Crítica | The White Lotus: 2ª Temporada (2022), de Mike White

Por: Lucas Mariotti

Com o sucesso de audiência, crítica especializada e premiações em 2021, o seriado antológico e mais recente fenômeno da emissora HBO “The White Lotus” retorna mais expansivo e triunfal em uma viciante segunda temporada. Essa produção reestabelece novamente a mesma premissa do primeiro ano em que acompanhamos uma semana prévia de um assassinato sem o conhecimento do público sobre o paradeiro do morto e do assassino ocorrido na rede de hotéis luxuosos White Lotus, onde na primeira temporada se passava no arquipélago do Havaí e agora ocorre na Sicília. Entretanto essa ideia aparentemente básica e genérica é apenas um pretexto e disfarce para um enredo mais complexo, crítico e com uma vertente cotidiana, pois o que realmente importa na trama são os relacionamentos estabelecidos entre os hóspedes, provedores de riqueza e com ideais desvirtuados, e dos mesmos com os funcionários do hotel. A partir do desempenho do segundo ano da produção percebe-se uma tendência do criador, roteirista, diretor e produtor Mike White, de usufruir de seus personagens para satirizar as dinâmicas de poder nas relações interpessoais.

Na segunda temporada do seriado existe um destaque maior para o viés mais carnal e sexual dos seres humanos e de como essas condutas estabelecem sistemas de dominação e criação de mitos. Essa abordagem temática se faz presente desde a abertura do programa, já que existem imagens de variadas pinturas com um estilo renascentista, remetendo a um período antropológico exuberante de construção sociocultural e comportamental da humanidade, que gradativamente revelam as falhas humanas dessas figuras tão sublimemente representadas e idealizadas por meio de anseios ambiciosos e animalescos. Dessa forma a primeira impressão estabelecida com as imagens renascentistas distorcidas dos créditos iniciais juntamente com a música tema geradora de ansiedade ao misturar sonoridades humanas e instrumentais que gradualmente se transformam em uma ópera de discoteca, é a de que existe uma periodicidade nos problemas de convivência e organização social que reverberam até os tempos hodiernos, os quais perpetuam uma desordem visceral concomitantemente repugnante e fascinante.

Como forma de salientar as problemáticas da sistematização do poder, Mike White recorre à vários núcleos de personagens profundos, que retratam diferentes tipos de relacionamentos, como forma de representar como a conduta de status se reflete no vínculo humano. Existe um trio familiar composto por avô, pai e neto que evidenciam complicações geracionais no tratamento masculino objetificado sobre a mulher. Há um par de casais heterossexuais que abordam temáticas de casamento e infidelidade sobre uma perspectiva de aparências e reajustes. Também temos uma dupla de prostitutas que remetem ao ideal de intersecção entre sexo e dinheiro, concepção a qual define relações de influência através da riqueza de privilégios. Esses e outros grupos de sujeitos com suas respectivas temáticas narrativas brilhantemente escritas de maneira satírica, o que aprimora o senso de escárnio do público perante indivíduos tão problemáticos e hipócritas, que constantemente alternam seus próprios balanços de dominação e submissão para se adequarem a um cenário social hierarquicamente comparativo e competitivo, o qual usufrui de fortuna e erotismo para reforço da criação mitológica da vida burguesa privilegiada.

Os elementos audiovisuais dessa temporada estão milimetricamente unificados na criação de uma mise-en-scène paralelamente magnificente e inquietante. A direção precisa de Mike White propõe uma dicotomia entre a profanidade e a tentação, já que a encenação dos seus diálogos e enredos quase novelescos, sobre personagens complexos e perturbados com seus relacionamentos e suas situações de poder social, são constantemente intercalados com planos de esculturas, arquiteturas, pinturas e elementos da natureza (como o mar), filmados com o objetivo de intensificar tensões. A partir disso, o diretor reforça a vertente cíclica e naturalizada dos males humanos, ao mesmo tempo que enaltece a beleza de um sistema social essencialmente defeituoso e ganancioso.

Apropriando-se de uma fotografia ostentativa, que causa um sentimento ilusório no espectador da beleza fortunosa italiana, e uma trilha sonora angustiante, a qual com sua mistura de gêneros musicais e sonoridades reforça a desarticulação das dinâmicas sociais burguesas, juntamente com um primoroso trabalho de elenco, com atuações hilárias e sagazes cheias de nuances e enigmas, Mike White amplifica sua sátira dos costumes ao demonstrar o poder como um processo de paranoia constante. Essa vertente temática se reverbera na gradual construção de tensão da narrativa criminológica, pois os recursos audiovisuais e os atores desempenham um papel incômodo e provocativo ao tentarem manter as superfícies dos confortos de uma vida luxuosa quando suas estruturas de relações são abaladas em um contexto ocioso de suas rotinas, criando-se uma ansiedade no público ao presenciarem um paulatino aprimoramento de aflição entre os personagens.

Por fim, a instância moralizante da trama de Mike White na segunda temporada é fascinante ao perpetuar um dualismo esperançoso e crítico das organizações sociais contemporâneas. No caráter analítico dos sistemas de poder nos relacionamentos humanos, existe um pessimismo ao destacar como os sujeitos detentores de privilégios e autoridade não estão submetidos ou dispostos a mudanças estruturais dos seus comportamentos, fazendo com que os mesmos desassociem da realidade que vivem e das disfunções pessoais, além de exprimirem um progressismo intelectual que não se difere substancialmente dos mesmos males enfrentados pela sociedade desde sua socialização estratificada. Contudo, no viés otimista de estudo cultural e comportamental, Mike White percebe como a consciência de classe serve de arma para os não privilegiados burlarem o sistema social ou se beneficiarem do mesmo, comprovando como a perpetuação de status e opressões vem da falta de criticismo, que pode ser usufruído para manipular as classes burguesas dominantes e subverter os papéis de dominação.

Em suma, a segunda temporada de “The White Lotus” vem coroar a produção da HBO como uma das melhores e mais originais séries da atualidade, expandindo e aprimorando na narrativa e no audiovisual o que já foi excelente no primeiro ano do programa. A habilidade de roteirização e direção do criador Mike White (e também o trabalho dos excelentes atores envolvidos) permite com que a riqueza do seriado não se limite ao poder de posse dos seus personagens burgueses tão deploráveis e ao mesmo tempo tão humanos, já que o formato antológico da série permite a criação de uma vastidão de possibilidades temáticas para satirizar os costumes fascinantes daqueles que participam direta ou indiretamente da continuidade dos abusos de poder nas instâncias íntimas e comunitárias.