Oppenheimer: O pai da bomba atômica

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Por: Gabriel Almeida

“Oppenheimer” é a história do “Pai da bomba atômica”, e não a história da bomba atômica em si, e isso é fundamental para uma melhor compreensão do filme. Christopher Nolan, por sua vez, consegue mostrar isso de forma genuinamente satisfatória pela construção de inúmeros momentos de tensão a respeito da própria vida do cientista.
Nesta resenha, procurarei destrinchar melhor alguns aspectos do longa de forma separada, para então me concentrar na obra como um todo, e para tal é necessário ainda entender um detalhe do filme: não há uma, mas duas perspectivas, dois personagens principais, duas visões da história, justificadas pela alteração entre cenas coloridas e em preto e branco.
Durante a primeira narrativa, conhecemos o próprio Oppenheimer, interpretado fervorosamente por Cillian Murphy, em uma forma de construção não tão linear. Existe o julgamento do personagem, que por meio do mesmo conta sua história (que então nos é apresentada em forma de longos flashbacks), e também existem momentos além do julgamento e da história de vida do protagonista – como por exemplo, a cena em que Oppenheimer aparece já velho e uma segunda vez se reencontrando com os cientistas e sendo agraciado pelo governo norte-americano. Nolan brinca com a não linearidade em muitos momentos, levando a uma participação também do público para o entendimento do filme.
O mais novo blockbuster conta a história de alguém, não de algo. Cenas emocionantes de explosões e radioatividade são raras, e mais emocionante são os cálculos e as discussões dos cientistas do que a própria detonação da bomba teste em si, que recebe uma única cena – sendo essa cena, para esse que escreve, uma das mais emocionantes e impactantes de todo o filme. Contudo, o clímax cinematográfico não reside aí, o mundo continua de pé depois da explosão da bomba oficial, e J. Robert Oppenheimer também. Surge então um segundo arco dessa história, onde a preocupação não é mais a Alemanha, o Japão, mas sim como viveu o protagonista depois do seu intenso projeto, arco esse que constrói uma profundidade ainda maior para o personagem.
Afinal, o “criador” de uma das maiores armas de destruição em massa da História tem sua real história contada: seus interesses pelo partido comunista e suas relações com os adeptos, e como tudo influenciou não só a sua chegada à direção do projeto Manhattan, mas também no pós-guerra e as acusações de espionagem para os soviéticos; seu lado mulherengo, tendo casos e amantes por um bom tempo; seus interesses pessoais e opiniões tanto a respeito da bomba quanto da própria Ciência e dos Estados Unidos, opiniões que se alteram após o fim do projeto. E em nenhum momento o personagem é tido como herói, mas como o gênio que em um momento é necessário e no outro descartado; o destruidor de mundos e o ativista da energia nuclear. Enfim, um personagem de inúmeras faces.
O filme em si constrói a história baseada nessas próprias faces, mas também se constrói em contradições. Oppenheimer em um momento é agraciado por sua genialidade e pelo amor à teoria: quando pensa em rejeitar o próprio filho e o oferece a um amigo, que aceita de bom grado cuidar da criança, já que tamanha genialidade tem seus privilégios, e a pessoa mais importante do país tem mais com o que se preocupar. Em outro momento, em um dos diálogos mais incisivos e cruciais para a narrativa, ao descobrir o suicídio de uma antiga amante e ao ser confrontado por sua esposa, que diz que Robert não pode simplesmente agir e errar da maneira que bem entender e esperar condolências e afetos após as consequências, o protagonista é afetado desde então, seja em relacionamentos afetivos, seja na própria execução do projeto. O cientista não pode simplesmente idealizar e se debruçar em torno de algo tão destrutivo e esperar que tudo siga como se nada tivesse ocorrido.
Surge então o momento dessa resenha de apresentar o segundo foco narrativo do filme: a visão de Lewis Strauss (Robert Downey Jr.) e do governo norte-americano. Por se tratar de uma segunda perspectiva, essa surge em preto e branco, e conta uma grande parte da relação entre o ex-diretor da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos (AEC) e o diretor do Projeto Manhattan. Lewis, por um sentimento de vingança advindo de um julgamento antigo, quer mais do que ninguém, descredibilizar Oppie e revogar sua autorização de segurança. Todavia, indo além do sentimento de vingança, Strauss pode ser interpretado como a perspectiva do próprio governo americano, que, como nos é apresentado, rejeitou muitos de seus cientistas após a execução de projeto, e até mesmo perseguiu a maior parte deles sob a temeridade de associações comunistas e envolvimento com os soviéticos.
Este inclusive é um aspecto que tranquiliza este redator, já que assim como Oppenheimer não é o herói da história, tampouco são os Estados Unidos, que têm toda a sua hipocrisia e inúmeras fraquezas apresentadas, tanto a respeito da guerra quanto ao avanço tecnológico.
No mais, além da narrativa, o filme conta com um grande apuro técnico, com o qual os planos são bem construídos e ambientados, dando ênfase para o uso de closes sufocantes nos momentos de maior tensão e cenas épicas de explosões, já que essas, por serem poucas, merecem um maior destaque. Outro fator crucial, e já encontrado nas obras anteriores do diretor, são as composições que formam a trilha sonora, que ambienta muito bem as cenas cotidianas, românticas e aventureiras do protagonista, mas, principalmente, intensifica a tensão proposta pela narrativa, com músicas intensas até mesmo em pequenos conflitos do cientista e não somente nos momentos de maior destaque. Além disso, o silêncio que precede alguns eventos consegue ser tão impactante, e muitas vezes destrutivo, quanto a própria trilha sonora.
A produção conta com personagens marcantes e fundamentais para a história da Ciência, portanto a escolha de elenco de Nolan encontra uma base onde se apoiar, com a escolha de atores de sucesso que participaram de obras notáveis e se encontram em destaque nos dias atuais.
Em síntese, o filme dispõe de uma narrativa intensa e constante em suas três horas de duração, com personagens muito bem trabalhados e ambientados; atuações marcantes; algumas cenas épicas, outras tensas, algumas somente para efeito de continuidade; uma trilha sonora tão intensa quanto a narrativa e o principal: uma história bem trabalhada com diversos aspectos da vida do cientista, que se intercalam, se combinam ou se conflitam, resultando também em um personagem complexo e fruto de ambições, frustrações e tragédia. Nolan fez um bom trabalho.

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