outros choram, ameaças ocorrem, tudo isso fruto de uma mesma mágoa: a perda de suas verdades fundamentais e o encontro com o desconhecido. Isso mostra que até mesmo aqueles com “um maior conhecimento”, aqueles que amam a ciência e defendem a liberdade científica, se negam a aceitar o que interfere com a ciência como eles conhecem.

Desta forma, o filme se encaminha para o final carregado de tensão e um certo fascínio, e quando John afirma que tudo não passa de uma história, os personagens atingem o ápice de sua angústia, mas a mesma é logo em seguida aliviada pelo “retorno” à realidade. Todavia, quando Will descobre a verdade e, por tamanho desconsolo tem um ataque cardíaco, nós espectadores temos ciência de que a história contada por John é de fato verídica, e isso é essencial para a finalização da narrativa. Se tudo não passasse de uma história, teriam todos os questionamentos tamanha importância? Ou seriam somente uma discussão acadêmica motivada por uma hipótese? “Eles acreditam em você porque precisam acreditar” diz Sandy, a personagem que se afasta da teoria e traz discussões mais íntimas para a narrativa. Eles precisam acreditar que suas crenças são verdadeiras, mas sendo uma obra de ficção científica, eis aí a dose de fantasia necessária para a conclusão da obra tal qual o espetáculo buscado, e encontrado, pelo espectador.

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual