Crítica – Assassinos da Lua das Flores – Martin Scorsese (2023)

Imagem: Reprodução/Apple, Paramount Pictures

Por: Gabriel Almeida

Assassinos da Lua das Flores é o mais novo longa-metragem dirigido por Martin Scorsese, e como já aconteceram outras vezes, essa é mais uma história baseada em acontecimentos reais e carregada de elementos históricos. A história da tribo Osage, que descobriu petróleo em suas terras e desde então é brutalmente perseguida e massacrada pela ganância do homem branco, é contada na obra pela criatividade e inteligência narrativa, pela demonstração da violência e do sofrimento, por um DiCaprio servil e mesquinho, por um DeNiro tirano e por uma Lily Gladstone deslumbrante, majestosamente comovente.

De início nos é apresentada, de maneira breve, a história do descobrimento do petróleo pela tribo local, bem como a cultura do povo indígena. O filme opta por contar essa história com um toque de metalinguagem, alternando entre as próprias gravações e simulações de filmagens antigas, em preto e branco e com o filme desgastado pelo tempo, ou fotografias – tudo isso para culminar num final surpreendente e extremamente criativo. A criatividade não para aí, já que além da contextualização, muitos planos de pura contemplação são magistralmente exibidos junto as narrações em voice over, conferindo até mesmo um certo charme para a introdução e, posteriormente, no desenrolar das ações.

Não somente o visual do filme é muito bem construído, como também a montagem baseada principalmente no contraste. Isso fica claro logo no começo, contudo se intensifica com o passar das horas que o filme possui – Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio) diz que precisa cuidar de sua esposa e mais a frente vemos a mesa em estado quase terminal deitada em sua cama, fato causado pelo próprio Ernest; William Hale (Robert DeNiro) declara seu amor e comoção pelos amigos Osage, para logo em seguida em cenas mais discretas de diálogo ordenar a morte de algum deles. Os personagens principais e inimigos do povo indígena são personagens complexos, sobretudo Ernest, e a montagem contribui com maestria para representar essa complexidade.

Quanto aos personagens, seus atores souberam muito bem assimilar os papéis e reproduzi-los para as câmeras. DeNiro interpreta William Hale, o principal autor, indireto, das mortes de dezenas de indígenas e forasteiros, e logo no início nos é apresentado também como Rei, pseudônimo utilizado muitas vezes e, que reflete as principais características do antagonista: a ganância e a tirania. DiCaprio representa um homem confuso, que ama sua esposa, mas não tanto quanto o dinheiro, e o ator demonstra essa dualidade (que tende para um dos lados) expressando a servidão carregada de desconforto pelo seu tio, bem como as mentiras que é incapaz de manter pela posição em que se encontra.

Já Lily Gladstone interpreta Molly Burkhart, a indígena que tem toda a sua família pouco a pouco assassinada e sofre na pele a violência dos gananciosos exploradores do petróleo da tribo – com uma personagem carregada de frustrações e sofrimento, o papel desempenhado pela atriz é brilhante. Suas expressões são carregadas de uma mística comovente: em momentos de calma e tranquilidade, estamos confortáveis com a presença da personagem; em momentos de conflito, nos sentimos tão aflitos quanto a mesma; em momentos de sofrimento, sua atuação causa arrepios e a verdadeira vontade é de invadir o universo diegético e tentar resolver a situação de qualquer maneira.

A própria cultura Osage, mostrada com mais força no início, pouco a pouco perde espaço na narrativa ao passo que seus personagens vão nos deixando, sendo essa cultura substituída por assassinatos, debilidades e explosões, substituída pela violência que domina a cidade local. O filme é longo, a história é ainda mais longa, mostrando evidentemente, mas sem nenhum indicativo prévio, a passagem dos anos e o mal causado pelo homem branco (prenunciado logo nos primeiros minutos de filme). No final, contudo, após todo o conflito, os personagens que uma vez dominavam a situação possuem o destino merecido e a tribo Osage volta a colorir a obra, prosperando outra vez como um campo de flores sob a luz da lua.

E para encerrar de forma surpreendente, Scorsese retorna com a influência de outras formas narrativas, quebra as expectativas e descreve os acontecimentos póstumos da história em um dos finais mais geniais de toda a sua carreira.

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