CRÍTICA | Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (2023), de Joaquim Dos Santos, Justin K. Thompson e Kemp Powers

Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (2023). Reprodução do autor. Todos os direitos autorais reservados.

Por Luis C. Borralho

Se um dia você se perguntou se o formato de animação poderia ser considerado cinema, “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso” responde a essa pergunta. Continuação do ganhador na categoria de melhor animação em 2019 pela academia de cinema, o longa de 2023 não deixa a desejar em relação ao seu predecessor, muito pelo contrário, mostra um robusto amadurecimento da franquia de animação da Sony; tanto em relação a trama das  personagens quanto no aspecto técnico da animação em si. 

Em “Através do Aranhaverso”, diferente do primeiro filme em que possui uma narrativa baseada na clássica jornada do herói com direito a todos os seus clichês, nos é proposto um duplo protagonismo nesse mar de Homens-Aranha. Miles Morales, que nesse filme já se apresenta como um herói canônico, agora tem que lidar com a solidão do manto de herói e todas as problemáticas familiares que esse fato implica, trazendo o realismo típico das aventuras do homem aranha. Por outro lado, Gwen salta da função de simples par romântico que nos é proposto no primeiro filme e agora se mostra como um expoente essencial para o decorrer da trama. O protagonismo da personagem é tão expressivo, que o primeiro ato do filme é dominado por suas situações problemas e Miles só aparece após quase 20 minutos de tela, dessa forma, fica evidente o mar de possibilidades narrativas do multiverso. Ao fazer essa escolha, o filme reforça a ilusão de infinitas storylines que não pertencem propriamente ao ambiente diegético, mas que em tese acontecem simultaneamente aos eventos tratados no filme.

Como uma boa continuação deve ser, o longa-metragem retoma a mitologia criada no primeiro filme e amplia de forma bastante engenhosa os conceitos anteriores. Ao nos bombardear com referências, o multiverso se amplia e estabelece conexões  com vários outros universos, inclusive com o MCU (Marvel Cinematic Universe) e o próprio universo de filmes live action de super heróis da Sony. Aliás, esse poderia ser considerado um dos pontos negativos do filme, pois diferente do seu predecessor que apresentava as referências “mais obscuras” em segundo plano, o longa de 2023 nos força a notar as referências impondo ao espectador planos detalhes daquilo que normalmente deveria estar escondido, arruinando a magia do efeito easter egg. Outro fator que pode vir a incomodar, é o fato do último ato abrir vários Cliffhangers, podendo passar a impressão que o filme está para terminar, e assim, transmitir uma sensação de prolongamento dispensável. No entanto, esse mesmo artifício pode causar um efeito contrário por conta da criação de expectativa, ou como se diz popularmente, o hype.

Mesmo possuindo uma boa história, o que engrandece o filme é a sua animação. Mantendo os mesmos preceitos técnicos  da animação de 2019, o filme amplia, assim como o multiverso, suas possibilidades estéticas durante a trama. Nos últimos anos, Hollywood vem explorando cada vez mais a temática do multiverso, com os filmes da Marvel, o premiado “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, além de projetos que ainda vão ser lançados, como Barbie em julho de  2023. Esses filmes apresentam uma característica comum e evidente em suas estruturas, algo que poderia ser classificado como um pluralismo da retratação diegética em que os estilos de fotografia, cenário e maquiagem são alterados de acordo com a necessidade da retratação diegética daquele universo. Não obstante, esse aspecto presente nas produções supracitadas, não ultrapassam o nível da referência e às vezes até flertam com o bizarro na ânsia de chamar atenção, e é nesse ponto que “Através do Aranhaverso” diverge dessas obras. Fica evidente no filme, que a temática do multiverso encontrou na animação sua mais forte expressão, diferente do filme de 2018 em que tínhamos vários “homens aranhas” em um único espaço. No recente universo de Miles, somos apresentados a várias diegeses que possuem estéticas de animação diferentes, que sim, referenciam e às vezes beiram o bizarro, mas abrem uma brecha para o espaço se moldar de acordo com a necessidade narrativa da cena em si. 

Um trecho que exemplifica bem essa questão, é quando Gwen tem uma discussão dramática com seu pai. Na cena a discussão ocorre na sala da casa de Gwen no período da noite, contudo, com o decorrer das falas o espaço vai se dissolvendo e tomando uma forma totalmente abstrata, em que as cores e as formas geométricas emulam os sentimentos das personagens, culminando em um espaço totalmente branco ao fim da discussão (mesmo que diegeticamente seja noite). Esse valor plástico conversa diretamente com a narrativa e a necessidade da cena superando, assim, o valor puramente estético da referência. Finalmente, vale a pena ressaltar a regra visual criada para compor o universo. A norma é simples, quando os homens aranha mudam de universo, seus estilos de animação são preservados, dessa forma as texturas das personagens conversam com os diversos ambientes quase como uma dialética plástica, em que as diversas combinações possíveis constroem um sentido novo para cada personagem em cada universo diferente. 

Nessa conjuntura, o filme responde a possível dúvida apresentada no começo do texto. Ao integrar os elementos plásticos ao subtexto do filme “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso” prova que o formato de animação pode superar os limites estéticos impostos pela própria realidade, pois ao assumir o abstrato o filme eleva ao máximo o potencial apresentado na temática do multiverso. 

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual