Crítica | Voo United 93 (2006), de Paul Greengrass

Por Fernando de Barros Honda

Paul Greengrass é um realizador que possui experiência em diversas funções no meio cinematográfico, além da direção. Produziu alguns episódios de séries para a televisão e já trabalhou como jornalista. Embora seja mais conhecido por dirigir a trilogia Bourne, ele cumpriu a tríade diretor, roteirista e produtor em United 93 (2006). Dentro desse contexto, entende-se que o filme seja uma das obras mais importantes da sua carreira até então, pois aborda um tema sensível na história dos Estados Unidos, bem como aproxima aqueles que o assiste de parte dos eventos do 11 de setembro. Greengrass pretende, nessa obra, encenar o que poderia ter acontecido em um dos únicos voos que não chegaram ao seu destino, a Casa Branca.

Para mostrar o evento, o diretor utiliza-se dos relatos de parentes das vítimas do voo e registros de investigação das autoridades estadunidenses. Com base em conversas entre os familiares e os presentes na aeronave e em áudios gravados da cabine de comando pela caixa preta do avião, Paul Greengrass tenta reconstruir temporalmente cerca de 1 hora e 20 minutos do que teria ocorrido no voo 93 da Airlines. Toda esta estrutura serviria como embasamento para aproximar os acontecimentos do próprio dia com o longa-metragem, o que resultaria em uma espécie de horror natural[1].

Pode-se compreender a estória[2] dessa obra fílmica em três espaços, os quais possuiriam relação com o resultado das investigações da NTSB[3]. O primeiro seriam as localizações exteriores ao aeroporto; segundo, os espaços no aeroporto; terceiro, dentro do avião.  A percepção do desdobramento da trama por meio dos espaços, converge com o tempo cronológico do longa e o horário em que as torres do World Trade Centerforam transmitidas ao vivo em 2001. Portanto, a narração de United 93 estaria diretamente conectada ao espaço e tempo, o que formaria o enredo de causa e efeito da estória, e justificaria a utilização de câmeras sem estabilização com baixa profundidade de campo na aproximação por zoom nos personagens[4] – para, assim, jogar o espectador naquele espaço. Mas, como se daria a construção de um possível horror natural? Na inserção das gravações veiculadas pelas redes de televisão no próprio espaço fílmico e nas técnicas de filmagem empregadas. Haveria uma união a partir do que foi veiculado com a tentativa de “simular” a realidade ao retirar qualquer resquício do período clássico do cinema. Quer dizer, o estilo de United 93 se aproximaria mais de Cloverfield (2008) do que Gone with the Wind (1939), ou, melhor ainda, da antologia Airport (1970-1979).

 Vale salientar que, para uma possível existência do horror natural nesse contexto, um espectador, nem que seja hipotético, teve contato com os eventos reais no dia 11 de setembro, filmando o momento dos ataques, reconhecendo o que é visto como fato. O contato poderia ser ao assistir pela televisão, ou ainda, utilizando a internet para ver reportagens, vídeos e tentativas de reconstrução do que teria acontecido com todos os voos naquele dia de 2001. A partir dessa interação, deslocar para a obra fílmica um registro audiovisual veiculado massivamente ao redor do mundo colocaria em evidência “o que teria acontecido” e “o que de fato aconteceu” em um voo sequestrado, mas, sem nenhum registro visual antes da sua queda quilômetros antes do destino. A recomendação é da possível imersão, para aqueles que decidirem ver o filme, em notícias, reportagens, relatórios, gravações, enfim, diversos registros e fontes anteriormente e posteriormente. Por fim, United 93 diz respeito a uma experiência cognitiva a partir de diversas emoções e fontes, além de ser uma leitura mostrada dos relatórios oficiais e relatos dos parentes de um evento histórico e midiático.

Fernando de Barros Honda é mestrando bolsista do PROSUP-CAPES do PPGCom da Universidade Tuiuti do Paraná, linha de pesquisa estudos de cinema e audiovisual. Orientação: Prof. Dr. Marcelo Carvalho.

REFERÊNCIAS

18 VIEWS OF ‘Plane Impact’ in South Tower | 9/11 World Trade Center (2001 Terrorist Attacks). Youtube. 2016. 11 min. Disponível em: WWW.youtube.com/watch?v=7YLm3pkAiJQ&t=193. Acesso em: 03 jan. 2022.

BORDWELL, David. Narration in the fiction film.1. ed. Wisconsin: The University of Wisconsin Press, 1985. p. 3-68.

CARROLL, Noël. A filosofia do horror ou paradoxos do coração. Tradução de Roberto Leal Ferreira. 2. ed. Campinas: Papirus, 1999. p. 26-76.

EUA. U.S. Federal Bureau of investigation. Investigation of United Flight 93. Pittsburg: 2016. Disponível em: WWW.fbi.gov/video-repository/investigation-of-flight-93.mp4/view. Acesso em: 3 jan. 2022.

_________. National park service. Flight 93 sources and detailed information. Pennsylvania: 2021. Disponível em: WWW.nps.gov/flni/learn/historyculture/sources-and-detailed-information.htm. Acesso em: 3 jan. 2022.

_________. National transportation safety board. Specialist’s Factual Repor of Investigation Digital Flight Data Recorder. Washington: 2002. Disponível em: WWW. ntsb.gov/about/Documents/UAL93FDR.pdf. Acesso em: 3 jan. 2022.


[1] Em concordância com o estudo acerca do horror artístico em Noël Carroll.

[2] Noções de estilo (style), enredo (syuzhet) e estória (fabula) em David Bordwell. Embora a academia brasileira de letras tenha indicado a correta utilização da palavra história tanto para a disciplina – e ou ciência da história – quanto para narrativas ficcionais, a palavra estória deve se restringir apenas a última noção. Conforme Bordwell (1985) fabula também pode ser traduzida para story no inglês. Nesse contexto, para o português, optamos pela palavra estória no intuito de diferenciar história de fábula (o gênero a qual está associada uma “moral”).

[3] EUA. U.S. National transportation safety board. Specialist’s Factual Report of Investigation Digital Flight Data Recorder. Washington: 2002. Disponível em: WWW. ntsb.gov/about/Documents/UAL93FDR.pdf. Acesso em: 3 jan. 2022.

[4]