O melodrama em discussão na obra de Elia Kazan: Vidas Amargas (1955)

Por Ana Vitória

O melodrama, cuja definição vem da junção de música (melos) com drama, tem sua origem no teatro. Popularizando-se na França, a partir do século XVIII, as tramas passionais que compõem o gênero caracterizam-se por sua capacidade adaptativa. A versatilidade do melodrama advém principalmente do contexto social em que determinada obra é realizada, em decorrência a isso o gênero adquire diversas variações, dentre essas a variante familiar, que surge em uma conjuntura marcada pelo advento da adolescência, nos anos 1950, nos Estados Unidos. Dessa forma, o cineasta greco-americano Elia Kazan dirige a adaptação do livro A Leste do Éden (1952), de John Steinbeck, intitulada no Brasil de Vidas Amargas (1955), um melodrama familiar. Protagonizado por James Dean, figura emblemática para a juventude do pós-guerra, o longa realiza uma releitura da história bíblica de Caim e Abel para os anos que abrangem a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918). Têm-se que o gênero melodramático trabalha com suas formas e momentos históricos de forma autoconsciente, isto é, age de forma crítica de acordo com o período a ser representado na trama e, no que corresponde ao melodrama familiar, a variação ganha espaço durante os Anos Dourados (1950), nos EUA, fazendo com que os melodramas produzidos nessa época contenham um caráter crítico ao modelo de família reverenciado, baseado no patriarcado e na submissão feminina. As tramas feitas durante este período tratam fortemente de questões geracionais e as desavenças acerca disso, em Vidas Amargas, o diretor Elia Kazan estabelece a história em torno dos conflitos entre o filho problemático, Cal “Caleb” (James Dean) e os demais membros da família, especialmente com a figura paterna. 

Historicamente, o melodrama foi utilizado para encorajar certos conflitos sociais e também para retratar as circunstâncias de tais acontecimentos, valendo-se de elementos advindos do gênero, como a moral polarizada, contrastes e fortes coincidências, além de sempre utilizar-se de situações envoltas por emoções acentuadas. Em decorrência disso, o gênero passa a ser entendido como portador dos próprios valores, contendo situações dotadas de universalidade, uma vez que tratavam de conteúdos, de certa forma, reais (ELSAESSER, 1972). Partindo desse pressuposto, os anos 1950, tornam-se marcados pelo surgimento de uma nova cultura, voltada para enfatizar a nova faixa etária em ascensão, o adolescente. A nova forma de cultura, portanto, é evidenciada por um caráter conflituoso, principalmente no que diz respeito a outras gerações e como essas lidam com a nova formação cultural. Nesse âmbito, a cultura juvenil que não mais se inspirava na geração anterior, passa a ser representada e a ter lugares próprios de entretenimento. Dentro dessa cultura americanizada algumas figuras públicas passam a ser reverenciados pelos jovens, como o jovem ator James Dean, cujo legado de “rebelde sem causa” o torna uma figura de identificação na emergente nova cultura. 

Baseando-se em uma noção de excesso, o melodrama utiliza-se de elementos como a trilha sonora, mise-en-scène e a encenação para representar seus exageros. Tal característica, para Ben Singer, seria a mais identificável em filmes pertencentes ao gênero. Em Vidas Amargas há, evidentemente, a utilização do exagero cênico, principalmente sob o personagem de James Dean, Cal. Dean, baseia-se no método de atuação de Lee Strasberg, esse que consiste na busca de um realismo cênico e dramático, embora dotado de exagero, principalmente quando comparado a atuações contemporâneas. O método de atuação consistia na utilização de experiências próprias dos atores para serem projetadas durante as interpretações. James Dean possuía experiências de vida similares àquelas em que o personagem da obra de Steinbeck passa, destacando-se o conturbado relacionamento que Dean tinha para com seu pai, fator decisório, segundo o diretor Elia Kazan, para a escolha do ator. 

Na obra de Elia Kazan, o protagonista Cal mora com seu pai e seu irmão, Aron. O personagem  de Dean vive sob pressão por ser o filho mau e não corresponder às expectativas de seu pai. Enquanto Cal é representado como uma pessoa desprovida de virtude, Aron é apresentado como o filho perfeito, cujo trabalho e pretensões é de agrado a todos. Ambos os irmãos cresceram sob os cuidados do pai, Adam, que alegava que a mãe dos dois tinha morrido durante o parto, no entanto, logo no início do filme a informação é desmentida por Cal, que ao ouvir supostas alegações de que a mãe não teria morrido, mas sim fugido, investiga. No que concerne toda a questão materna envolta do filme, há uma negação de virtuosidade associada à figura feminina e, principalmente, da mãe (Cathy), já que essa, ao não aceitar a maternidade e a submissão imposta pelo casamento, foge para outra cidade e, futuramente, vira uma mulher de negócios. Vidas Amargas, utiliza-se de uma subversão do gênero melodramático e, notadamente sua variação materna, uma vez que toda uma noção de sacrifício materno atrelado a uma personagem virtuosa e passiva não existe no filme, e sim ao contrário. Cathy foge da domesticidade forçada e se torna dona de bordéis próximos à Salinas, cidade onde moram os filhos, esses que, não conhecendo a mãe, a imaginam de diferentes formas: Aron imagina como a personificação de uma santa, já que a mãe teria, em um ato de amor, perdido a vida para dar vida aos filhos; em contrapartida, Cal cogita que a mãe não seja tão boa assim, uma vez que sua malignidade teria de ser puxada de alguém. 

Como proposto pelo gênero (SINGER, 2011), a moral polarizada, isto é, a delimitação entre bom e mau, encontra-se presente na maior parte dos melodramas de forma evidente e, consequentemente, torna-se um dos diferenciais para qualificar determinada obra como melodrama. No entanto, em Vidas Amargas, a moralidade não é apresentada de forma caricatural. Os antagonismos do filme se dão de forma sutil em comparação a outros melodramas, visto que não há uma moral muito definida. Por mais que haja personagens bons e personagens maus, eles não transitam apenas nesses dois estados. Uma característica presente nessa variação do gênero melodramático é a noção de conflitos e a necessidade de uma resolução que se encontre dentro da própria trama (SCHATZ, 1981), ou seja, dentro da esfera familiar. Na obra, essa rivalidade apresenta-se de tal maneira em todos os arcos do filme: pai e filho, entre irmãos, entre casais e entre mãe e filho. A começar pelo conflito travado entre pai e filho, vale ressaltar que, assim como Cal enxerga em si características provenientes em sua maioria de sua mãe, o pai também o faz, resultando em um embate não só travado pela diferença de pensamentos – decorrentes também da diferença de gerações –, mas também pela semelhança entre Cal e sua ex-esposa. Por mais que o pai não seja a encarnação da virtuosidade, ele não representa uma perversidade. A rivalidade entre irmãos também parte do mesmo princípio: os irmãos Cal e Aron representam personalidades muito diferentes, frequentemente referenciados como bom e mau, acabam por não possuírem intrinsecamente nenhuma dessas duas características, uma vez que conforme o filme decorre, as personalidades estabelecidas no início do filme destoam-se. No que diz respeito aos conflitos entre casais, há o relacionamento entre Aron e Abra, que é colocada por Aron sob um ideal de mulher e, até, de mãe, figura ausente na formação de Aron. Em decorrência, isso, somado ao fato de que Cal não conta para Aron que a mãe não estaria morta, o relacionamento de Abra e Aron começa a sucumbir, dado que a mãe era, para Aron, tão idealizada a ponto de que sua namorada não se sentisse suficientemente boa, gerando conflitos entre os dois. Por fim, a desordem entre mãe e filho, na obra, o primeiro a descobrir que a mãe está viva é Cal, o que gera uma série de questionamentos acerca dos motivos pelos quais ela teria ido embora. De início há a prevalência de um sentimento de desmazelo, seguido logo por uma evidente identificação. 

Dentro da estrutura melodramática de variação familiar, a presença dos conflitos familiares e, sobretudo, entre pai e filho, geralmente é causada por uma noção de filho inadequado, que, apesar de mais frequente em obras que representam famílias de classe alta e herdeiras, aparece também nas representações de classes mais baixas, como é o caso do filme em discussão, Vidas Amargas. Na obra, os dois irmãos representam, inicialmente, moralidades distintas: o personagem de James Dean é, portanto, a personificação do filho inadequado, ainda mais quando comparado ao irmão. O filme, essencialmente crítico aos ideais americanos associados ao sonho americano, representa uma visão autoconsciente da construção desse ideal, uma vez que é desejo de todos os personagens melhores condições de vida, condições estas que seriam alcançadas, por sua vez,  via intermédio de uma falsa noção de trabalho árduo. Vidas Amargas por si só é uma quebra nos valores tradicionais familiares, principalmente em uma época cuja família era representada sob ideais patriarcais. A falta da presença feminina na organização familiar, assim como sucessivos conflitos entre pai e filho e entre irmãos, representam uma ineficácia dos valores representados pelo sonho americano. Todos esses elementos, somados, enfatizam o caráter crítico e até “antiamericano” do melodrama, característica encontrada sobretudo em melodramas produzidos no pós-guerra (ELSAESSER, 1972). 

Como já mencionado, é próprio do gênero melodramático a presença de embates entre personagens e, ao tratar-se da variante familiar do gênero, o embate entre familiares e, principalmente pai e filho. O filme já inicia-se apresentando que Caleb e Adam não possuem um relacionamento saudável como pai e filho, evidenciado logo no início, quando por opiniões divergentes acerca de formas de ganhar dinheiro, Cal é tido como marginalizado. A princípio, Adam, investe na refrigeração de vegetais, apoiado no filho bom e negando o conselho dado por Cal: plantar feijão por causa da ameaça iminente de guerra, pois poderiam vendê-los por um valor superior ao da compra. Tão logo que o investimento de Adam dá errado, fazendo-o perder o dinheiro, ele é tomado por um desânimo. Por conseguinte, Cal comove-se com o infortúnio que atingiu seu pai e resolve investir na plantação de feijões no intuito de reaver o prejuízo de cinco mil dólares, não tendo para quem pedir o dinheiro emprestado para realizar a aquisição, Cal pede o dinheiro a sua mãe, que cede. Como previsto, a guerra acontece e o feijão fica em alta, gerando lucro para Cal, que pretende dar o dinheiro ao pai no dia de seu aniversário. O aniversário do pai aproxima-se e, juntamente, as desavenças crescem entre Cal e Aron e também entre Aron e Abra, esta que está confusa em relação aos seus sentimentos por Aron devido à aproximação que teve com Cal. Durante a então festa de aniversário, Adam recebe o presente de Cal e de Aron (a notícia de seu noivado), o presente dado pelo filho preferido agradam mais ao pai, que menospreza o dinheiro dado por Cal e pede para que ele devolva. O filme traça sua similaridade com a história bíblica de Caim e Abel, em que Caim teria oferecido a Deus os frutos de seu trabalho manual e braçal, enquanto Abel teria oferecido a ovelha mais amada de seu rebanho, agradando mais a Deus. 

Toda a sequência do aniversário é dotada de um exagero cênico, embora assemelhado com a realidade, visto que no melodrama a dramaticidade inserida em cena é retirada do real (BROOKS, 1995). Tal sequência marca o ápice dramático, caracterizado por Ben Singer como emoção avassaladora, um dos princípios reconhecíveis em um melodrama, marcados pela presença de uma descarga de dramaticidade. A cena é marcada por ser o momento em que todos os conflitos são colocados em discussão, a recusa de Adam pelo presente a ele dado por Cal faz com que o filho expresse seus sentimentos de repúdio à falta de simpatia do pai para com ele. A discussão entre Adam e Cal abre espaço para que as desavenças entre os irmãos sejam evidenciadas, culminando para o desfecho final da obra, onde encontra-se, de certa forma, a resolução para os principais conflitos da trama.

O final da obra, portanto, se dá por uma série de resoluções, não necessariamente felizes. Cal, tomado pela emoção do momento, revela a seu irmão que a mãe está viva e o leva ao seu encontro, causando grande desconforto ao irmão que resolve, como resposta às mentiras, alistar-se na guerra. Nesse ponto, o filme traça novamente um paralelo com a história de Caim e Abel, na qual, após Deus ter preferido o presente dado por Abel, Caim arma uma armadilha e mata seu irmão. Retornando, Adam, ao saber do intento de Aron, tenta impedi-lo, mas sem sucesso, tem um derrame em meio à perturbação. A primeira resolução é então ocasionada, mesmo que em uma escala menor, o fato de Aron descobrir a verdade sobre sua mãe faz com que o mesmo obtenha uma resposta a respeito do que ele pensou ser a mãe, mesmo que a resolução não o agrade. Em meio a isso e já sem o irmão, Cal observa o estado de saúde do pai – acamado e sob cuidado de enfermeiras – e sente-se culpado em meio ao mal que pensa ter sido o causador. Adam evidentemente possuía um filho favorito e culpa Cal por ter afastado Aron de seu futuro brilhante (mesmo que isso não seja dito). Abra, ex-nora de Adam, discursa em nome de Cal, pedindo para que o pai o ame, como um último pedido, visto que Cal, assim como Caim, iria ir embora para leste do Éden (uma metáfora no contexto fílmico), resultando em uma última e final resolução. Adam, portanto, chama o filho e pede para que ele despeça os cuidados profissionais e fique cuidando dele. Cal enxerga isso como um ato de amor do pai para com ele, a ação do pai funciona como um pedido de desculpas por todo o amor negado ao seu filho, instaurando a resolução final e mais importante de toda a obra, o entendimento entre pai e filho. O perdão dado de pai para filho age como um rompimento do ciclo conflituoso entre pai e filho, impedindo que haja uma perpetuação dessa mesma ideia em gerações futuras.

Apoiado na concepção de um final não tão feliz assim, o “unhappy happy ending”, isto é, quando a resolução, por mais que infeliz aos personagens, traz satisfação ao espectador ao resolver os conflitos apresentados no início da trama (SCHATZ, 1981). Associado fortemente ao gênero desde sua origem, a satisfação do público é algo primordial, utilizando-se de princípios como conflito e resolução, a busca pela harmonia do mundo ficcional causa coerência e índices de aceitação perante o público. No que corresponde a obra de Elia Kazan, Vidas Amargas, seu final é um exemplo de unhappy happy ending, visto que por mais que o perdão entre pai e filho tenha sido instaurado, foi por meio da condenação do irmão a morte e do pai a enfermidade. 

Notadamente, a obra acima debatida trata-se de um melodrama feito, acima de tudo, de modo subversivo, principalmente quando comparado a demais filmes também pertencentes ao gênero, mas de diferentes épocas. Além do claro diferencial, Vidas Amargas representa uma visão moderna e crítica da situação americana nos anos 1950, sobretudo no que diz respeito à entidade familiar e o papel da mulher dentro dessa noção. Dotado de uma trama que se difere de outras produzidas no mesmo período por tratar não de uma classe alta composta por herdeiros, como boa parte dos melodramas familiares produzidos na época, mas sim da situação que abrange a classe média americana, traçando um paralelo com o real tempo em que a obra foi feita: durante o escapismo ocasionado pelo pós-guerra, o american way of life. A história, traçada sob moldes do melodrama familiar, esquematiza uma comparação feita entre a bíblia e os Estados Unidos do início do século XX, utilizando-se de personalidades que viriam a ser emblemáticas para aquela sociedade, como James Dean. A obra de Elia Kazan é atribuída a muitos méritos e, dentre esses destaca-se o olhar crítico e moderno feito não só ao período de representação, mas também ao período de produção. Vidas Amargas é, portanto, um clássico do gênero melodramático.

REFERÊNCIAS 

BROOKS, Peter. The Melodramatic Imagination: Balzac, Henry James, Melodrama, and the Mode of Excess. New Haven/ London, Yale University Press, 1995. 

ELSAESSER, Thomas. Tales of sound and fury: Observations on the family melodrama. In GLEDHILL, Christine (org.), Home is where the heart is: Studies in melodrama and the woman. London: British Film Institute: [1972] 1987. 

HUPPES, Ivete. Melodrama: O gênero e sua permanência. Cotia: Ateliê Editorial, 2000. 

MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003. 

SCHATZ, Thomas. The family melodrama. In: SCHATZ, Thomas. Hollywood Genres. New York, Random House, 1981, p. 221 – 260. 

SINGER, Ben. Meanings of Melodrama. In: SINGER, Ben. Melodrama and Modernity. New York: Columbia University Press, 2011, p. 37-58. 

VIDAS Amargas. Direção: Elia Kazan. Warner Bros. Entertainment, 1955.